Crise interna do Podemos coloca em dúvida o futuro da esquerda espanhola

Diferenças internas que vieram à tona em plena campanha eleitoral marcaram o pior resultado do partido nas urnas, em sua curta história, e também leva à dúvida de se formará uma aliança com o governo do socialista Pedro Sánchez para impulsar um projeto mais claramente progressista no país ibérico

Os líderes do partido Podemos, em palestra (fonte: página oficial do Podemos)
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Por Victor Farinelli, de Valparaíso, no Chile Todas as eleições realizadas este ano na Espanha tiveram um claro vencedor: o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), do presidente reeleito Pedro Sánchez, que obteve uma grande maioria no Parlamento Nacional nas eleições de abril, e que venceu novamente neste domingo, nas eleições municipais, dos governos regionais autônomos e para o Parlamento Europeu – embora, neste caso, com vantagens bastante menores que a obtida no mês passado. Entre os perdedores, ao menos dentro da esquerda, está o Podemos, o partido que emergiu entre os líderes dos protestos dos Indignados da Porta do Sol (movimento iniciado em maio de 2011, em Madri, e que com o tempo ganhou dimensão nacional), que se institucionalizou em 2014 e viveu uma importante ascensão em seus primeiros anos como principal referente de uma esquerda mais pura dentro da política espanhola (efetivando o PSOE partido de centro-esquerda, com papel mais moderado), mas que agora vive uma de suas maiores crises internas. Nas eleições gerais de abril, o Podemos mostrou uma pequena queda em sua quantidade total de votos (cerca de 109 mil), mas que significaram uma perda importante na quantidade de vagas (10, de 45 para 35 deputados). Se em 2016 foram a terceira força nacional, pisando nos calcanhares do PSOE, agora foram a quarta, e com menos de meio de milhão de votos a mais que o estreante (a nível nacional) Vox, representante da extrema direita. Mas era nas eleições municipais que o partido tinha mais a perder, e é isso o que pode acabar acontecendo. Em 2015, o Podemos conseguiu uma façanha que o consolidou como partido sólido no cenário espanhol: conquistou ao mesmo tempo as prefeituras de Madri (como Manuela Carmena) e Barcelona (com Ada Colau). Neste domingo (26), nas eleições municipais, suas duas prefeitas emblemáticas tiveram que defender suas respectivas reeleições, e os resultados não foram nada bons. Em Madrid, o partido teve votação similar à anterior (apenas 15 mil a menos), perdendo apenas um vereador no legislativo municipal. Porém, a defesa do mandato de Carmona (que está afastada do Podemos) depende agora das maiorias indiretas, e a irrupção da ultradireita pode levar ao mesmo efeito que ocorreu na Andaluzia em dezembro passado: a união dos três partidos de direita, o Vox (ultra), o Cidadãos (centro liberal) e o Partido Popular (PP, conservador) deve superar a esquerda e definir que o novo governo seja entregue a este terceiro, o mais votado do seu setor. Na capital da Catalunha, a situação é parecida, com a diferença que o partido com mais votos foi a Esquerda Republicana (independentista), mas o Podemos, com poucos votos a menos, elegeu o mesmo número de vereadores (foram 10 para cada um). O problema está na conformação da maioria, e a possibilidade de que os diferentes partidos favoráveis ao independentismo (de esquerda e direita) juntem forças, o que obrigaria o Podemos a conseguir apoios entre os socialistas (PSOE) e os liberais (Cidadãos) para poder manter a prefeita Colau no cargo. Fórum conversou com a jornalista catalã Meritxell Freixas, correspondente em Santiago do Chile, de onde colabora com meios espanhóis e chilenos. Ela acredita ser “pouco provável no momento que o Podemos consiga fazer um acordo para formar maioria com os liberais, e se for assim a Esquerda Republicana deverá assumir o poder, a não ser que alguma novidade importante aconteça nos próximos dias”. Diante desses cenários, é possível dizer que os efeitos podem ser um castigo até exagerado para um partido que perdeu votos, porém não tanto em termos quantitativos. Porém, o outro grande desafio do Podemos é o de apaziguar sua forte disputa interna, que entrou em ebulição no primeiro trimestre deste ano, e que levou os analistas a prever um resultado bem mais desastroso para o partido. [caption id="attachment_175493" align="alignnone" width="300"] Dois líderes históricos do Podemos, Pablo Iglesias e Íñigo Errejón, em tempos de amizade (fonte: página oficial do Podemos)[/caption] Iglesias x Errejón As diferenças internas dentro do Podemos não surgiram este ano, mas ficaram muito mais em evidência a partir de janeiro, quando a briga entre dois dos históricos líderes da legenda: Pablo Iglesias e Íñigo Errejón. Depois de vários meses de rusgas, algumas em bastidores e outras publicadas em Twitter, a situação ficou definitivamente exposta com a publicação de uma carta de Pablo Iglesias, na qual relatou sua decepção ao descobrir pela imprensa que Errejón pensava em conformar uma aliança com a prefeita de Madrid, Manuela Carmona (que se afastou do Podemos, após ter sido eleita pelo partido em 2015), para sua candidatura ao governo regional da Comunidade de Madri. Ainda assim, expressou seu desejo de sorte a Errejón e Carmona, mas terminou a missiva dizendo que “hoje é um dia amargo, mas a história das lutas sociais ensina que quem se levanta após um golpe é mais forte que quem nunca foi golpeado". Tal situação fez com que o próprio Errejón fosse afastado do partido, e concorresse ao governo regional pela Frente Mais Madri, junto com Carmona: ele a apoiava em sua tentativa de reeleição