PARAÍBA

Absurdo: professor de medicina enfrenta inquérito por usar camiseta do MST em aula

Reitor da universidade foi indicado pelo ex-presidente Bolsonaro em 2020 e vem causando polêmicas em sua gestão

Professor Luciano Bezerra.Créditos: Reprodução/Internet
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Luciano Bezerra Gomes, um respeitado professor do curso de medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), está atualmente no centro de um processo interno. Ele havia sido notificado na última terça-feira (5) de que estaria fazendo propaganda política por ministrar aula usando camisa do Movimento Sem Terra e usar um slide em que aparece a logo do movimento.

A queixa originou-se de um indivíduo, o qual não especificou se é um estudante ou não, apresentada à Ouvidoria Geral, um órgão vinculado à Reitoria da UFPB. Em resposta à reclamação, a Ouvidoria optou por iniciar um processo formal e encaminhá-lo ao Centro de Ciências Médicas para uma investigação mais aprofundada.

No entanto,vale notar que o reitor da Universidade Federal da Paraíba, Valdiney Gouveia, foi nomeado em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro e vem causando polêmicas em sua gestão. 

Além disso, o professor de medicina tem um projeto de extensão na UFPB que funciona desde 2022, junto aos assentados do MST, aprovado pela própria universidade, não fazendo sentido incriminá-lo pelo uso da camisa em aula. Inclusive, o projeto faz atividades de campo em assentamentos e acampamentos.

Segundo Gomes, o uso da camisa é utlizado como manifestação pessoal, “sem que isso incorra em uma indevida atuação de minha função docente na relação com outros docentes, discentes e/ou servidores da UFPB”, afirma ele em nota. Veja o depoimento de Gomes na íntegra:

Olá, colegas da Universidade Federal da Paraíba.

Recebi na tarde de hoje (05/09/23) um processo oriundo da Ouvidoria da UFPB, em que se apresenta uma denúncia de possível ilegalidade de minha parte, alegando que eu estaria fazendo propaganda política por ministrar aula usando camisa do Movimento Sem Terra e usar slide em que aparece a logo do movimento.  Ainda, indicando que outros professores do meu Departamento (de Promoção da Saúde – DPS) também usariam adesivos e alusões envolvendo manifestações políticas.

Responderei formalmente à Ouvidoria, nos termos e prazos previstos em lei, mas uma medida como essas precisa ser compreendida não como uma tentativa de calar um docente, mas como um ataque à livre expressão do pensamento e da manifestação cidadã num espaço plural que deve ser a Universidade.

Assim, considero importante tornar público este fato, compartilhando com esta mensagem o teor da manifestação feita em forma de denúncia e encaminhada pela Ouvidoria, e no mesmo momento afirmar que:

1. uso regularmente camisas de movimentos sociais como manifestação pessoal da minha ação de cidadania, assim como também utilizo camisas e adesivos do meu sindicato (ADUFPB), sem que isso incorra em uma indevida atuação de minha função docente na relação com outros docentes, discentes e/ou servidores da UFPB;

2. em relação ao MST, não apenas uso camisas e bonés do Movimento, como coordeno um Projeto de Extensão oficial da Universidade, aprovado em editais da UFPB, que realiza apoio ao setorial de saúde do MST na Paraíba e que tem estudantes bolsista e voluntários, no qual realizamos inclusive atividades de campo em assentamentos e acampamentos, para as quais usamos transporte da Universidade em tais atividades acadêmicas reconhecidas pela instituição;

3. que não uso slides com finalidade de realizar propaganda política, mas que utilizo o computador de uso pessoal para ministrar aulas, visto que os existentes em sala de aula no CCM não apresentam condições adequadas para as aulas que ministro, como conectividade à internet, e que, na área de trabalho do meu computador constam imagens produzidas nas ações do Projeto de Extensão que coordeno, e que o uso de equipamento de fins pessoais em sala de aula, além de ser efeito da precarização dos nossos ambientes de trabalho, está longe de ser o uso que se afirmou indevidamente ser feito na manifestação encaminhada à Ouvidoria;

