Parem as máquinas! O bolsonarismo provou do ódio... E odiou; por Henrique Rodrigues

Estou longe de apoiar ou simpatizar com o sincericídio de Hélio Schwartsman, mas é impossível não rir. De repente, toda a ortodoxa tropa de choque de Bolsonaro, que aplaude Ustra, Pinochet, Stroessner e Médici, descobriu que desejar a morte de alguém é imoral e inaceitável

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Por Henrique Rodrigues*

A vida política em Pindorama é uma caixinha de surpresas. Aliás, a lógica e a coerência são traídas diariamente sob os olhos de todos, assim, à luz do dia. Desde o notável pensamento do ex-ministro do Trabalho do governo Collor, o inesquecível Antônio Rogério Magri, que afirmou certa vez que "o cachorro também é um ser humano", nada mais voltou a ser como era antes.

Houve quem se assustasse com o artigo de terça-feira do jornalista Hélio Schwartsman, na 'Folha de S. Paulo', em que o autor afirma abertamente torcer pela morte de Bolsonaro, que no mesmo dia havia confirmado seu exame positivo para Covid-19. Porém, o que pegou todos de surpresa foi a onda gerada pelo artigo nas hostes bolsonaristas das redes sociais.

Acredite, um mundaréu insano de defensores do ignaro presidente ficou completamente transtornado e enfurecido com o desejo do colunista, que por meio de uma estapafúrdia argumentação pretensamente lógica tentou mostrar que a morte do líder selvático seria boa para o país e para a sociedade.

Que eles não iriam gostar, parece-me óbvio. O que provocou assombro foi a lição de moral coletiva, condenando visceralmente o "discurso de ódio".

Isso tudo me fez lembrar de uma leitura muito interessante que fiz recentemente.

Comprei um livro na Flip de 2019 que já namorava havia um bom tempo. Com preço exorbitante em Lisboa, declinei na hora de pagar, já na fila do caixa. Encontrei-o em Paraty por um terço do valor e não hesitei. É uma compilação de textos fortuitos e dispersos (muitos inéditos), em prosa, de Fernando Pessoa, que tratam exclusivamente do Fascismo.

Num artigo de nove páginas, redigido em folhas de rascunho de uma empresa de importação e exportação, datado de 1.926, o poeta mais famoso de Portugal faz uma afirmação sobre movimentos que têm índole religiosa "não estagnada", ou seja, que pregam a subversão com base numa visão de mundo sectária e distorcida.

"O fenômeno religioso é um elemento dissolvente das sociedades.", escreveu.

Não é segredo para ninguém que o bolsonarismo tem contornos religiosos. Cópia porca de um sebastianismo delirante, de aparência ridícula, que pretende levar o Brasil a um passado que nunca existiu, essa corrente não surpreende uma só alma com suas maluquices antagônicas, afinal, sua gênese é a contradição.

Para muito além de promover a dissolução da pouca lucidez de nossa tão confusa e injusta sociedade, a militância em torno dessa figura aberratória dissolve também a lógica.

As claques bolsonaristas, aquelas mesmas que são favoráveis à tortura, ao extermínio físico de todos que não pensam como eles, que querem fuzilar os petistas, que incitam a violência contra opositores, homossexuais, mulheres, negros e pobres, que comemoram com a macabra expressão "CPF cancelado com sucesso" quando a polícia mata qualquer um, sim, esses setores ultrarreacionários, chacretes do Fascismo, correram para abominar, do fundo de suas entranhas, o "discurso de ódio" contra o homem a quem defendem com suas próprias vidas e que só conseguiu notoriedade neste mundo por ser uma figura execrável, abjeta, que passa 24 horas por dia destilando uma ira irracional babenta e tóxica contra a humanidade.

Surpreendente, não? O expoente máximo do ódio, agora que foi vítima deste, ficou chateado. Magoou.

Paradoxo. Esta é a palavra.

Não há outro termo que reflita melhor o comportamento desencadeado pelo texto de Schwartsman nos adoradores da deidade indecente que habita o Planalto Central. É absolutamente ilógico topar com um bolsonarista guerreando contra a incitação à morte, à violência ou ao ódio. Soa desconexo em plenitude.

Estou longe de apoiar ou simpatizar com o sincericídio de Hélio Schwartsman, mas é impossível não rir. De repente, toda a ortodoxa tropa de choque de Bolsonaro, que aplaude Ustra, Pinochet, Stroessner e Médici, descobriu que desejar a morte de alguém é imoral e inaceitável.

Lembremos que um valor humano a ser sempre reforçado é o repúdio à violência. A morte, como estágio derradeiro de uma existência, jamais deve ser instrumentalizada, sob pena de tornamo-nos o novo verdugo de plantão. Se Bolsonaro manobra a morte fazendo valer o ditado "os fins justificam os meios", não produz qualquer sentido ético ou moral emulá-lo e agir da mesma maneira, pagando na mesma moeda.

Sem rodeios, incursões ou exegese da psicanálise de Freud, quem analisa esse ódio de uma figura moralmente tão errática como o presidente deveria manifestar desprezo.

O desprezo, ou a indiferença, só germinam onde há o vácuo da falta de importância. E é justamente a insignificância de Bolsonaro que é condição sine qua non para alguém julgá-lo um ser irrelevante em aspectos morais.

Já com relação ao terremoto histérico de seus devotos, fica a dúvida: seria falta de consciência, de lucidez, de vergonha na cara, de espelho em casa ou um doentio oportunismo deslavado?

Pode ser tudo isso. Só o que não pode somos nós, do outro lado, passarmos a acreditar nessa história da carochinha de que militantes do ódio, irmãos uterinos da maldade, agora reconhecem direitos humanos inalienáveis.

Aí, não dá!


*Henrique Rodrigues é jornalista e professor de Literatura Brasileira.

*Esse artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.