FIM DO MISTÉRIO

Ciência finalmente tem resposta para os “poucos” mortos por Covid na África

Hipóteses como idade menor da população e clima mais quente foram refutadas, embora explicação para fenômeno não surpreenda

Refugiada do Congo com os filhos aguardando admissão em Uganda durante a pandemia.Créditos: Organização das Nações Unidas
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A África é o continente mais pobre da Terra e as condições de saúde por lá, na imensa maioria dos países, é de total precariedade. Quando a pandemia da Covid-19 teve início, nos primeiros meses de 2020, a expectativa de especialistas da área médica e científica era de que o número de mortos seria estrondoso na região. Só que o tempo foi passando e a informação que chegava era de pouco óbitos, se comparado a outros lugares do planeta.

Com um ano pandemia, muitos sanitaristas e uma gama enorme de cientistas começaram a apostar em teorias que até faziam algum sentido, sobretudo quando dados eram cruzados com características humanas e geográficas do continente. Foi assim que se passou a acreditar que a média de idade mais baixa dos africanos poderia ter relação com o número menor de mortos, já que a maioria das vítimas fatais no mundo era composta por idosos. O clima predominantemente quente serviu também para alimentar uma das teorias, já que doenças respiratórias virais não encontram no calor um bom ambiente para propagação.

No entanto, um estudo profundo realizado pela Universidade de Boston, no EUA, em parceria com cientistas da Universidade da Zâmbia, com sede em Lusaka, capital do país, comprovou que a explicação era outra, nada animadora: uma gigantesca subnotificação.

Uma equipe de cientistas liderada por Christopher Gill, um especialista em doenças infecciosas, já trabalhava num necrotério de Lusaka desde 2017 e com isso teve mais facilidade para registrar dados das mortes na capital zambiana no período da pandemia.

Enquanto a Europa registrava 2.390 mortos para cada grupo de um milhão de habitantes, no continente africano esse índice era de 184 para cada milhão, quase 15 vezes menos. Na verdade, o que ocorria lá era um pequeno número de diagnósticos. A equipe de cientistas passou a testar os mortos, para saber de fato do que tinham morrido e se essa informação batia com o atestado de óbito oficial. Para se ter uma ideia, numa das amostragens, 372 mortos foram testados e 19% deles deram positivo para o coronavírus, ou seja, 70 pessoas foram vítimas da Covid, só que apenas seis delas tinham sido diagnosticadas em vida e receberam tal informação como causa da morte em seus atestados.

A partir daí, foi apenas ampliar a quantidade de testes e o número de amostragens para perceberem que incorreção era comum em todos os grupos de cadáveres testados. Os pesquisadores notaram ainda que todas as faixas etárias foram acometidas pela enfermidade e que 80% das mortes ocorreram em pessoas com menos de 60 anos, o que revela um índice assustador de óbitos entre aqueles que não eram o alvo comum da doença.

Para Gill, tal realidade, vista a semelhança de estrutura sanitária e de saúde pública de outros países africanos, certamente se repetiu, como em metrópoles como Nairóbi, Cairo ou Lagos, o que joga por terra todas as teorias que até então colocavam a África como um lugar “mais imune” à devastadora Covid-19.