“A Mil Tons”, de Amilton Godoy e Léa Freire

“A Mil Tons” é uma grande e boa surpresa, mesmo pra quem já conhece os dois instrumentistas. Tanto Amilton quanto Léa misturam experiência com ousadia e, muito longe de deitarem na própria fama e reconhecimento, trafegam por vias ousadas, vencem todas elas e nos entregam um disco lindo, moderno, mas com um pé na tradição e outro no futuro. Vale cada nota

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“A Mil Tons” é uma grande e boa surpresa, mesmo pra quem já conhece os dois instrumentistas. Tanto Amilton quanto Léa misturam experiência com ousadia e, muito longe de deitarem na própria fama e reconhecimento, trafegam por vias ousadas, vencem todas elas e nos entregam um disco lindo, moderno, mas com um pé na tradição e outro no futuro. Vale cada nota Por Julinho Bittencourt Amilton Godoy, lendário pianista do Zimbo Trio e a flautista Léa Freire – uma das melhores no seu instrumento, tanto no Brasil quanto no mundo – acabam de lançar “A Mil Tons”. Este é o segundo disco da dupla. O primeiro é todo com composições de Léa para o piano. Neste eles fazem o contrário. São temas de Amilton com a interpretação límpida e linda dos dois. O disco é, excelente, pra dizer o mínimo, e resgata a tradição que andava meio esquecida da moderna música instrumental brasileira, aquela surgida pós-bossa nova, que teve o seu auge em meados da década de 80 e parece ter sucumbido às constantes crises do mercado fonográfico. O corajoso projeto, por falar nisso, é do selo Maritaca, que parece disposto a cavar e reinventar um espaço para a música brasileira que não toca o mercado. Como dito acima, todas as composições são do próprio Amilton, que também assina os arranjos, além de, é claro, tocar o piano. As melodias delicadas e fluidas do instrumentista sobrevoam rigorosas harmonias e estruturas musicais refinadas. O lindo sopro de Léa, quase sempre expõe os temas numa explosão de técnica e alegria, rigor e descontração, prazer e concentração extrema. Se as composições de Amilton têm algum truque ou característica marcante, quase sempre é o de propor justamente o contrário, ou seja, surpreender, não passear sobre fórmulas pré-dispostas. São precisas, dizem o necessário e o imenso repertório de recursos do músico faz com que as suas construções sejam poderosas, daquelas que a cada audição se descobrem novas possibilidades. Os espaços abertos ao improviso também são um caso à parte. As melodias não são propriamente comuns, canções clássicas com harmonias previsíveis ou conhecidas. São Temas inesperados, como “Batráquio”, por exemplo, ou o lindo “Choro”, onde nada acontece como normalmente é. E isto faz com que a capacidade inventiva dos dois músicos transborde do disco com muita frequência, pra não dizer todo o tempo. O único respiro é “Teste de Som”, que Amilton diz ser a “hora do recreio” dos músicos, por conta de sua harmonia simples e que permite improvisos descontraídos. O extremo oposto, por exemplo, se dá em “Santa Cecília”, feita em homenagem à padroeira dos músicos, a linda e extensa melodia é daquelas que exige do músico e não é, enfim, pra qualquer um. “A Mil Tons” é uma grande e boa surpresa, mesmo pra quem já conhece os dois instrumentistas. Tanto Amilton quanto Léa misturam experiência com ousadia e, muito longe de deitarem na própria fama e reconhecimento, trafegam por vias ousadas, vencem todas elas e nos entregam um disco lindo, moderno, mas com um pé na tradição e outro no futuro. Vale cada nota. Fotos: Fotos: Paulo Rapoport (ensaio feito na casa gentilmente cedida por Leo Mitrulis)