A normalização: “ele devora criancinhas, mas não é tão mau assim” – Por Normando Rodrigues

Não se engane com falsos repúdios. Os ricos elegeram Bolsonaro em 2018, e podem reeleger o monstro sem qualquer crise de consciência. Com ou sem terceira via

Bolsonaro usa crianças para promover seu discurso pró-armas (Reprodução)
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Por Normando Rodrigues*

Sequelas

No famoso editorial de 8 de outubro de 2018 (primeiro dia da campanha eleitoral do 2° turno presidencial) o “Estado de São Paulo” declarou a grande dificuldade dos ricos perante a escolha entre Bolsonaro e Haddad.

Três anos depois, no último dia 15 de outubro (por ironia, o “Dia do Professor”), o jornal lamentou o país dividido: “De um lado, o Brasil que abraçou a ciência e encara os problemas de frente. De outro, o que prega soluções mágicas para desafios complexos”

O contraste entre os editoriais revela irresponsabilidade quanto às próprias decisões. Estadão e coleguinhas pavimentaram a estrada para o fascismo e permanecem impenitentes.

Isso inclui a “Isto é”, que no mesmo 15 de outubro estampou um Bolsonaro hitlerizado, porém sem deixar de atacar Lula e o PT, em seu conteúdo. Igualam um ao outro para minimizar a própria culpa pela ascensão do monstro.

Freio equino

A aposta dos ricos no fascismo não está nem esgotada, nem descartada. Dotar o “cavalão” Bolsonaro de um freio de boca, e de modos civilizados, permanece uma opção. Outra é substitui-lo por uma liderança ungida pelo próprio Bolsonaro, para assim manter o apoio da massa fascista à destruição do estado e dos direitos sociais.

Um caminho terceiro, mais delicado, implicaria em reatar os laços entre o fascismo – mais precisamente o gado fascista – e a incensada terceira via.

O que torna qualquer dessas alternativas possível é um fato pacífico entre os ricos, embora de difícil compreensão pelos pobres. É que a proposta econômica da “terceira via” é a mesma do monstro que hoje nos governa: desemprego, fome e miséria.

Normalizar…

Como os ricos precisam manter as três portas abertas (Bolsonaro; um “novo” Bolsonaro; ou terceira via com bolsonarismo), o monstro deve ser “normalizado”, e suas monstruosidades voltam a ser tão palatáveis quanto em 2018.

Vale aqui a observação de Foucault, em seus seminários dos anos de 1970, reunidos sob o nome de “Os anormais”. O pensador registra que no século XIX o significado de “monstruosidade” evoluiu de um conceito ligado à forma e aparência física, para uma ideia comportamental e moral.

O que os riquinhos do Brasil se dispuseram a fazer em 2018, e sinalizam que novamente o farão em 2022, é o mesmo esvaziamento do significado moral de “monstruoso” que seus equivalentes italianos e alemães fizeram há cem anos: tornar costumeiros comportamentos antes inadmissíveis.

Dá nisso

Por isso voltamos a ler colunistas que defendem a escravidão e a tolerância para com o intolerável, sob o disfarce de respeito ao pluralismo.

Por isso os crimes de genocídio e de homicídio foram retirados do relatório final da CPI que investigou a matança, apesar de a implicação de Bolsonaro ter sido antecipadamente comemorada pelo The New York Times.

E também por isso, enquanto estátuas de escravistas são atacadas nos EUA e no Reino Unido, aqui Bolsonaro ganha uma em Passo Fundo (RS), obra tão tosca quanto o modelo, e tão imprópria quanto seria uma escultura de Hitler em Berlim.

Cobaias

Até um ano antes da eleição de Bolsonaro, Hitler tinha uma estátua à frente de um mural dos portões de Auschwitz. Só que não na Alemanha, nem na Polônia. Ficava num museu para fotos, na Indonésia, e foi retirada em novembro de 2017.

Do jeito que segue a normalização do impensável, não é difícil imaginar para breve, em lojas da Havan, estátuas de Bolsonaro com mural da Prevent Senior atrás, comparação talvez injusta, já que não só essa empresa tratou pacientes humanos como cobaias.

De fato, na América Latina, 31% das pessoas em que foi testada a proxalutamida contra a Covid-19 morreram, incluídos vários óbitos no Amazonas e nos hospitais da Brigada Militar de Porto Alegre, e Arcanjo São Miguel, em Gramado.

Te dou um conselho

Sobre experimentos com “preás humanas”, o presidente do Conselho Federal de Medicina, cúmplice por omissão, confessou como perante o padre:

  • Sabia da ineficácia, contudo ficou quieto, em troca de favores de Bolsonaro;
  • Odeia o PT por ter levado os pobres à medicina e a medicina aos pobres.

Nenhuma censura do 1° médico do país à medalha de ouro na categoria “Mortalidade em 2021”, conquistada pelo Brasil na pandemia.

Ajustar a mortandade

Ante o genocídio e as experiências dignas de campos de extermínio, o ministério público de São Paulo tomou uma atitude decisiva!

Ainda no exato dia 15 de outubro do editorial do Estadão, e da capa da “Isto é”, o MP paulista propôs à Prevent Senior um “termo de ajuste de conduta”. Algo como pegar o Dr. Mengele, em maio de 1945, dar-lhe uma lição de moral e soltar com um “não faça mais isso!”

Enfim, se este Dia do Professor demonstrou algo, foi que os ricos são péssimos estudantes, reprovados numa lição essencial:

Por mais que o sonho de todo monstro fascista seja sentar à mesa da elite e gargalhar como Temer, no fim ele sempre devora louça, prataria e convidados.

*Jorge Normando Rodrigues é assessor jurídico do Sindipetro-NF e da FUP.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.