4. esta situação demonstra a maneira como se mantém a perseguição ao pensamento livre nas Universidades Públicas, e como a proposta da Escola Sem Partido continua alimentando a maneira como atuam parte das pessoas que defendem uma sociedade baseada no ódio à diversidade, defendo isso ser combatido por toda a comunidade universitária;

5. para além de tentar me implicar em conduta ilegal, não praticada, a manifestação insinua que colegas do meu Departamento também estariam desempenhando ações ilegais, quando efetivamente realizam é o papel de educadores em sua plenitude, construindo espaços para a reflexão do papel social da Universidade, e com quem eu já antecipo minha solidariedade;

6. por fim, dei ciência logo após tomar conhecimento do Processo ao corpo discente da disciplina em que ministro as aulas que foram objeto da manifestação feita à Ouvidoria, sem qualquer intenção de identificar a pessoa que fez tal registro, mas para que pudessem refletir também sobre a situação, cumprindo assim o papel de educador que me cabe como professor, que para além das questões técnicas que me cabem, também tenho o papel de formar pessoas éticas e comprometidas .

 

Prof. Luciano Bezerra Gomes

Departamento de Promoção da Sáude

Centro de Ciências Médicas

Universidade Federal da Paraíba

 

O que diz a denúncia

A mensagem anônima enviada à Ouvidoria foi descrita da seguinte forma: “Em suas aulas de Epidemiologia no curso de medicina realiza propaganda política, utilizando roupas com logos do Movimento Sem Terra, e utilizando em seus slides no retroprojetor a logo de tal movimento de cunho político-social. Outros professores desse mesmo departamento também utilizam adesivos e alusões envolvendo manifestações políticas”.

O professor declarou que ao receber a notificação oficial, comunicou em sala de aula, “não com o objetivo de constranger ninguém, mas com uma função pedagógica, para refletirmos sobre o que isso significa”, destaca. “A intenção é calar vozes”. Ele também mencionou que a Associação dos Docentes da UFPB/ADUFPB se prontificou a fornecer assistência jurídica. Segundo Luciano Bezerra, a denúncia feita à Ouvidoria pode evoluir e se tornar objeto de uma sindicância na instituição.

Apesar de tudo, Luciano Bezerra reitera que irá responder formalmente à Ouvidoria, nos termos e prazos previstos em lei. “Mas uma medida como essa precisa ser compreendida não como uma tentativa de calar um docente, mas como um ataque à livre expressão do pensamento e da manifestação cidadã num espaço plural que deve ser a Universidade”.

‘Denúncia não tem fundamento’

Ele lembra que o projeto é voltado para os assentamentos. “Essa denúncia não tem fundamento, deveria ter sido arquivada assim que chegou. Realizamos um trabalho de extensão, com estudantes bolsistas, e realizamos atividades em campo. Nosso objetivo é promover a saúde e melhorar a qualidade de vida nos assentamentos”. E prossegue: “é absurdo que a UFPB dê prosseguimento a essa denúncia, especialmente neste momento em que o MST enfrenta várias tentativas de criminalização”.

Em entrevista à UOL, o professor afirma que o processo é uma tentativa de perseguição do atual reitor contra os opositores. De acordo com a instituição, a ouvidoria deve "levantar elementos mínimos descritivos de presumível ato ilícito, informar ao interessado e, se for o caso, endereçar o processo às autoridades competentes para o juízo de admissibilidade".

Em uma parte do processo, a Ouvidoria ainda faz uma ‘sugestão’. “Caso não seja necessária a apuração de potenciais irregularidade, recomendamos que a autoridade superior hierárquica realize 'medidas de gestão' para corrigir e evitar o cometimento de falhas por parte do servidor público, com a finalidade de manter a regularidade na execução e prestação dos serviços públicos e prevenir a ocorrência de ilícito disciplinar”.

Com informações de UOL, do blog Maurílio Júnior e do portal Paraíba Feminina