Paralamas do Sucesso (e do trabalho)

Que trabalho, que nada! No início de fevereiro, intimado por minha esposa e uma amiga, assisti a um show do Paralamas do Sucesso em Ribeirão Preto. À formação tradicional da banda (Herbert Viana, João Barone e Bi Ribeiro) juntaram-se três outros músicos (João Fera, Bidu Cordeiro e Monteiro Jr.) e com isso tivemos, além de baixo, guitarra e bateria, também saxofone, trombone e teclados e pandeiros, de vez em quando.

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por Pedro Pomar Que trabalho, que nada! No início de fevereiro, intimado por minha esposa e uma amiga, assisti a um show do Paralamas do Sucesso em Ribeirão Preto. À formação tradicional da banda (Herbert Viana, João Barone e Bi Ribeiro) juntaram-se três outros músicos (João Fera, Bidu Cordeiro e Monteiro Jr.) e com isso tivemos, além de baixo, guitarra e bateria, também saxofone, trombone e teclados e pandeiros, de vez em quando. Foram mais ou menos duas horas e meia de música, ótima e dançante. Que trabalho, que nada... Enquanto curtíamos o som, mais impressionados ficávamos com a performance de Herbert. Resgatado das garras da morte, após o acidente aéreo sofrido em 2001, o músico, embora em cadeira de rodas, esbanjava energia e memória. Não notei nenhuma vacilação, nenhum lapso no desfilar de tantas letras novas e antigas. Pelo menos duas vezes, ainda deu-se ao luxo de provocar a platéia: “Vocês estão cansados?” Nada de trabalho, será? Ora, é verdade que o músico se delicia com o seu trabalho, mas isso significa que tudo é pura moleza? Claro que não. Os músicos trabalham duramente antes e durante as suas apresentações. Existem, porém, diferenças em relação a outras modalidades de labor produtivo (como, por exemplo, as linhas de produção industrial). Os músicos, não raramente, são donos dos seus instrumentos e da aparelhagem de som, o que os torna próximos dos antigos artesãos. E ao contrário de uma mercadoria produzida em uma linha de montagem, idêntica a outras centenas de milhares, um show pode ser único e inesquecível, exatamente por envolver criatividade, emoção e artesanato. Pensava nestas questões enquanto as músicas se sucediam. Quem salvou Herbert? O trabalho, ao mesmo tempo artesanal e altamente complexo, de uma equipe de cirurgiões e outros profissionais da medicina. O próprio Herbert referiu-se duas vezes a “trabalho”. Primeiro, quando agradeceu à platéia por estar “em conexão com o nosso trabalho”. Segundo, quando pediu palmas para a equipe técnica responsável pela montagem do show no Brasil e no exterior. O diabo do trabalho, portanto, esteve presente o tempo todo, apesar das aparências em contrário. Outro momento interessante foi quando Barone errou o início de uma música na bateria. Advertido por Bi, ele aproveitou para fazer uma breve interrupção e, com franqueza, pediu desculpas ao público pelo erro. Também desculpou-se, em nome da banda, pelo atraso no início do show. Na verdade, a casa anuncia um determinado horário, mas só chama a banda ao palco duas ou três horas depois. Tudo isso para vender bebidas por mais tempo (e a um preço salgado). Barone mandou o recado, em forma de protesto: “Um dia todos os shows vão começar no máximo às nove da noite”. Típica, e justa, reivindicação de trabalhador, operário ou não... Nota do autor: atualizei este texto (inicialmente intitulado Trabalho improdutivo dançante) para corrigir um erro no original, apontado pelos leitores Felipe e Joel Bueno, aos quais agradeço. Na verdade, a expressão “trabalho improdutivo” foi indevidamente empregada por mim, no tocante ao trabalho dos músicos (e, provavelmente, da equipe médica citada). Trata-se de um trabalho produtivo, na medida em que gerou valor de uso, ou seja, uma utilidade para terceiros, adquirida mediante pagamento. Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.

Paralamas do Sucesso (e do trabalho)

Que trabalho, que nada! No início de fevereiro, intimado por minha esposa e uma amiga, assisti a um show do Paralamas do Sucesso em Ribeirão Preto. À formação tradicional da banda (Herbert Viana, João Barone e Bi Ribeiro) juntaram-se três outros músicos (João Fera, Bidu Cordeiro e Monteiro Jr.) e com isso tivemos, além de baixo, guitarra e bateria, também saxofone, trombone e teclados e pandeiros, de vez em quando. Foram mais ou menos duas horas e meia de música, ótima e dançante. Que trabalho, que nada...

Enquanto curtíamos o som, mais impressionados ficávamos com a performance de Herbert. Resgatado das garras da morte, após o acidente aéreo sofrido em 2001, o músico, embora em cadeira de rodas, esbanjava energia e memória. Não notei nenhuma vacilação, nenhum lapso no desfilar de tantas letras novas e antigas. Pelo menos duas vezes, ainda deu-se ao luxo de provocar a platéia: “Vocês estão cansados?”

Nada de trabalho, será? Ora, é verdade que o músico se delicia com o seu trabalho, mas isso significa que tudo é pura moleza? Claro que não. Os músicos trabalham duramente antes e durante as suas apresentações. Existem, porém, diferenças em relação a outras modalidades de labor produtivo (como, por exemplo, as linhas de produção industrial). Os músicos, não raramente, são donos dos seus instrumentos e da aparelhagem de som, o que os torna próximos dos antigos artesãos. E ao contrário de uma mercadoria produzida em uma linha de montagem, idêntica a outras centenas de milhares, um show pode ser único e inesquecível, exatamente por envolver criatividade, emoção e artesanato.

Pensava nestas questões enquanto as músicas se sucediam. Quem salvou Herbert? O trabalho, ao mesmo tempo artesanal e altamente complexo, de uma equipe de cirurgiões e outros profissionais da medicina.

O próprio Herbert referiu-se duas vezes a “trabalho”. Primeiro, quando agradeceu à platéia por estar “em conexão com o nosso trabalho”. Segundo, quando pediu palmas para a equipe técnica responsável pela montagem do show no Brasil e no exterior. O diabo do trabalho, portanto, esteve presente o tempo todo, apesar das aparências em contrário.

Outro momento interessante foi quando Barone errou o início de uma música na bateria. Advertido por Bi, ele aproveitou para fazer uma breve interrupção e, com franqueza, pediu desculpas ao público pelo erro. Também desculpou-se, em nome da banda, pelo atraso no início do show. Na verdade, a casa anuncia um determinado horário, mas só chama a banda ao palco duas ou três horas depois. Tudo isso para vender bebidas por mais tempo (e a um preço salgado). Barone mandou o recado, em forma de protesto: “Um dia todos os shows vão começar no máximo às nove da noite”. Típica, e justa, reivindicação de trabalhador, operário ou não...

Nota do autor: atualizei este texto (inicialmente intitulado Trabalho improdutivo dançante) para corrigir um erro no original, apontado pelos leitores Felipe e Joel Bueno, aos quais agradeço. Na verdade, a expressão “trabalho improdutivo” foi indevidamente empregada por mim, no tocante ao trabalho dos músicos (e, provavelmente, da equipe médica citada). Trata-se de um trabalho produtivo, na medida em que gerou valor de uso, ou seja, uma utilidade para terceiros, adquirida mediante pagamento.