JUSTIÇA

EXCLUSIVO: Procuradora do MPT é acusada de abrir associação para ganhar com ações civis na Justiça do Trabalho

Entidade, da qual ela é vice-presidente, tem como presidente seu companheiro e apenas mais um membro. Servidora teria usado dados, segundo juiz, de inquéritos sob custódia do MPT para entrar com ações que exigem indenizações milionárias

Créditos: Sindivigilância Campinas/Reprodução
Escrito en BRASIL el

Uma procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) teria constituído uma associação de trabalhadores, juntamente com o companheiro e um advogado trabalhista, sediada em Campinas (SP), para ajuizar ações civis públicas na Justiça do Trabalho contra grandes empresas de vários setores. Como procuradora, Carolina Marzola Hirata tem acesso aos inquéritos civis do MPT que investigavam essas companhias e, antes mesmo do órgão público onde trabalha propor uma ação civil pública, a ASPM (Associação Primeiro de Maio), nome dado pelos criadores à entidade, acionava a Justiça. Naturalmente, no caso de as empresas serem condenadas, a entidade receberia os honorários sucumbenciais, estimados em milhões de reais, já que as indenizações seriam coletivas, abarcando inclusive danos morais coletivos.

A história, aparentemente inacreditável, uma vez que uma das funções de um procurador do MPT é justamente realizar essa tarefa de fiscalizar e processar empresas que comentem infrações e ilegalidades trabalhistas, foi denunciada por um juiz que atuou num dos casos apresentados pela ASPM. Bruno da Costa Rodrigues, que é magistrado substituto no Fórum Trabalhista de São José dos Campos (SP), notou que a entidade civil atuava em várias ações civis públicas distintas, estimadas em “de 30 a 40”, em vários pontos diferentes do país, segundo a própria sentença de Rodrigues, referente a um caso em que a ré era a multinacional norte-americana Eaton.

Todas as informações contidas nesta reportagem foram extraídas da sentença proferida pelo juiz substituto do Trabalho Bruno da Costa Rodrigues.

Criada em 22 de outubro de 2021, conforme ata de assembleia registrada num cartório de Campinas, a ASPM tem como presidente o advogado trabalhista Raphael Miziara, que vive em união civil com a procuradora Carolina Marzola Hirata, apontada no documento como vice-presidente, além de um secretário-geral, identificado como Fábio Lemos Zanão, também advogado. O juiz Rodrigues, atento, percebeu também que havia, além de inexistência de trabalhadores na entidade recém-criada, um excesso de poder delegado aos três criadores, como exigências pré-estabelecidas para aceitar novos membros, condição de “reconhecimento” dos três para que efetivamente o novo nome fosse aceito e mandato de oito anos para as funções exercidas pelo quadro diretivo, no caso ocupados por Miziara, Carolina Hirata e Zanão.

“Constata-se que em tais ações como autora sempre apresenta pretensões de valores vultosos (alguns milionários), ao passo que, quando atuando em assistência litisconsorcial, promoveu diversos aditamentos para majoração do valor de indenizações inicialmente postuladas pelo Ministério Público”, sinaliza o juiz da ação da Eaton.

No mesmo texto o magistrado afirma ser “estranho” e “estarrecedor” que documentos do próprio Ministério Público do Trabalho, com informações sobre investigações em andamento, tenham sido usados pela ASPM para instruir suas ações civis contra empresas acionadas na Justiça do Trabalho.

“E pesquisando os autos de inúmeros processos, a situação passa a ser estarrecedora ao se verificar que a Associação Primeiro de Maio teve acesso e utilizou em ações próprias documentos de investigações colhidos pelo próprio Ministério Público do Trabalho em fase final de investigação, além de ter interferido e prejudicado investigações em andamento, sendo que tais fatos são relatados em pareceres de procuradores do próprio Ministério Público do Trabalho. Observe-se que, estranhamente, todos os documentos que instruem a inicial foram colhidos por este Parquet (MP) no curso da referida investigação, a qual estava em fase final, aguardando apenas a apresentação de documentos/informações complementares requisitados à reclamada para ajuizamento de ACP. Em outras palavras, a Associação reclamante utilizou-se de documentos colhidos no procedimento investigatório do MPT para embasar a presente ação, pouco antes da finalização do Inquérito Civil e ajuizamento da ACP por este Parquet (MP)”, escreveu Rodrigues, mostrando-se incrédulo com o que concluiu sobre a conduta da ASPM.

