Coronavírus: com suspeitas de contaminação em cesárea, indígena de 3 dias morre em Pernambuco

Em duas semanas, o número de casos entre os indígenas sextuplicou

Repodução
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O novo coronavírus provocou a morte de quatro indígenas em Pernambuco, entre elas a mais jovem vítima da doença no estado: uma bebê recém nascida do povo Pipipã, cujo território fica no município de Floresta, que fica no sertão pernambucano. A menina morreu com apenas três dias de vida.

Em duas semanas o número de casos sextuplicou: passou de três para 18 pessoas que testaram positivo entre os dias 2 e 15 de maio. Os dados foram divulgados pela Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (Remdipe).

A bebê indígena apresentou sintomas logo depois de nascer, como dificuldades para respirar. Ela acabou falecendo em casa, na aldeia Pipipã, e teve uma amostra coletada para realização de exame.

De acordo com o cacique da aldeia, Valdemir Amaro Lisboa, a principal suspeita é que a menina tenha sido contaminada no hospital em Floresta, onde nasceu de cesariana. A mãe, o pai e seus outros dois filhos estão isolados e sendo monitorados por uma equipe multidisplinar de saúde indígena. A mãe passou por um teste rápido de Covid-19 e o resultado deu negativo. A contraprova deve sair nos próximos dias.

"O bebê foi enterrado conforme os protocolos, sem velório e cerimônia, sem ajuntamento de pessoas. Nossa tradição é juntar o povo, oferecer comida, bebida e, para quem tem intimidade com questões espirituais, na hora da despedida a gente canta para encomendar o corpo", disse o cacique.

A aldeia Pipipã fica a 80 km de Floresta. A distância até a área urbana ajuda o território a manter-se longe do vírus. Mesmo assim, há dificuldades em inibir a ida dos indígenas à cidade. Neste ano, os Pipipã tiveram colheita farta e querem ir à cidade vender o excedente e também tentar pedir a renda emergencial do governo federal.

“Fizemos todos os esforços, com cacique, pajé e mulheres. Mas não conseguimos convencer a todos. Somente após o primeiro caso que o temor aumentou e agora tem gente que fecha a casa, vai para a serra e só volta para dormir. Também fizemos uma barreira de conteção para evitar pessoas alheias ao território. Só passa carro-pipa, transporte de pacientes e equipes de saúde”, disse o cacique.

Outros três indígenas pernambucanos morreram por coronavírus: uma mulher de 69 anos, de uma aldeia Pankará, em Carnaubeira da Penha, e dois índios Fulni-ô que viviam no aldeamento em Águas Belas.

A maioria dos casos confirmados entre indígenas em Pernambuco é de Fulni-ô, com 13 infectados. São duas aldeias; Uma delas, a do Ouricuri, distante seis quilômetros da cidade, é o local onde são realizados os rituais sagrados. A outra fica na zona urbana de Águas Belas e é uma espécie de bairro do município de 43 mil habitantes situado às margens do Rio Ipanema e cortado pela BR-423.

"Antes de o vírus chegar nós já discutíamos sobre o risco de contágio aqui. De fato isso se confirmou. A aldeia fica na zona urbana, as pessoas transitam pelo território, frequentam a cidade e ainda tem a rodovia, com postos de gasolina que são pontos de parada para caminhoneiros. São muitas portas de entrada do vírus para as aldeias”, explicou o Wilke Torres de Melo, indígena Fulni-ô e antropólogo do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Pernambuco.

Com a aldeia dentro da cidade, é inviável fazer barreiras sanitárias pelos Fulni-ô. A estratégia adotada pelos indígenas foi fazer trabalhos educativos com os cerca de 4,5 mil Fulni-ô de Águas Belas. O desafio, explica Wilke Torres, foi superar questões culturais como o costume de viverem em proximidade, de compartilhar objetos e de frequentar espaços de rituais.

Além dos Pipipã, Fulni-ô e Pankará, há ainda dois casos confirmados em indígenas Atikum e um teste positivo de um índio Pankararu. No entanto, a Remdipe acredita que há subnotificação e defasagem nos dados. Na sexta-feira (15), o site Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informava que havia somente uma morte de indígena por Covid-19 confirmada em Pernambuco. Mas as secretarias municipais de saúde já tinham assumido a ocorrência de quatro óbitos.

A Redimpe é formada pelos próprios indígenas e por entidades como a Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco (Copipe), Comissão de Juventude Indígena em Pernambuco (Cojipe) e pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). A rede foi criada para monitorar a doença nos aldeamentos.

"Outra carência é a falta de informações sobre a situação dos indígenas nos centros urbanos. Em tempos de pandemia, números são vidas que importam, e podem ajudar na implementação de políticas de forma mais efetivä", disse a antropóloga Lara Erendira Andrade, da equipe tecnica responsável pela elaboração do boletim semanal da Remdipe.