O Ano é 2020: Nove questões para o PT responder e voltar a ser competitivo, por Justino Pereira e Cleyton Boson

Na sede do partido Podemos, em Madrid (cujo líder é o vice-presidente de governo da Espanha), chama a atenção uma sala pequena e mal iluminada, onde um grupo de garotos está permanentemente à frente de computadores, agindo e interagindo nas redes. É dali que o Podemos coordena sua mobilização digital. O partido é um caso de sucesso na “nova esquerda”.

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Por Justino Pereira e Cleyton Boson *

“O PT está morto”. “O PT está acabado”. “Foi um vexame total.” (lido e ouvido dos analistas eleitorais na mídia)

As eleições de 2020 na Região Metropolitana de São Paulo representaram para o PT duas coisas distintas. Conflitantes, porém complementares.

Primeiro, pelo lado positivo, representaram uma tênue, mas significativa, recuperação em relação às eleições de 2016. Ao contrário do desastre de quatro anos atrás, o partido foi ao 2° turno em três cidades importantes. Saiu vitorioso em Mauá (com um jovem candidato, Marcelo Oliveira) e em Diadema (com o veterano e querido ex-prefeito local, José de Filippi ). Obteve ainda votação significante em Guarulhos onde, embora não vencendo no 2° turno, seu candidato, o também ex-prefeito Elói Pietá, foi o mais votado na imensa periferia pobre da cidade.

Em segundo lugar, pelo lado negativo, as eleições mostraram a força do antipetismo e sua persistência na mente das pessoas. Mostraram também a volta de velhas práticas de compra de votos que pareciam encerradas.

Nas campanhas em que participamos como consultores políticos e naquelas que acompanhamos à distância, pelo relato de colegas de profissão e de candidatos envolvidos nelas, percebemos padrões de comportamento dos eleitores e dos adversários que se repetiram de cidade a cidade. E esses padrões, presentes em toda a Região Metropolitana e que parecem indicar tendência duradoura, geraram desafios aos quais o PT terá que dar respostas rápidas para poder voltar a ser um jogador de primeira grandeza na política desses 39 municípios que, juntos com a capital, englobam cerca de metade do eleitorado do estado.

Na nossa opinião – e sem nos eximirmos dos erros que nós mesmos cometemos nas campanhas das quais participamos – o PT precisa responder rapidamente aos seguintes desafios: sobre os quais acreditamos que o partido nacionalmente também precisa refletir:

1 – O coronelismo voltou com força. Como agir diante do neocoronelismo?

A compra de votos, a intimidação e até a violência física contra os adversários foram uma constante nessas eleições e parecem ser uma marca da “nova política”, além de um efeito colateral da crise econômica.

O dinheiro flagrado na cueca do cabo eleitoral do PSD em Fortaleza e a gigantesca campanha de difamação, ampla compra de votos (comprovada inclusive com fotos, vídeos e depoimentos de eleitores que aceitaram trocar seu direito de escolher o prefeito por uma cesta básica) e o uso da máquina pública para intimidar os militantes da candidatura opositora de Elói Pietá em Guarulhos foram exemplos flagrantes.

2 – O antipetismo tornou-se endêmico. Como agir diante dele?

Embora não seja majoritário na população, o antipetismo enraizou-se nos corações (inclusive dos jovens corações) de muitos (em Guarulhos, pelos menos 20% do eleitorado) e tem poder suficiente para decidir pleitos onde o candidato petista não tiver, de partida, uma vantagem eleitoral grande sobre seu concorrente. Sobretudo porque a energia mobilizadora dos antipetistas tem se mostrado muito mais engajada do que dos apoiadores do partido.

José de Filippi, por exemplo, que as pesquisas mostravam que teria uma certa tranquilidade para vencer no 2° turno, acabou tendo uma vitória apertada: 51,35%, contra 48,65% do desconhecido Taka Yamauchi (PSD). Rodrigo Valverde, que todas as pesquisas apontavam como sendo o mais provável contendor contra o atual prefeito de Mogi das Cruzes, acabou fora do 2° turno. O eleitor de lá rejeitou o prefeito Marcus Melo mas também se recusou a mandar para o 2° turno, por ser petista, um candidato que ele claramente admirava, conforme as pesquisas qualitativas mostravam.

