Cidade mais negra do Brasil, Salvador tem escassez de ações para combater Covid nas periferias

"No Brasil, os dados mostram que a maior letalidade da Covid-19 está entre os negros, que vivem em condições de pobreza, e são os que mais apresentam as comorbidades que agravam a doença e levam à morte. Em Salvador, a realidade é a mesma" - Leia mais no artigo da vereadora Marta Rodrigues

Reprodução/Twitter
Escrito en DEBATES el

Por Marta Rodrigues*

A luta antirracista estourou no mundo e em diversas capitais do país: os motivos para o confronto são os mesmos há muitos anos, mas neste 2020 a revolta e indignação com as injustiças sociais foram inflamadas por variados acontecimentos e incendiados em meio a uma pandemia.

No Brasil, os dados mostram que a maior letalidade da Covid-19 está entre os negros, que vivem em condições de pobreza, e são os que mais apresentam as comorbidades que agravam a doença e levam à morte. Em Salvador, a realidade é a mesma: capital com maior número de negros do país, o caso de morte representam 79% do total no município, conforme demonstra boletim epidemiológico da prefeitura da cidade. A região do Subúrbio Ferroviário - que concentra dezenas de bairros, em maioria pobres e com condições urbanas precárias - é onde se apresenta o maior número de óbitos: 500 a 597 por 100 mil habitantes.

A desigualdade na capital baiana, assim como no Brasil, é latente: os mesmos dados mostram que há um enorme contraste entre quem testa positivo para a Covid-19 e quem, de fato, morre pela doença. Embora seja nos bairros periféricos que se morre mais gente, são nas áreas consideradas de bairro nobre onde se notificam pessoas testadas positivas: o que nos leva a entender que a fiscalização para coibir aglomerações estão sendo feitas em sua maioria nestes pontos da cidade onde reside a classe média e alta, e que também lá, existe maior possibilidade de testagens, provavelmente fruto da saúde privada e da facilidade de acesso ao teste.

Este recorte , muito similar ao que pode ser feito no Brasil, nos mostra que é preciso intensificar as ações de políticas públicas, sociais e de campanha nos bairros periféricos. São lá onde se concentra maior número de negros.

Outro recorte do Boletim mostra que os negros em Salvador estão sendo as vítimas que mais morrem.

Desde o início da pandemia, diversos pesquisadores já alertavam para a fragilidade das periferias. Essa percepção, agora tão gritante aos olhos dos brasileiros, tem feito com que o Ministério da Saúde - há mais de um mês está sem coordenação e direcionamento adequados para o combate à pandemia - se esforce a esconder a realidade. A pasta descumpre a portaria que exige a inclusão do quesito cor em certidões de óbito e outros dados de saúde da população acometida pela doença, numa nítida tentativa de omitir o genocídio do povo negro e dar continuidade ao projeto de necropolítica do atual governo.

Formular estes dados são fundamentais para estipular políticas públicas durante e apos a pandemia, quando se prevê o agravamento de diversos quadros e se evidencia a urgência em promover o acesso e a equidade na saúde do povo negro. Para se obter sucesso nessa equidade, é preciso que cobremos várias coisas, a exemplo da derrubada da Emenda 95, que bloqueou durante 20 anos o investimento de R$ 5 bilhões na educação e na saúde. Essa verba seria fundamental para fortalecer o SUS, usado por 67% da população brasileira.

Diante da recusa do Ministério da Saúde em promover esta coleta de dados, cabe aos parlamentos e legislativos tomarem atitudes e medidas obrigando os executivos municipais e estaduais a agirem. Em Salvador, apresentei o projeto de lei Vidas Negras Importam, que para alem de obrigar o município a notificar as vítimas de Covid19 por cor e raça, promova de maneira antirracista o manejo com pacientes em situação de vulnerabilidade, como população negra,pesqueira, marisqueiras, de terreiros, carcerária e população em situação de rua. Não só durante a pandemia, mas após também.

Peço ainda que insira nos registros de notificação de testagem rápida a classificação cor/raça e que o município faça o registro das pessoas com hipertensão arterial, arterial, diabetes, doenças pulmonares, crônicas e falciformes, dentre outras doenças consideradas de risco, com cruzamento das determinantes sociais, localidade onde as pessoas residem e idade. Mais uma vez repito: o cruzamento desses dados vai ser de extrema importância para garantir a equidade integral à população negra num futuro pós pandemia. Este projeto, que é fruto da demanda dos movimentos sociais e negros, precisa ser urgentemente aprovado na Câmara de Salvador e em diversos outros legislativos, para que ganhe força no país e consigamos juntos esta vitória.

Acredito que tais medidas sejam urgentes em todos os municípios, mas Salvador, capital conhecida como a Roma Negra, não pode ficar órfã da formulação dessas políticas publicas e fora do debate que tomou conta do mundo e do País: precisamos dar o exemplo de que aqui vidas negras realmente importam!

*Marta Rodrigues é vereadora de Salvador pelo PT e presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Câmara

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum