México-Fronteira: como o território mexicano tornou-se uma fronteira para os fluxos migratórios

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Após os Estados Unidos declararem crise humanitária no sul da sua fronteira, em resposta, o governo mexicano criou o Plan Frontera Sur em 2014, que na prática estendeu a fronteira estadunidense até a fronteira sul do México. O objetivo manifesto do plano era de melhor controle e apoio ao migrante, entretanto, aumentou consideravelmente o número de deportações e os casos de violência e xenofobia contra migrantes no país.

Por Leonardo Chilio Jordão Leandro Fernandes Sampaio Santos*

No primeiro semestre de 2014, diante da migração volumosa de centro-americanos, principalmente das 67.339 crianças desacompanhadas detidas na fronteira Estados Unidos-México, o governo estadunidense declarou crise humanitária na fronteira sul do país e procurou firmar acordos com países da região com objetivo de refrear a mobilidade migratória. Em resposta, no dia 07 de julho de 2014, o presidente Enrique Peña Nieto anunciou o início do Programa Frontera Sur, ou Plan Frontera Sur, plano que seria destinado ao controle fronteiriço do sul do México. O plano, que contava em 2015 com o orçamento de 102 milhões de pesos (24 milhões de reais), tinha como objetivo manifesto a proteção dos direitos humanos dos migrantes e aumentar a estabilidade e segurança da região. Entretanto, 95% do valor destinado foi direcionado para gastos administrativos, ou seja, a maior parte do orçamento foi gasto com a burocracia institucional e não com programas de acolhimento e tratamento dos migrantes. De modo geral, as funções iniciais do plano, ao menos no discurso, correspondiam a um mais ordenado e seguro apoio ao imigrante e refugiado, mas na prática, voltou-se mais para a fortificação da infraestrutura burocrático-securitária de controle da entrada de pessoas na fronteira sul do México, tornando-a mais robusta e complexa, dificultando sobremaneira o trânsito migratório no país.

Desde 2016, o México deporta mais migrantes irregulares, a maioria da América Central, do que o próprio Estados Unidos, e o México teve um aumento de 1000% de pedidos de refúgio em três anos, sendo que grande parte dos migrantes centro-americanos são requerentes de asilo. Mas outros dados também são preocupantes quando envolvem os migrantes: aumento da violação dos direitos humanos, marginalização na travessia e por não conseguir o status de refugiado, vítimas de grupos criminosos que atuam na região e crescente xenofobia da população fronteiriça mexicana. O plano teve um apoio estadunidense na época de seu lançamento, e até 2018, recebia apoio financeiro para aumentar a deportação de migrantes. O Plan Frontera Sur foi concebido como um programa abrangente, cujos objetivos além de tratar com enfoque de atenção integral as questões de migração no sul da fronteira mexicana, também visava promover o desenvolvimento econômico dos 23 municípios da região. Apesar do objetivo declarado, é possível afirmar que o plano não serviu para assegurar uma melhor condição de travessia e legalidade para o migrante, não foi elaborado um documento oficial que instituísse a estrutura do plano e nenhum roteiro programático para orientá-lo. Com o número de migrantes e possíveis refugiados ainda crescendo em 2019, o plano pode ser considerado uma maneira de deslocar a fronteira dos Estados Unidos até o sul do México.

Aproximadamente, cerca de 400 mil pessoas entram no México por ano. A contar de 2016, o México ultrapassou os Estados Unidos nas deportações, sendo que nesse mesmo deportou quase 147 mil migrantes, uma média de 293 migrantes deportados por dia, em comparação com os quase 96 mil deportados pelos Estados Unidos. Além das deportações, o representante da Cruz Vermelha do México, América Central e Cuba, relata que existe a detenção sistemática de migrantes no México, sendo que muito poucos possuem antecedentes criminais. Segundo a Red de Organizaciones Defensoras de Migrantes, em 2015, 41% dos delitos cometidos contra os migrantes foram de policiais mexicanos. O aumento da infraestrutura e atenção à fronteira se traduziu em métodos mais efetivos de identificar o migrante, e assim prendê-lo ou deportá-lo. Os números ajudam a demonstrar que o objetivo latente é, na realidade, evitar que mais migrantes entrem no México, e reconhecendo que esses migrantes querem chegar nos Estados Unidos, o objetivo ganha uma nova função de impedir os migrantes de chegarem ao país. Poderia-se afirmar, então, que o México torna-se uma barreira para chegar aos Estados Unidos; uma nova fronteira para os Estados Unidos.

