SOMBRA DO PASSADO

Morre aos 80 anos Cabo Anselmo, figura sinistra e agente duplo da Ditadura Militar

Militar da Marinha era um agitador nato e atuou na esquerda antes, durante e após o Golpe de 1964, mas entregava companheiros à repressão, inclusive a própria noiva grávida

Cabo Anselmo em 2011 (Foto: Eliária Andrade, Programa Roda Viva - TV Cultura).
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Morreu aos 80 anos em Jundiaí (SP), vítima de uma complicação renal, José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo. Uma das mais emblemáticas e sinistras figuras do Golpe de 1964 e da Ditadura Militar (1964-1985), Anselmo era integrante da Marinha, mas sua importância para o período histórico mais sombrio do Brasil no século XX deu-se pelo fato de atuar como agente duplo, militando fortemente em movimentos de esquerda, ao passo que entregava seus companheiros para a morte e a tortura nas mãos da repressão.

Ingressou na Marinha do Brasil em 1958 e exerceu marcada atuação política na associação que representava os praças da corporação, sendo rotulado como um radical de esquerda. Agitador nato, apoiou de dentro dos quartéis as reformas propostas pelo presidente João Goulart, colocando-se como um aliado de Jango entre os fardados, embora documentos descobertos por historiadores tenham revelado que o Centro de Inteligência da Aeronáutica já o mencionava como um colaborador antes do Golpe de 1964, versão confirmada por Cecil Borer, ex-diretor do DOPS, e por Ivo Acioly Corseuil, chefe do Serviço Federal de Informações e Contra-Informação (SFICI) durante o governo do último presidente civil antes dos 21 anos de regime autoritário.

Confuso dentro do próprio personagem, Cabo Anselmo foi de fato preso pela repressão em maio de 1971, numa ação comandada pelo sádico e diabólico delegado Sérgio Paranhos Fleury. Amargando um bom tempo de cadeia e sessões horrendas de tortura, Anselmo passou a entregar membros da luta armada, algo que já fazia anos antes. É nesse período que comete a maior de suas imoralidades: entregar para a morte a própria noiva, grávida de um filho dele, a militante paraguaia Soledad Barrett Viedma.

Em liberdade, ficou com a cabeça a prêmio nos círculos militares e da resistência, precisando sumir. Foi dado oficialmente como morto em 1973, embora muitos não acreditassem nisso. Só comprovou estar vivo em 1984 quando concedeu uma entrevista à revista Isto É, dando sua versão para o papel de traidor duplo que realizara nas duas décadas anteriores.

Dado como morto, nunca conseguiu comprovar burocraticamente que estava vivo, vivendo como uma “sombra” na democracia. Teve o cargo na Marinha cassado e passou a pleitear uma aposentadoria entre os anistiados, o que sempre lhe foi negado, visto que era um agente do Estado brasileiro e atuando em nome e interesse dele.

Nos últimos anos de vida deu palestras com forte carga ideológica de extrema direita para os novos grupelhos neoconservadores surgidos a partir de 2013, abordado temas desconexos e delirantes como doutrinação marxista nas escolas, ondas eletromagnéticas dos celulares e a quantidade de flúor na água.