Ainda de acordo com o levantamento feito pelo juiz do caso, a ASPM teria como endereço um local que é um coworking, ou seja, espaço coletivo com estrutura de escritório, localizado no bairro Fazenda Santa Cândida, em Campinas, o que seria incompatível com uma organização que alega ter realizado suas assembleias lá. Duas intimações encaminhadas para este endereço, diz o magistrado, datadas de 29 de março e 8 de abril deste ano, teriam voltado para o fórum com o carimbo de “mudou-se”. Só que uma assembleia que teria supostamente sido feita no coworking está datada em ata como realizada em 3 de maio, portanto, posteriormente.

Rodrigues apontou ainda em sua investigação publicada na sentença que o site da ASPM, fora do ar nesta sexta-feira (27), teria tentado copiar o layout da página do Ministério Público do Trabalho e, ao colocar uma área de “denúncia”, cercada de matérias de natureza jurídica sobre Direito do Trabalho, estaria objetivando angariar clientela para novas ações.

“E tal intenção parece estar dividida em uma atuação que se beneficie de efeitos de sucumbência de tutela coletivas condenatórias ao mesmo tempo em que, abrindo um canal de “denúncias” em seu sítio eletrônico (com semelhanças aos sítio eletrônicos do Ministério Público do Trabalho) ao lado de inúmeras “matérias jurídicas” que versam exclusivamente sobre violações de direitos individuais heterogêneos, o teor das notícias tentam induzir o intérprete a fazer uma “denúncia” sobre eventual violação de direito individual próprio, circunstância que pode inferir uma tentativa de captação de clientela, tanto que o sítio eletrônico deixa claro que a denúncia também pode ser feita também por “desempregados””, afirmou o juiz na sentença.

Procurado pela reportagem da Fórum, o advogado Raphael Miziara negou qualquer ilegalidade na conduta da ASPM e afirmou que o juiz da ação da Eaton, que colocou o resultado de seus levantamentos na sentença, agiu de forma dolosa.

“De fato, a ASPM se valeu de “documentos colhidos pelo parquet em inquéritos ainda não finalizados”. Ocorre que todos estes documentos SÃO PÚBLICOS, para que qualquer cidadão possa acessar, mediante login e senha. Todos os documentos utilizados pela ASPM foram regularmente extraídos de autos de inquéritos civis mediante acesso com login e senha do advogado signatário. O magistrado deveria ter sido mais zeloso na sua busca desenfreada de provas extra autos. Poderia então ter percebido, mediante simples consulta ao site das mais diversas PRTs, que qualquer cidadão pode ter acesso aos documentos de inquéritos civis públicos, exceto o que estão em sigilo, o que não foi o caso em nenhum dos processos nos quais a ASPM atuou. A conduta dolosa do magistrado e a forma inquisitiva como conduziu suas próprias investigações (sem um mínimo de contraditório), demonstram pouco ou nenhum apreço ao respeito pelos direitos fundamentais dos envolvidos aos quais imputa sérias acusações. Nenhum acesso aos documentos que tramitavam no MPT se deu de forma ilícita, o que será, com certeza, devidamente apurado pelas instâncias competentes, pois todos os acessos ficam registrados no sistema. Para o desgosto do juiz sentenciante, e isso se afirma com toda certeza, a Procuradora jamais repassou qualquer tipo de informação dos inquéritos em andamento para a ASPM, até porque isso é totalmente descabido, na medida em que todos as informações e documento utilizados eram de acesso público”, defendeu-se Miziara.

A Fórum não conseguiu contato com a procuradora Carolina Marzola Hirata e encaminhou pedido de explicações para o Ministério Público do Trabalho, mas não recebeu retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestação de todos os envolvidos.