Verissimo: "Ser de esquerda não é uma opção, é uma decorrência"

Em entrevista à Folha, escritor falou sobre política, fake news e o famoso personagem Analista de Bagé

Luis Fernando Verissimo. Foto: Divulgação
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Em entrevista à Folha de S. Paulo, uma das unanimidades da literatura nacional, Luís Fernando Verissimo, falou sobre política, escrever, fake news, os tempos modernos e como o Analista de Bagé, personagem conhecido pela grosseria e pela terapia do joelhaço e que tem um monumento na cidade de... Bagé, agiria com determinadas personalidades políticas da nossa vida (sur)real. Verissimo contou que o Analista de Bagé receberia Bolsonaro com um joelhaço e que trataria certos aspectos que seu criador critica no governo. "Envolveria tratamento com águas, lobotomias e talvez uma nova eleição. Séria, desta vez". Perguntado sobre o que chamava mais atenção nas redes sociais, disparou: "O ódio das pessoas. Prova do que eu sempre digo: o mundo não é mau, é só muito mal frequentado." Alguns trechos da entrevista: Quando as fake news ganharam a visibilidade atual, imagino que o sr. tenha pensado algo como "bem-vindos ao meu mundo". As fake news chegaram a ser engraçadas para o sr.? Se sim, deixaram de sê-lo? Quando? Na medida em que são formas de ficção, as fake news requerem alta dose de criatividade para competir com as news de verdade, estas sim, frequentemente incríveis. O Bolsonaro e alguns dos seus ministros são claramente figuras do realismo mágico, mas reais. É cansativo ser de esquerda? Ou seria mais cansativo não ser de esquerda?  Talvez ingenuamente, eu não entendo como uma pessoa que enxerga o país à sua volta, vive suas desigualdades e sabe a causa das suas misérias pode não ser de esquerda. Ser de esquerda não é uma opção, é uma decorrência. Mas que às vezes desanima, desanima. Como é ser convidado a opinar sobre tudo? O sr. se impõe limites? É bom ter a liberdade de opinar sobre tudo, dentro dos limites da clareza e do bom senso que você mesmo se impõe. Eu comecei a ter um espaço assinado em jornal em 1969. Época do Médici, da censura à imprensa, dos assuntos proibidos. Sei bem como era. É triste constatar que voltam a falar em controle da mídia e ameaçar com uma nova edição do AI-5. No Brasil a nostalgia é uma força politica ainda a ser estudada. A possibilidade de o leitor reagir a qualquer mensagem hoje é muito maior. Em que medida isso altera a mensagem original? Quem escreve pode ficar com medo da polêmica? Ou, ao revés, escreve tão somente para procurá-la? Não se deve escrever com medo da reação e da polêmica, ou atrás da reação e da polêmica. Deve-se aproveitar a liberdade que existe hoje, com todas as restrições econômicas combinadas com a revolução tecnológica que afetam os jornais e os jornalistas, antes que os censores e os nostálgicos voltem. O sr. lê as mensagens que recebe?  Só os elogios. O sr. acredita que os vídeos assumiram ou assumirão o lugar dos livros na transmissão do conhecimento? É a velha questão do veículo e do conteúdo, que existe desde os tabletes de barro da Mesopotâmia. O que é mais importante, veículo ou conteúdo? Um texto numa tela de computador ou num vídeo ainda é um texto, no caso o conteúdo é que vale. Ou o texto em qualquer outro veículo que não seja papiro, papel ou Kindle é inadmissível? Se o livro como nós o conhecemos e amamos vai desaparecer é outra questão. Já anunciaram a morte do livro várias vezes, mas era sempre boato. É possível manter a profundidade de um livro num vídeo? É. Depende do valor do conteúdo, não da natureza do veículo. A fotografia mais e mais trocou um papel de registro por um de comunicação –informar instantaneamente algo a outras pessoas. O texto sofreu transformação parecida? Ou, pelo contrário, as redes fizeram um desserviço à escrita? Na medida em que voltamos ao texto telegráfico e a signos em vez de palavras acho que houve, sim, um desserviço à escrita tradicional, que depende de tempo e espaço para se desenvolver e se explicar. O que o sr. faz para tentar chegar bem até os cem anos?  Vamos com calma. Quando chegar aos 99, eu revelo como foi.