3 – As abstenções: Quem deixou de votar? Por que deixou de votar? Que fazer para que essas pessoas se motivem a votar em 2022?

É urgente para o PT conhecer o perfil daqueles que não foram votar e cujo comportamento, muitas vezes, não foi antecipado pelas pesquisas. Em Guarulhos, por exemplo, a abstenção eleitoral no 2° turno se deu em patamares norte-americanos (um em cada quatro eleitores não foi votar). Votos nulos e brancos representaram outros 11,4% do total de eleitores da cidade. Em suma, 35% dos eleitores da cidade (um em cada três) decidiram não decidir.

E essa situação se repetiu pela Região Metropolitana afora. Pode estar aí uma das explicações das discrepâncias entre o resultado apontado previamente pelas pesquisas e o que as urnas de fato mostraram (a maioria das pesquisas, me parece, não “ponderou” o não voto por abstenção). Em outros países, campanhas nas redes sociais instigando os eleitores dos candidatos adversários a não ir votar tem dado certo e levando à derrota potenciais vencedores.

4 – Os (variados) segmentos evangélicos. Como tratar essa questão muito complexa?

A população evangélica no Brasil pulou de cerca de 10% para cerca de 40% em menos de quarenta anos. O Partido Evangélico é hoje, de longe, o maior partido nacional. Bem, e é na periferia pobre, onde está a maioria dos simpatizantes firmes do PT, que também vive a maioria dos evangélicos. Boa parte destes é doutrinada diariamente para sentir profundo horror ao partido. Como tratar esse tema ultracomplexo? Não é mais possível evitá-lo.

5 – Os jovens estão cada vez mais distantes do PT. Como reaproximá-los? Um candidato de 76 anos ajuda a apontar o caminho.

As campanhas que fizeram pesquisas qualitativas puderam constatar o paradoxo que há entre as bandeiras que os jovens defendem (em geral, bandeiras caras ao PT) e a profunda aversão de boa parte deles ao partido. O que pode ser feito quanto a isso?

Algumas campanhas eleitorais deste ano mostraram que é possível ganhar espaço junto aos jovens, mesmo quando o candidato do PT já não é tão jovem assim. Em Guarulhos, por exemplo, Elói Pietá (76 anos) começou a campanha desconhecido da maioria dos jovens e terminou, mostram as pesquisas, caindo na simpatia da maioria deles, apesar de ser cerca de 40 anos mais velho que seu oponente. Buscar falar dos temas e a língua dos jovens ajudou a diminuir a distância que havia.

6 – Como fazer política cotidiana na terceira década do século XXI?

A militância extremista de direita nos ajuda a responder em parte esta questão. Nos mostre 10 ativistas digitais que estão 24 horas por dia agitando nas redes, principalmente em grupos de parentes, amigos, esportistas (ou seja, grupos a princípio distantes da “discussão política”), e nós provavelmente encontraremos entre eles uma maioria de pessoas defensoras da agenda da extrema-direita.

Como todos sabemos, a disputa política não acontece apenas (nem principalmente) nos momentos especiais das eleições. Acontece no dia a dia das pessoas. E a militância de esquerda nos parece, salvo exceções, ainda estar presa demais aos seus espaços institucionais, jargões, “espaços de fala”, “campos de pertencimento”, etc. E distantes dos lugares onde a verdadeira discussão política se dá, como a mesa de jantar, no bar, na quadra de futsal, no cafezinho na empresa (ou nos celulares e zaps de quem frequenta esses espaços). Isso, a extrema-direita já aprendeu.

7 – Como fazer campanha eleitoral na terceira década do século XXI? O que podemos aprender com o Podemos espanhol e o PT dos anos 1980?