A maior presença de infraestrutura e de oficias de migração fizeram com que os migrantes usassem caminhos alternativos para evitar as barreiras. Caminhos que os tornaram vítimas do crime organizado e gangues na região, além de vítimas de estupro, roubo, extorsão e tráfico de pessoas. A irregularidade dos migrantes indocumentados é um mercado lucrativo para grupos ilícitos que exploram a vulnerabilidade dessas pessoas. O crescimento dessas práticas representa não uma desatenção dos oficiais ou da infraestrutura fronteiriça, mas sim um propósito velado de deixar o migrante sob o controle de grupos com propósitos ilícitos, e distante da responsabilidade legal mexicana. Destaca-se uma ironia, então: o propósito oculto, colocar os migrantes nas mãos de grupos ilícitos, permite que tais grupos, na verdade, lucrem com a movimentação do migrante. O crime é visto como uma barreira para os agentes legais, mas aquele acaba ajudando na travessia. Continuam sofrendo os grupos de migrantes, sujeitos às condutas criminosas.

Para os migrantes que conseguem ficar na região fronteiriça, a situação não é menos preocupante. Além da possibilidade da sujeição, devido a sua vulnerabilidade, a empregos abusivos e sem estrutura legal, os migrantes também não possuem estrutura para habitação nessa região. E isso vem gerando um sentimento de xenofobia nas populações mexicanas, a partir de uma percepção de que o aumento da violência é devido ao aumento de migrantes centroamericanos, que, novamente, (tentam) habitar e trabalhar de maneira ilícita. Em 2017, das pessoas que são presas por pertencimento às gangues, 80% são mexicanas. E em um protesto no mesmo ano por diminuição de preços de petróleo, 401 pessoas foram presas, e somente 25 não eram mexicanas. Existe a construção de uma percepção, que monta uma narrativa xenófoba sobre os migrantes, muitas vezes fragilizados, narrativa essa que só dificulta sua permanência e cria obstáculos ainda maiores para a mobilidade aos Estados Unidos.

Toda essa situação recebeu, e ainda recebe, apoio financeiro e estrutural dos Estados Unidos. País que com Donald Trump na presidência desde 2017, vem tecendo fortes críticas à “imigração ilegal”, inclusive na suposta permissividade mexicana. Mas o apoio estadunidense às políticas migratórias mexicanas, inclusive um apoio recente de quase 20 milhões de dólares torna dois pontos claros: os Estados Unidos já apoiavam as políticas mexicanas de controle migratórios desde antes de Trump chegar à Casa Branca, e o discurso permanece uma retórica infundada, frente ao apoio financeiro no seu governo. Apesar do recém eleito presidente do México, Andrés Manuel Lopez Obrador, ter recebido com mais permissividade as novas caravanas de migrantes em relação aos governos anteriores, essas ações não passaram de casos isolados. De fato, a situação fronteiriça no sul do México voltou a permitir a manutenção deste país como uma fronteira para os Estados Unidos.

Os números e as denúncias ilustram que o México criou um ambiente em que o migrante possui grandes chances de ser deportado – isto se não cair nas mãos de atores ilícitos –, ou de maneira mais geral, de que o migrante não chegue aos Estados Unidos, uma vez que entre 2015 e 2018, o México deportou pouco mais de 436 mil migrantes contra quase 294 mil migrantes deportados pelos Estados Unidos. Em outras palavras, existe a criação de um ambiente em que o México se torna a própria fronteira para chegar aos Estados Unidos. As condutas e o plano criado, bem como o discurso securitário, confirmam que há um empenho de transformar o México em uma nova barreira para a já fechada fronteira dos Estados Unidos.

Imagem: https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-45930187


*Leandro Fernandes Sampaio Santos Doutorando em Relações Internacionais PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP) Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) Pesquisador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES)