Rumo ao esgoto: "Folha" publicaria ficha do Serra?

Escrito en BLOGS el
Neste sabado (25 de abril), mesmo dia em que a ministra Dilma Roussef informou estar em tratamento contra um câncer, a "Folha" publicou um texto infame confirmando o embuste que tentou apresentar a seus leitores como "reportagem" jornalística. Vocês se lembram da "reportagem" da "Folha" sobre o sequestro que nunca existiu? O sequestro de Delfim Netto? No dia 5 de abril,  o jornal publicou a matéria e trouxe na capa uma "ficha" de Dilma. Pois bem: a ministra já havia alertado que não encontrou a tal ficha nos arquivos da ditadura. Militantes, ex-presos políticos com quem conversei nas últimas semanas, também foram unânimes em dizer: o carimbo de "capturado" que aparece na tal "ficha" foge completamente ao padrão dos documentos do antigo DOPS. A "ficha" tinha toda a aparência de ser um material forjado, falsificação grosseira dessas que circulam pela internet. A "reportagem" de 5 de abril tinha um objetivo claro: atingir a candidatura de Dilma - http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/folha-rumo-ao-esgoto-ficha-de-dilma-era-falsa. Mais de 20 dias depois, a "Folha" publica neste sábado (sem chamada de capa, ressalte-se) um texto estranhíssimo, sob o título: "Autenticidade de ficha de Dilma não é provada". Não é provada por quem? A quem caberia provar, se não ao próprio jornal que estampou o material em sua primeira página? Ora, até para manipular e fazer campanha antecipada é preciso um pouco mais de cuidado. Mas a "Folha" dá mostras de caminhar rapidamente rumo ao esgoto. O pessoal da policia paulista que não gosta muito do Serra fez circular pela internet uma "ficha" do Serra. A autenticidade "não pode ser assegurada - bem como não pode ser descartada". Foi essa a frase da "Folha" para definir a "ficha" da Dilma. Será que a "Folha" publicaria a "ficha" do Serra? Mais adiante, publico na integra o texto de "retratação" da "Folha". Mas gostaria de fazer algumas observações. Primeiro, um dado técnico: por que o texto deste sábado é assinado pela "Sucursal do Rio"? A Dilma não vive no Rio, a principal fonte da matéra original do dia 5 (o ex-militante Antônio Roberto Espinoza) vive em São Paulo, a tal "ficha" seria do DOPS paulista... Então, pra que "Sucursal do Rio"? Será que o milico que passou a ficha pra "Folha" mora no Rio?  É isso? Segundo, a constatação do tipo de conduta adotada pelo jornal em suas apurações: no segundo parágrafo do texto deste sábado, aparece a informação de que  "na verdade o jornal recebeu a imagem por e-mail". Ah, era uma "imagem"... Não havia a "ficha", ninguém viu ficha nenhuma. O jornal não mandou ninguém checar bo DOPS. Confiou em suas fontes. Posso imaginar que fontes são essas Mais adiante, lá pelo fim do texto, surge outra informação: "pelo menos desde novembro a ficha está na internet, destacadamente em sites que se opõem à provável candidatura presidencial de Dilma". Hum... Então, a jornalista que assinou a reportagem de 5 de abril (e que agora não tem coragem de dar as caras pra assinar a "retratação") ligou pros caras que mantem esses sites (um deles é o ex-torturador Brilhante Ustra)  e pediu: "manda a ficha aí, rapaziada, que eu tô fechando um texto pra ferrar a Dilma". Foi assim? Não me espantaria: a "Folha" estaria apenas reeditando a velha parceria dos anos 70 com a turma dos torturadores. O terceiro ponto é a forma "manhosa" e "maldosa" como o  jornal edita o texto deste sábado (25 de abril). Logo abaixo do título, aparece um  "olho" (no jargão jornalístico, nome que se dá a pequenas chamadas desse tipo): "reportagem reconsituiu participação de Dima em atos do grupo terrorista VAR-Palmares, que lutou contra a ditadura militar". Ou seja: aproveita-se a "retratação" para voltar a carimbar Dilma com  o rótulo de "terrorista". Estou à espera de reportagem semelhante sobre a participaçã de Serra na AP - organização que explodiu bomba no aeroporto do Recife, entre outros atos "terroristas". Será publicada? A Folha" vai trazer uma "ficha" do Serra pra chamada ficar mais bonitinha? Podem aproveitar essa que eu botei no começo desa matéria. Eu mando a "imagem por "e-mail", ok? Depois a gente checa a autenticidade... Estou à espera também de um texto sobre a participação de Aloysio Nunes Ferreira (secretário de Serra) na ALN. Chamado de "camarada Mateus", ele participou de assaltos a banco e trens, na resistência à ditadura. Virou Ministro de FHC, depois secretário de Serra, e a "Folha" nunca publicou a "ficha" do Aloysio. Estou à espera. Estou mesmo? Nada. Da "Folha" e do seu jornalismo de esgoto não espero mais nada. Trata-se de um jornal absolutamente local (paulistano) e decadente. Nosso papel apenas é ajudar a contar as histórias nebulosas que cercam a família Frias. Pra isso nem é necessário usar fichas ou depoimentos falsos - como eles fazem. Não. Basta a verdade. ==== (abaixo, o texto deste sábado, 5 de abril, na "Folha") "AUTENTICIDADE DE FICHA DE DILMA NÃO É PROVADA" Folha tratou como autêntico documento, recebido por e-mail, com lista de ações armadas atribuídas à ministra da Casa Civil Reportagem reconstituiu