Os 50 anos da Marcha Contra a Guitarra Elétrica

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A malfadada “Marcha Contra a Guitarra Elétrica” completa 50 anos nesta segunda-feira (17). É, caro jovem leitor. Você não leu errado. No Brasil, na década de 60, vários artistas, liderados pela cantora Elis Regina, com as presenças de Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo, MPB-4 e também, pasmem, Gilberto Gil, fizeram uma passeata em São Paulo contra o uso da guitarra elétrica na nossa música. Relembre a história  Por Julinho Bittencourt A malfadada “Marcha Contra a Guitarra Elétrica” completa 50 anos nesta segunda-feira (17). É, caro jovem leitor. Você não leu errado. No Brasil, na década de 60, vários artistas, liderados pela cantora Elis Regina, com as presenças de Jair Rodrigues, Zé Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo, MPB-4 e também, pasmem, Gilberto Gil, fizeram uma passeata em São Paulo contra o uso da guitarra elétrica na nossa música. Vista assim, há 50 anos de distância, pode parecer bastante ridícula – e de fato é – mas, à medida em que nos aproximamos dos fatos de então a coisa, apesar de permanecer ridícula, faz algum sentido. Ainda que ridículo, ele existe. O objetivo na época era defender a nossa música da “invasão estrangeira”. Em 1967, a música estrangeira, sobretudo, os Beatles, dominava as rádios brasileiras. Havia, de fato, uma disputa insana de espaço entre os artistas. Até os dias de hoje, diante da questão mal resolvida, aparecem leis como a do ex-deputado Rogério Silva, de 2003, que obriga às emissoras a terem 50% de suas programações em português.Na França, por exemplo, a lei exige que 40% das canções transmitidas pelas rádios sejam cantadas em francês. Na Irlanda o percentual é de 30%. Obrigar a cantar em português é tão ineficiente quanto proibir a guitarra elétrica. No final das contas, a inútil música do também inútil Roger Moreira, daquela banda Ultraje a Rigor, poderia ser veiculada dentro dessas cotas, quando, na verdade, o que ele faz é um pastiche de má qualidade do que há de pior no rock importado. Não se estaria protegendo nada de nada, muito ao contrário. Mas, voltando à passeata, diz a história que Caetano Veloso e Nara Leão, assistiam a tudo da janela do Hotel Danúbio horrorizados. Nara chegou a dizer que aquilo parecia uma manifestação integralista. Em entrevista ao jornalista Júlio Maria, Gilberto Gil se justificou de maneira equilibrada: “Eu participava com Elis daquela coisa cívica, em defesa da brasilidade, tinha aquela mítica da guitarra, como invasora, e eu não tinha isso com a guitarra, mas tinha com outras questões, da militância, era o momento em que nós todos queríamos atuar. E aquela passeata era um pouco a manifestação desse afã na Elis”. O mais curioso e irônico de toda essa barafunda veio depois. Praticamente todos os artistas envolvidos na manifestação, com exceção talvez de Zé Keti e Geraldo Vandré, fizeram o melhor de sua criação tendo como instrumento imprescindível a... claro, guitarra elétrica. Impossível imaginar os grandes discos de Elis Regina da década de 70 sem a guitarra de Natan Marques, por exemplo. Falar de Caetano e Gil sem as guitarras distorcidas de Lenny Gordin e Sérgio Baptista, dos Mutantes, é perda de tempo. O grande violeiro dos discos de Vandré, Heraldo do Monte, virou um dos maiores guitarristas do Brasil. Melhor ainda é pensar na guitarrada tecnobrega do Pará, uma das maiores e melhores invenções atuais da cultura brasileira. Os exemplos não param, mas, do episódio, como de quase tudo, fica uma lição. O nacionalismo, e o seu consequente protecionismo cultural, tem vertentes que oscilam para todos os lados. Proteger a cultura de uma nação, por um lado, não significa cerceá-la por outro. O samba não morreu e nunca morrerá. O Brasil não morrerá. A pátria com seus signos culturais, prescinde de leis e, muito menos de proibições. A cultura é livre. E só assim sobreviverá.