Culpar jovens não vacinados pela não realização do Carnaval é a cloroquina da prefeitura de BH - por Kerison Lopes

"Após uma sucessão de trapalhadas na não organização da folia na capital mineira, a Prefeitura soltou essa desculpa, em formato de fake news, que foi reproduzida por parte da imprensa"

Carnaval de Belo Horizonte em 2017 (Foto: Andre Fossati/Prefeitura de BH)
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Por Kerison Lopes*

A realização do Carnaval de rua em Belo Horizonte no próximo ano está praticamente descartada e é uma desfaçatez colocar a culpa nos jovens que não tomaram a segunda dose da vacina contra o coronavírus. Após uma sucessão de trapalhadas na não organização da folia na capital mineira, a Prefeitura soltou essa desculpa, em formato de fake news, que foi reproduzida por parte da imprensa.

O formato do Carnaval de 2022 no país inteiro sempre esteve, e ainda está, condicionado aos níveis de contaminação da pandemia no país. Mesmo baixando o nível de óbitos e internações, não se pode dizer que o vírus está controlado. Principalmente porque alguns outros países vivenciam um crescimento do número de casos.

As capitais que organizam as maiores folias do país atribuíram aos gestores sanitários e de saúde a palavra final sobre o Carnaval. Em todos os documentos que tratam do assunto, cidades como Rio de Janeiro, Recife, Salvador fizeram questão de frisar que “a realização do evento depende das aprovações dos órgãos de saúde que avaliam a situação epidemiológica da pandemia da Covid-19”, como está escrito no site da prefeitura de São Paulo em todos os textos que tratam da preparação que faz dos eventos carnavalescos.

Belo Horizonte, que conseguiu se juntar às cidades citadas no seleto clube de grandes carnavais do país, também delegou a decisão ao seu competente Comitê Epidemiológico, mas com uma diferença substancial em relação às outras: não se preparou para a realização do evento. Assim, é praticamente certo que não haverá Carnaval de rua na cidade.

A capital de São Paulo recebeu 867 inscrições de blocos para desfilar e anunciou o patrocínio de R$ 23 milhões recebido da Ambev para organizar a festa. O Rio de Janeiro informou a inscrição de 620 pedidos de desfiles feitos por 506 blocos e já forneceu apoio financeiro para os realizadores do Carnaval durante a pandemia e o subsídio para as escolas de samba, que já elegeram seus sambas enredo e estão realizando ensaios onde arrecadam fundos para seus desfiles.

Assim, estas e outras cidades fomentam a cadeia produtiva do Carnaval e estão preparadas para realizar a folia, seja no fim de fevereiro ou quando a pandemia permitir. Menos BH, onde a prefeitura abandonou completamente os trabalhadores do Carnaval desde o início da pandemia e não fez absolutamente nada relacionado à folia.

Até aqui, os gestores da PBH vinham alegando que ainda não tinham condições de debater o Carnaval, até que na semana passada, em audiência pública na Câmara, o presidente da Belotur, Gilberto Castro, afirmou que um dos motivos da inércia se deve ao fato de um grande número de jovens de 20 a 30 anos não terem se vacinado. Um argumento tão verdadeiro quanto a eficácia da Cloroquina para tratamento do coronavírus. Em tempos de pós-verdade, a falácia se espalhou rapidamente. Mas não existe diferença substancial nos níveis de vacinação entre Belo Horizonte e as outras capitais que se prepararam para a realização do Carnaval.

Os verdadeiros motivos para a não preparação de Belo Horizonte são outros. Em primeiro lugar, ineficiência da Belotur, que sequer é recebida pelo prefeito Alexandre Kalil para tratar do assunto. Quanto ao mandatário, não se atentou com o tema antes e agora tem questões bem arriscadas para se preocupar. Até mesmo se no período marcado para o Carnaval continuará sendo prefeito, ou estará afastado pelos processos de impeachment que podem nascer das duas CPIs instaladas na Câmara Municipal que o acusam de irregularidades. Sem entrar aqui no mérito de tais acusações.

Mas e o Carnaval de BH, como fica? Atualmente, o quadro que se desenha é a organização das festas de grandes produtores como “Carnaval do Mirante”, “We Love Carnaval”, e outros eventos fechados que chegam a cobrar 570 reais em ingressos que já estão sendo vendidos. Nestes, não tem nenhum artista de Belo Horizonte se apresentando, só famosos sem nenhuma relação com a cultura popular do Carnaval, como Thiaguinho, Ivete Sangalo, Gustavo Lima, Wesley Safadão, Baile do Dennis, Léo Santana e outros.

Faltando 3 meses para a data oficial do Carnaval, não dá mais tempo da PBH fazer todo o processo que outras cidades já fizeram. Como muito bem explicou no seu Instagram Rubens Aredes, vocalista do Bloco Então Brilha: “para fazer os cortejos, os organizadores de blocos precisam de: recursos financeiros, tempo de planejamento, tempo de ensaio de suas baterias, alas de dança e demais músicos; acordos gerais com a Belotur, corpo de bombeiros e BHTrans”

Sem possibilidade de nenhum diálogo e abandonados pela Belotur, para continuar existindo, os blocos de rua estão definindo outros rumos, como shows das suas bandas em cidades do interior e organização de eventos fechados com cobrança de ingresso em Belo Horizonte.

No caso dos desfiles das escolas de samba e blocos caricatos, a inércia da PBH é ainda mais absurda, pois ele é um evento fechado. Reúne no máximo 10 mil pessoas, entre público e integrantes das escolas, que sempre passaram por rigorosas revistas que agora poderiam incluir testes de temperatura e exigência de passaporte de vacina. Seria muito mais seguro que os 60 mil torcedores que os jogos do Atlético estão reunindo. A diferença de tratamento entre um evento e outro deve estar no fato do prefeito ter sido cartola do time alvinegro e não dirigente de agremiação carnavalesca.

*Kerison Lopes é jornalista e presidente da Casa do Jornalista de Belo Horizonte

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum