Guarda Nacional e comportamentos militarizados: não há novidade na decisão de Donald Trump para a fronteira dos Estados Unidos com o México

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O envio da Guarda Nacional à fronteira sul dos Estados Unidos, no começo de abril, tem ares de "novidade" e de "resolver as coisas militarmente", dados pelo presidente Donald Trump, mas que são artifícios retóricos, porque as tropas já haviam sido enviadas pelos presidentes antecessores e a fronteira com o México já possui um cenário com altos investimentos e comportamentos com características militares.  Por Leonardo Jordão No dia 04 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou e exigiu o envio de tropas da Guarda Nacional para a fronteira com o México, para ajudar na patrulha da fronteira. No pronunciamento, Trump categorizou a medida como necessária até que se tenha "um muro e uma segurança apropriada” na fronteira sul. Destacou ainda que “é um grande passo, que não tinha sido feito anteriormente” e, para ressaltar, utilizou a expressão “resolver as coisas militarmente”. Mas o que existe de novo em enviar a Guarda Nacional e “resolver as coisas militarmente”? O presidente Trump relata que sua decisão tem um ar excepcional e inédito, mas os presidentes antecessores, George W. Bush e Barack Obama, já haviam enviado a Guarda Nacional anteriormente, o que se conclui que esse ar de novidade é mais um artifício retórico. De fato, “resolver as coisas militarmente” já é uma realidade na fronteira sul, com investimentos em equipamentos, como radares e fortificações como pontos de controle, e condutas militares realizadas pelos agentes de patrulha, como a dissuasão do imigrante antes mesmo dele entrar. Antes de um olhar mais atento aos aspectos militares na fronteira sul, alguns elementos da Guarda Nacional e de seu envio  devem ser ressaltados para melhor entender o contexto. O presidente Trump exigiu o envio de tropas da Guarda Nacional, que são tropas da reserva das Forças Armadas. Isso porque, de acordo com o Posse Comitatus Act, uma lei estadunidense assinada em 1878, e atualizada em 1956 e 1981, o uso das Forças Armadas é vedado para resolver problemas de segurança doméstica. A lei deixa claro que as Forças Armadas não podem prender ou usar força contra possíveis imigrantes irregulares. O emprego das Forças Armadas está restrito a tarefas de vigilância, fotografias aéreas, treinamento e instalação de barreiras. Resumindo, o envio das Forças Armadas para “tarefas de polícia” está impedido, deixando para a Guarda Nacional essa conduta com uma condição: o estado, a entidade federal, em que ela for operar deve autorizar sua atuação como força análoga a força policial. Agora quanto ao envio de homens da Guarda Nacional, os presidentes George W. Bush e Barack Obama já haviam enviado os primeiros para a tarefa de ajudar no patrulhamento. Entre 2006 e 2008, na Operation Jump Start, o presidente Bush enviou um contingente de 6.000 homens da Guarda Nacional, enquanto entre 2010 e 2011, na Operation Phalanx, o presidente Obama, enviou 1.200 homens da Guarda Nacional. Em ambos os casos, a Guarda Nacional teve condutas de vigilância e apoio aos agentes federais de patrulha, como a Border Patrol. Além da recorrência do envio de homens, os custos levantados para aquelas duas operações, giraram em torno dos 1,35 bilhão de dólares, o que torna a questão da mobilização de tropas na fronteira uma ação de alto custo. imagem 1

Fonte: Al Jazeera

A fronteira é, também, marcada pelo uso de equipamentos, fortificações e condutas com características militares. Ou com uso original militar, adaptado para uso na fronteira, como radares, pontos de controle ao longo do território estadunidense, suporte e inteligência aérea e comportamentos de controle de território e dispersão de pessoas. Como exemplo da quantidade de recursos destinados à proteção da fronteira, destaca-se alguns: o aumento de 38 milhões de dólares em 2005 para 800 milhões de dólares em 2010 investidos pela Secure Border Initiative, um gasto de 17,1 bilhões de dólares com fortalecimento da fronteira e a Customs and Border Protection recebendo em torno de 11 bilhões de dólares para gastos com a proteção da fronteira. Os investimentos também são destinados à questão tática: treinamento de agentes federais de patrulha, como a Border Patrol, com condutas militares. Esses investimentos e condutas criam uma lógica de “prevenção pela dissuasão”, no sentido de dissuadir a entrada de imigrantes. Ou então, dificultar a entrada ou forçar a mudar a rota de entrada, fazendo com que os imigrantes sejam mais facilmente denunciados ou avistados. O resultado é mortal: no Arizona, contabilizando a cada 100 mil restos mortais em cada ano, em 2009, 78 restos mortais de imigrantes foram achados, passando para, em 2010, 105 restos mortais, com um ápice em 2015, com quase 150 restos mortais, sendo estes os números que puderam ser contabilizados, mas as dificuldades geográficas fazem com que esses números possam ser maiores.

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Exemplo das condutas e equipamentos militares que existem na fronteira. Fonte: US Government Accountability Office

Como os homens da Guarda Nacional já foram enviados anteriormente, e também já existe uma conduta muito militarizada na fronteira, cabe novamente destacar que não tem novidade na decisão e no discurso  do presidente Trump para a fronteira dos Estados Unidos com o México, como o próprio presidente destacou. O envio da Guarda Nacional não é inédito do governo de Trump, pois foi realizado também pelos presidentes antecessores. A fronteira já é marcada por investimentos e lógicas militares que buscam dissuadir a entrada do imigrante; os problemas tentam ser resolvidos com aspectos militares. Não é plausível, então, concordar com o presidente Trump sobre o ineditismo do envio da Guarda Nacional e resolver as coisas militarmente, quando ambos já foram, ou ainda são, uma realidade na fronteira. Portanto, há uma falsa retórica do presidente para (tentar) justificar o envio (novamente) de homens da Guarda Nacional, dado o caráter polêmico dessa atitude, além de exaltar as suas ações em relação ao governo anterior.