Visitando a sede do partido Podemos, em Madrid (cujo principal líder é hoje o vice-presidente de governo da Espanha), chama nossa atenção uma sala pequena e mal iluminada, onde um grupo de garotos está permanentemente sentado à frente de computadores, agindo e interagindo nas redes. É dali que o Podemos coordena suas ações de mobilização digital. O partido, que é um caso de sucesso na “nova esquerda”, faz isso porque sabe que a disputa política na terceira década do século XXI se dá durante os 365 dias do ano, nas 24 horas do dia.

Os militantes do Podemos também nos fazem lembrar daqueles petistas dos anos 1980. Fazem muitas visitas casa a casa, discutem, debatem e criam vínculos presenciais (pelo menos, até antes do Covid-19) com seus vizinhos da porta ao lado, da rua e do quarteirão. Nem sempre são bem-vindos, mas são persistentes e se tornaram uma presença no espaço público espanhol.

8 – Instrumentos tradicionais de medição da realidade, como “quanti”, “quali” e relatórios “planos” de redes sociais não são mais suficientes.

Está mais que comprovado (como nos mostrou a campanha do PT na capital paulista) que o velho feeling dos políticos e o senso comum, embora úteis, não são mais suficientes para indicar os caminhos da ação política numa sociedade ultracomplexa.

Nos parece ser urgente que o PT refaça seu pacto com os pesquisadores e acadêmicos e se atualize sobre o conhecimento “up to date” em áreas como psicologia, neurologia, análise de dados (em especial big data), netnografia, etc. A direita já faz isso há tempos. Ela descobriu que as ferramentas tradicionais para aferição da realidade (como pesquisas quantitativas, qualitativas e relatórios de métricas digitais), embora continuem muito importantes, não são mais suficientes. Também é urgente uma aproximação do partido com o mundo dos desenvolvedores de softwares.

Igualmente, o submundo digital (o mundo dos hackers e da ciberguerra política) não pode mais ser tratado pelo PT como algo alienígena, que o surpreende a cada eleição, enquanto seus adversários usam e abusam dessas armas. Não estamos dizendo que o PT deve usá-las. Estamos dizendo que o PT tem a obrigação de conhecê-las para poder decidir o que fazer.

9 – Não se faz política ou campanha na sociedade das redes digitais do século XXI apostando em cabos eleitorais tradicionais.

E aí chegará 1º de janeiro e tomarão posse os cerca de 190 prefeitos e 2.665 vereadores que o PT elegeu neste ano. Brincando, brincando, além desses milhares de líderes políticos locais, algumas dezenas de milhares de militantes assumirão cargos para ajudar esses vereadores e prefeitos. Em que trabalharão essas pessoas, além de atender à população e responder à obrigatória rotina do Legislativo? Quantas dessas pessoas (cumprindo estritamente os ditames da lei) comporão os grupos de comunicação/ação política permanentes tão necessários ao partido?

Estas são questões que o PT tem condições de responder. O partido tem recursos humanos valiosos orbitando em torno de si (tanto quadros políticos, como técnicos e acadêmicos). Tem recursos financeiros e estruturais que tem missão voltada para isso (a Fundação Perseu Abramo). E tem tempo para isso (embora deva começar já, antes do ano virar). Terá, porém, disposição política de cortar na carne e se reinventar?

*Justino Pereira é jornalista. Fez mestrado em marketing político e trabalha em campanhas eleitorais e comunicação de governo há 25 anos. É diretor do CAMP (Clube Associativo dos Profissionais de Marketing Político) e da IAPC (Associação Internacional de Consultores Políticos). Cleyton Boson é jornalista e economista. Fez mestrado em antropologia, com foco em estudos netnográficos pela PUC-SP. É especialista em comunicação digital para governos e campanhas. Ambos apresentam, junto com José Carlos Menezes, o podcast “Consultório Eleitoral do Dr. Campanha”, que vai ao ar às sextas-feiras às 9h00 na Rádio Brasil Atual.

**Este artigo não refletenecessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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