Lições das Filipinas - Bolsonaro, Duterte e suas crises. Entre o otimismo, a cautela e a subestimação da realidade

Como Bolsonaro, os primeiros meses do governo de Duterte eram pura crise, marcados por lutas de poder entre seus aliados, notícias de corrupção, violência policial e episódios de constrangimento internacional causados pelo próprio presidente que dominaram os noticiários

Duterte - Foto: Reprodução
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Por Cecilia Lero* e tradução de Vinicius Sartorato** Após os protestos bem-sucedidos em 15 de maio, muitos estão prevendo que o governo de Bolsonaro logo cairá. Erros do presidente nas negociações com parlamentares, lutas internas entre seus ministros e apoiadores, bem como suas próprias queixas de que ele está cansado e que o Brasil seria ingovernável, faz muitos acreditarem que é apenas uma questão de tempo antes que ele entre em colapso sob o peso de sua própria incompetência e despreparo, especialmente se as manifestações convocadas para o dia 26 de maio forem fracas. Nas Filipinas, temos nosso próprio presidente de extrema direita, que parece não ter interesse ou capacidade de governar o país. Muitos de nós também acreditavam que ele não passaria de dois anos no cargo. No entanto, o presidente Duterte está prestes a iniciar seu terceiro ano no cargo. Ele não só não enfrenta sérios desafios para terminar seu mandato, como conseguiu nas eleições parlamentares na semana passada uma importante vitória, que deu a ele mais vigor, legitimidade e poderes - em que a oposição sequer elegeu um senador. Com base em nossa experiência, acredito que os brasileiros deveriam seguir em frente com otimismo, mas com uma boa dose de cautela. Como Bolsonaro, os primeiros meses do governo de Duterte eram pura crise, marcados por lutas de poder entre seus aliados, notícias de corrupção, violência policial e episódios de constrangimento internacional causados pelo próprio presidente que dominaram os noticiários. Ao mesmo tempo, todas as semanas, ele dizia que nunca quis ser presidente, que estava cansado e disposto a renunciar, de vez em quando até desaparecia, levantando rumores sobre sua saúde. Começamos a ir às ruas em reação a uma série de políticas controversas, incluindo a tentativa de Duterte de restabelecer a pena de morte e enterrar o cadáver do ditador Ferdinando Marcos no cemitério dos heróis nacionais com todas as honras. Guardadas as proporções, nossas mobilizações nunca chegaram perto das mobilizações de 15 de maio aqui no Brasil. Ficamos animados por ver novas pessoas que apareciam se expressando. Ao mesmo tempo, em que víamos atos pró-Duterte anêmicos. Embora durante a campanha eleitoral, Duterte tivesse chegado a 1 milhão de pessoas, os atos em defesa do agora presidente sempre foram patéticos, especialmente se considerado aportes financeiros e logísticos governamentais usados ??para fornecer comida, água e transporte para seus apoiadores. Achamos então, que seria uma questão de tempo para que Duterte caísse naturalmente. Mas isso não aconteceu e a nossa retumbante derrota nas últimas eleições parlamentares sugere que isso não vai acontecer tão cedo. Embora considerássemos as lutas internas e a desordem do governo como um sinal de fraqueza, sabemos que os políticos oportunistas tradicionais e o capitalismo predatório adoram a fraqueza do Estado. As guerras entre governistas apenas significavam maiores oportunidades para capitalistas negociarem. Ao mesmo tempo, o próprio presidente não se importava em aprovar políticas importantes ou implementar um plano de governo. Contanto que ele pudesse continuar com sua campanha propagandística contra as drogas e criminosos mesquinhos, ele estava feliz. Da mesma forma, enquanto tomamos a baixa participação nos atos pró-Duterte como um sinal de fraqueza, tínhamos por certo que, como Bolsonaro, a versão de Duterte do populismo é inerentemente “desmobilizadora”. Sua narrativa não é aquela que diz “vamos construir um país melhor juntos”, mas sim um que diz “Eu sou seu salvador, confie em mim para cuidar de você!”. Quando seus partidários gritam para os seus adversários “Vá trabalhar!”. Não se trata apenas de um ataque classista que equivale a chamar um pobre de preguiçoso, mas também é uma afirmação ideológica de que um “bom cidadão” não se envolve na política.  Um bom cidadão mantém a cabeça baixa e trabalha, enquanto seu líder supremo governa. Portanto, a baixa participação em comícios pró-Bolsonaro (dia 26) não significa necessariamente que seu apoio tenha acabado. Pelo contrário, isso pode significar que seus apoiadores compraram a ideologia da submissão ao líder. Nossa confiança excessiva levou a erros estratégicos e uma montanha-russa emocional desgastante, enquanto o otimismo excessivo se transformou em amarga frustração. Estes não são tempos normais. Nossa experiência nas Filipinas sugere que é apenas o começo de uma guerra longa e frustrante. Nas Filipinas fomos pegos despreparados e desprevenidos. Não repitam nossos erros. *Cecilia Lero é cientista política filipina residente em São Paulo. Doutora em Ciências Políticas pela Universidade de Notre Dame (Estados Unidos). ** Vinicius Sartorato (@vinisartorato) é jornalista, sociólogo e mestre em Políticas de Trabalho e Globalização pela Universidade de Kassel (Alemanha).
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.