enquanto ela fazia o mesmo, mostrando-o como seu candidato ao governo comunitário. Ambos colheram resultados negativos no último domingo. Dias depois de publicada a carta de Iglesias contra ele, Errejón comentou a situação em uma entrevista com a Rádio SER. Diante da pergunta de se ele “ainda se considera amigo de Pablo Iglesias”, o jovem político tomou um longo e significativo silêncio antes de responder: “gosto de pensar que sim, mas estamos em áreas que dificultam a conciliação entre os afetos e as lógicas políticas. Mas estou orgulhoso porque sempre que tivemos que escolher, optamos pelo compromisso com as ideias, porque defendemos coisas que são mais importantes que nós mesmos”. Segundo a jornalista Meritxell Freixas, a disputa entre pablistas e errejonistas, que passou a ser aberta depois da carta de janeiro, foi determinante para as eleições deste ano. “Muitos esperavam um resultado eleitoral pior que o obtido, para um partido que passou parte da campanha condicionado por suas diferenças”, comenta. Evidentemente, o afastamento de Errejón dá uma evidente vantagem ao setor ligado a Iglesias, mas isso não significa que o problema esteja resolvido, segundo Freixas: “Pablo é o líder mais forte e com mais apoio dentro do Podemos, mas há outros setores que discordam de suas estratégias e o consideram personalista demais. O partido terá que aprender a equilibrar essas questões e criar um melhor clima interno para poder voltar ao normal, e esse deve ser o desafio dos próximos meses”. Conformar governo com o PSOE O periódico espanhol El Diario lembra em uma matéria desta quarta-feira (29) que, na noite de 28 de abril, quando a vitória do PSOE (Partido Socialista Operário da Espanha) sacramentou a continuidade de Pedro Sánchez como presidente do país, a militância socialista reunida em frente à sede histórica do partido o recebeu, durante o discurso da vitória, com fortes e claros gritos de “com Rivera não”, em alusão a Albert Rivera, líder do partido de Cidadãos, de centro-direita liberal. Apesar dessa reivindicação, Sánchez começou a negociar com as duas legendas totalmente opostas do ponto de vista ideológico, e uma delas é exatamente o Cidadãos. A outra é a coalizão Unidas Podemos (que reúne os partidos Podemos e o Esquerda Unida). Após as eleições deste domingo – na qual os espanhóis não só votaram pelas vagas do país no Parlamento Europeu, mas também para eleger os governos municipais e os governos das autonomias –, o presidente deu declarações que a imprensa local entendeu como um sinal de esfriamento das negociações para formar governo com o Podemos. Numa dessas declarações, claramente direcionada ao Podemos, Sánchez afirmou que “a Espanha já votou quatro vezes (considerando as quatro eleições deste ano no país) e em todas elas entregaram uma maioria ao PSOE, e a responsabilidade agora é a de conformar uma liderança política que não se baseie em conformações anti europeístas e de ultradireita, a nível nacional ou nos ajuntamentos e comunidades. O PSOE quer um governo liderado pelo nosso partido, mas que seja aberto e progressista, já que o eleitorado validou essa perspectiva. Espero que os partidos reconsiderem suas estratégias e pensem no bem-estar dos cidadãos”. Tais palavras foram vistas como uma forma de pedir que o Unidas Podemos reavalie a condição de receber alguns ministérios, que o Podemos tem feito para aceitar a aliança com Sánchez. A resposta institucional do partido foi que “os resultados das eleições deste domingo não mudam o cenário, porque as pessoas não votaram desta vez pensando no governo nacional, e sim em prefeitos, governadores e eurodeputados”. Posteriormente, Pablo Iglesias deu uma entrevista coletiva, na qual considerou que “o anseio popular é pela conformação de governos de coalizão com o PSOE em todos os níveis”, em referência a que tal aliança deveria acontecer nas diferentes esferas regionais, e também na nacional. Para a jornalista Meritxell Freixas, o cenário ideal para a esquerda espanhola seria uma aliança mais formal entre o PSOE e o Podemos, embora a intenção de Sánchez seja que o Podemos aceite entregar seus votos para que os socialistas possam governar, mas sem ter que ceder ministérios. “Sánchez justifica essa postura dizendo que pretende ter ministros com perfis independentes, não políticos,  o que eu deduzo que seriam ministros com perfil técnico. Mesmo assim, o Podemos continua pressionando para formar parte do governo”. A correspondente internacional também opina que “um governo puro sangue do PSOE pode funcionar por um tempo, e refletiria a maioria que o partido conseguiu em todas as eleições do ano, mas para ter mais governabilidade, o ideal seria um governo de coalizão com o Podemos. Entre outras coisas, porque esse cenário ajudaria a destravar o diálogo entre o Estado espanhol e os independentistas na Catalunha, no qual os socialistas vêm mostrando uma postura um tanto intransigente, e talvez o Podemos poderia ter um rol fundamental nesse aspecto”. A outra declaração de Sánchez foi claramente direcionada ao partido Cidadãos, após a informação de que estão negociando com o PP (Partido Popular, direita mais conservadora e tradicional) e o Vox (ultradireita) para conformar alguns governos municipais e regionais. “Algo que não se entende na Europa é como um partido que se define como liberal queira se apoiar na ultradireita para conformar governos”. A crítica diz respeito ao acordo do Cidadãos com o Vox para conformar o governo regional da Andaluzia, situação que a imprensa espanhola especula que deve se reproduzir em outros cenários municipais e regionais, sendo o da Prefeitura de Madri o mais destacado deles.