NÓS ARTIVISTAS

Artivistas vão às ruas para denunciar apagamento da cultura brasileira, por Willian Dantas

Movimentos vão às ruas em São Paulo contra o desmonte projetado pelo atual governo; prefeitura apaga intervenções

Intervenção do Nós Artivistas.Créditos: Ricardo Yamamoto
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No mesmo dia em que o Brasil comemora o centenário da Semana de Arte Moderna, uma das revoluções artísticas mais emblemáticas da história da arte brasileira, artistas, profissionais, movimentos e coletivos contestam o atual cenário das políticas públicas culturais do país.

Na tentativa de manifestar o descontentamento contra o atual desmonte da cultura, o Nós Artivistas, conhecido na cidade de São Paulo como movimento civil, transitório e pontual de manifestações artísticas e públicas, planejou uma intervenção em giganto ao redor do Theatro Municipal, o espaço que foi palco do movimento de 1922 liderado pelo grupo dos cinco.

Quatro cantos do Theatro Municipal

A proposta da intervenção, segundo os organizadores, é ocupar os 4 cantos do teatro com as frases: #Acessem, #ArteNãoÉPrivilégio, #TupiOrNotTupi e #CulturaResiste. Outro objetivo em construção e a longo prazo é criar um manifesto coletivo que possa servir como base para a reconstrução do cenário voltado às políticas culturais futuras, bem como a reafirmação de sua importância enquanto direito básico, embasados pelo artigo 215 da Constituição de 88, onde “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Com o suporte da Companhia da Engenharia de Tráfego (CET), a intervenção artística programada para iniciar 20h começou sem nenhum conflito aparente. Até o representante e profissional da CET comunicar os manifestantes que precisava se retirar do local.

Em seguida, pelo menos 4 veículos da Polícia Militar surgiram e chamaram os organizadores da intervenção para uma conversa. Segundo a PM, a intervenção não podia acontecer pois a ação poderia prejudicar a sinalização. Essa foi a mesma devolutiva da SubPrefeitura da Sé, que complementou o argumento informando que a CET não autorizaria a ação por inviabilizar o trajeto.

Com isso, os idealizadores foram até a CET que, além do apoio, disponibilizou um funcionário para acompanhar a ação. Segundo Fernanda Bueno, uma das idealizadoras e líder do coletivo, o funcionário avisou que havia recebido um chamado de urgência e que precisava sair.

Essa não é a primeira vez que o coletivo é impedido de realizar uma intervenção. Em Setembro de 2021, na véspera do dia da independência, os manifestantes foram impedidos de realizar a intervenção #NãoPisemNosMortos, previamente autorizada para acontecer na Avenida Paulista.

Autorização não foi aceita

Segundo Kléber Pagú, outro líder do movimento, depois da intervenção na Avenida Paulista nenhum dos pedidos de autorização foram aceitos pela Subprefeitura da Sé. Tal ação, no primeiro momento, já foi vista pelos manifestantes que acompanhavam a movimentação com um ato de censura. Fernanda relembra que “todas as manifestações anteriores do Nós Artivistas tiveram autorizações e aconteceram pacificamente. Quando trocou a gestão e nós começamos a ter essa negativa, em um primeiro momento disseram que precisava se cumprir um plano burocrático. Cumprimos as obrigações, e ainda assim foi negado. Ou seja, existe uma falta de comunicação entre esses órgãos, quando um diz que sim, o outro diz que não, ou que não respondem. Então quando a gente pensa num cenário maior, não só com a gente, mas sobre o momento que estamos vivendo, é uma censura e a impossibilidade de exercermos nossa função enquanto cidadão de se manifestar”, afirma a dançarina e produtora cultural que também faz parte de uma companhia de dança com residência fixa no próprio Theatro Municipal.

A conversa entre polícia e Artivistas se estendeu até quase 1h da manhã e, após algumas tentativas de diálogo e sem nenhuma possibilidade de permissão, o coletivo optou por terminar a ação somente com a primeira proposta de intervenção concluída.

Cultura silenciada

A manifestação dos Artivistas acontece num momento em que a cultura brasileira se vê silenciada. Desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro a cultura tem sofrido com ações pontuais que intensificam ainda mais a falta de acesso, como o fim do ministério da cultura, nomeações que se colocam mais contra do que a favor do setor, maior tributação de livros, suspensão do direito autoral, demissão em massa de entidades históricas voltadas a cultura, como é o caso da cinemateca, por exemplo. Para não falar da ideologia conservadora que ronda a aprovação dos projetos e dos cortes e reduções das verbas destinadas ao segmento, como foi o caso recente da Lei Rouanet.

O setor cultural, em meio a pandemia e todos os outros vírus, viu de casa as políticas públicas culturais se esvair. Exatamente por isso fica difícil falar de identidade nacional hoje, quando mais te impedem do que te incentivam ter uma.

Entramos em contato com a assessoria de imprensa da SubPrefeitura da Sé que, até o fechamento desta reportagem, não se posicionou sobre as motivações envolvendo as negativas nas autorizações, mesmo elas respeitando o prazo solicitado.

No dia 16/02, três dias depois da manifestação e no mesmo dia que o grupo se reúne com a CET e com intermédio do vereador Eduardo Suplicy (PT) para entender o ocorrido, a Subprefeitura apagou a intervenção em frente ao Theatro Municipal.

Por ora, parece que 100 anos depois não temos muito o que comemorar.

Então…

*Produtor audiovisual, agitador cultural e jornalista com foco em arte urbana, cultura e entretenimento

**Este artigo não reflete necessariamente a opinião da Revista Fórum