DENÚNCIA DE RACISMO

Babalorixá homenageado pela Beija-Flor é barrado em camarote no desfile das campeãs

Rodney William foi impedido de voltar ao Camarote Nº 1, da Brahma, depois de apresentar credencial e fazer o teste de biometria: “Um constrangimento”

Rodney e o ator Demerson Dalvaro, o Exu da Grande Rio.Créditos: Reprodução/Redes Sociais
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Homenageado pela Beija-Flor, vice-campeã do Carnaval 2022, por seu relevante trabalho como pai de santo, o babalorixá Rodney William teve uma surpresa desagradável durante o tradicional desfile das escolas campeãs, sábado (30), no sambódromo do Rio de Janeiro.

Ele foi barrado do Camarote Nº 1, da Brahma, apesar de apresentar credencial e fazer o teste de biometria, e denunciou ter sido vítima de discriminação racial.

Rodney é doutor em Ciências Sociais e autor do livro “Apropriação Cultural”. Conta que estava no camarote e como sabia que iria desfilar pela Beija-Flor, ele e seu assessor, Fábio Magri, se preocuparam em saber quais eram os procedimentos necessários para que ele pudesse voltar ao camarote depois do desfile.

“Perguntei para duas pessoas, o primeiro não soube me informar, mas indicou outra pessoa, que me disse que apenas a credencial, com o QR Code e a biometria, era suficiente para que eu retornasse ao camarote. Perguntei se não precisaria de pulseirinha ou se tinha que passar em outro lugar. Perguntei tudo isso, porque como eu já tinha desfilado no dia principal, sabia que cada camarote adota um procedimento”, relata Rodney.

Já informado, ele foi desfilar pela Beija-Flor. “Ao retornar, conferiram meu crachá, o QR Code, enfim, tudo foi conferido. Achei que era mais do que suficiente. Subi a rampa, mas, no momento que eu ia cruzar a entrada, fui interpelado por uma pessoa da produção, que me pediu a credencial. Mostrei imediatamente e ele me questionou a respeito da camiseta do camarote. Tranquilamente, expliquei que a camiseta estava na chapelaria e eu precisaria entrar para pegá-la”.

“Estava caracterizado como um macumbeiro, como eu gosto de dizer”

O pai de santo conta que para desfilar, evidentemente, precisou trocar de roupa. “Antes, eu estava vestido com roupas sacerdotais, todo de branco, com minhas insígnias no pescoço, com o chapéu de babalorixá. Estava caracterizado como um macumbeiro, como eu gosto de dizer, porque assumo a identidade de macumbeiro com muito orgulho”.

Nesse momento, ele foi parado. Rodney relata que, mesmo diante de suas explicações, o homem não cedeu e disse que ele não poderia entrar.

“Chegou mais uma pessoa, querendo que eu explicasse novamente o caso. Expliquei calmamente, dizendo, inclusive, que eu havia perguntado tudo aquilo antes, justamente para não passar por aquele constrangimento”, relembra.

Mesmo assim, não adiantou. “Já tinham três pessoas na minha frente e uma roda se formando para saber o que estava acontecendo. Afinal de contas, era uma situação inusitada.”

“Eu tive que ligar para o Fábio e explicar o que estava acontecendo, mas ele não estava entendendo por causa do barulho. Eu disse que estava sendo barrado. Nesse momento, acho que o cara se assustou com a palavra barrado e viu que estava extrapolando. Havia pessoas circulando com a camiseta descaracterizada e até sem camiseta, como fiz questão de registrar. Inclusive, passou na minha frente uma pessoa com vestidinho prateado”, ressalta Rodney.

Depois, disso, o segurança acabou se propondo a acompanhá-lo até a chapelaria para que ele pegasse sua camiseta. “Eu disse: ‘Agora, não vou, porque você podia ter tomado essa medida desde o começo e evitado todo esse constrangimento. Eu prefiro esperar aqui, pois posso me desencontrar do Fábio’. Ele respondeu: ‘Então, você não quer ir’. Eu disse: ‘Você não me permitiu que eu fosse. Agora, está propondo isso diante do quadro que está se formando aqui’”, conta.

“Se a gente não tem um branco do lado em uma situação dessas, a coisa fica mais complicada”

Rodney esperou que o assessor chegasse. “Ele veio muito nervoso, pois está acostumado a passar por esse tipo de situação comigo, porque não foi a primeira vez. Muitas vezes, se a gente não tem um branco do lado em uma situação dessas, a coisa fica ainda mais complicada, porque, certamente, eu teria mais dificuldades para acessar o camarote de volta”, reflete o babalorixá.

Ele explica que o assessor Fábio cuida de sua agenda e o acompanha sempre. "É um homem branco e já passou por outras situações assim comigo. Por isso, ele sempre fica atento ao telefone. Fui pegar as informações justamente por prever a possibilidade desses constrangimentos, e ele estava junto”, acrescenta.

Rodney diz que queria muito assistir ao desfile da Grande Rio, que foi a campeã. “Porém, o clima já tinha sido estragado completamente, já não tinha mais clima para ficar naquele camarote. Eu teria ido embora. Se o Fábio não estivesse lá dentro, se as minhas coisas não estivessem lá dentro, eu não teria insistido para entrar”.

A Grande Rio venceu o Carnaval com o enredo "Fala, Majeté! Sete chaves de Exu", uma homenagem ao orixá guardião, justamente para combater o racismo religioso contra cultos de matriz africana,

Apesar do desgaste e do constrangimento, o pai de santo avalia como importante ter insistido e ter feito um desabafo nas redes sociais.

“É uma forma de tomar uma medida que é pedagógica e que vai, certamente, ajudar para que outras pessoas como eu não passem por esse tipo de constrangimento. Recebi uma ligação da pessoa responsável pelo camarote, que se desculpou e agradeceu por eu ter explicado prontamente tudo que havia acontecido e, principalmente, por ter contribuído, de alguma maneira, para que isso não volte a acontecer", completa Rodney.

A organização do Camarote Nº 1 divulgou nota, na qual lamenta o que aconteceu:

“Anualmente, centenas de profissionais são treinados pela produção de forma cuidadosa, a fim de que situações de desconforto não aconteçam. Apesar de ainda haver quebra de regras, a produção reforça a obrigatoriedade da camisa para acesso ao evento além da credencial e digital, assim como em todos os espaços na Sapucaí, com objetivo de garantir maior controle, organização e conhecimento das pessoas convidadas do camarote. O Camarote nº 1 se preocupa com todos os convidados e a experiência negativa de Rodney não será esquecida e servirá de aprendizado e atenção para que novos episódios de constrangimento não ocorram e haja melhorias no fluxo operacional, privilegiando um ambiente democrático e harmônico para todos”.