participação de Dilma em atos do grupo terrorista VAR-Palmares, que lutou contra a ditadura militar DA SUCURSAL DO RIO A Folha cometeu dois erros na edição do dia 5 de abril, ao publicar a reprodução de uma ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85). O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo [do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada -bem como não pode ser descartada. A ficha datilografada em papel em tom amarelo foi publicada na íntegra na página A10 e em parte na Primeira Página, acompanhada de texto intitulado "Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto". Internamente, foi editada junto com entrevista da ministra sobre sua militância na juventude. Sob a imagem, uma legenda ressaltou a incorreção dos crimes relacionados: "Ficha de Dilma após ser presa com crimes atribuídos a ela, mas que ela não cometeu". O foco da reportagem não era a ficha, mas o plano de sequestro em 1969 do então ministro Delfim Netto (Fazenda) pela organização guerrilheira à qual a ministra pertencia, a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares). Ela afirma que desconhecia o plano. Em carta enviada ao ombudsman da Folha anteontem, Dilma escreve: "Apesar da minha negativa durante a entrevista telefônica de 30 de março (...) a matéria publicada tinha como título de capa "Grupo de Dilma planejou sequestro do Delfim". O título, que não levou em consideração a minha veemente negativa, tem características de "factóide", uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu. Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha." A reportagem da Folha se baseou em entrevista gravada de Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares, que assumiu ter coordenado o plano do sequestro do ex-ministro e dito que a direção da organização tinha conhecimento dele. Três dias depois da publicação da reportagem, Dilma telefonou à Folha pedindo detalhes da ficha. Dizia desconfiar de que os arquivos oficiais da ditadura poderiam estar sendo manipulados ou falsificados. O jornal imediatamente destacou repórteres para esclarecer o caso. A reportagem voltou ao Arquivo Público do Estado de São Paulo, que guarda os documentos do Dops. O acervo, porém, foi fechado para consulta porque a Casa Civil havia encomendado uma varredura nas pastas. A Folha só teve acesso de novo aos papéis cinco dias depois. No dia 17, a ministra afirmou à rádio Itatiaia, de Belo Horizonte, que a ficha é uma "manipulação recente". Na carta que enviou ao ombudsman, Dilma escreveu: "Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito a minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 5.abr.2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S. Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos." A ministra escreveu ainda: "O mais grave é que o jornal Folha de S.Paulo estampou na página A10, acompanhando o texto da reportagem, uma ficha policial falsa sobre mim. Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br ("terrorismo nunca mais"), atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa." Fontes Dilma integrou organizações de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra não participou, no entanto, das ações descritas na ficha. "Nunca fiz uma ação armada", disse na entrevista à Folha de 5 de abril. Devido à militância, foi presa e torturada. Na apuração da reportagem do dia 5, o jornal obteve centenas de documentos com fontes diversas: Superior Tribunal Militar, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Arquivo Público Mineiro, ex-militantes da luta armada e ex-funcionários de órgãos de segurança que combateram a guerrilha. Ao classificar a origem de cada documento, o jornal cometeu um erro técnico: incluiu a reprodução digital da ficha em papel amarelo em uma pasta de nome "Arquivo de SP", quando era originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte. No arquivo paulista está o acervo do antigo Dops, sigla que teve vários significados, dos quais o mais marcante foi Departamento de Ordem Política e Social. Na ditadura, era a polícia política estadual. Entre as imagens reproduzidas pelo arquivo, a pedido da Folha, não estava a ficha. "Essa ficha não existe no acervo", diz o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar. "Nem essa ficha nem nenhuma outra ficha de outra pessoa com esse modelo. Esse modelo de ficha a gente não conhece." Pelo menos desde novembro a ficha está na internet, destacadamente em sites que se opõem à provável candidatura presidencial de Dilma. O Grupo Inconfidência, de Minas Gerais, mantém no ar uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis que defendem o regime instaurado em 1964. Seu criador, o tenente-coronel reformado do Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha "está circulando na internet há mais de ano". Sobre a autenticidade, comentou: "Não posso garantir. Não fomos nós que a botamos na internet". Pesquisadores acadêmicos, opositores da ditadura e ex-agentes de segurança, se dividem. Há quem identifique indícios de fraude e quem aponte sinais de autenticidade da ficha. Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.