SANTA CATARINA

Povo Xokleng alerta que Barragem Norte, em José Boiteux, pode transbordar já nessa madrugada

Indígenas que mais cedo foram agredidos pela PM catarinense para que as comportas fossem fechadas já observam estradas obstruídas e projetam aldeias ilhadas pela manha; “É racismo ambiental”

Estrada obstruída na Terra Indígena Ibirama-Laklaño.8 de outubro de 2023Créditos: Juventude Xokleng
Escrito en MEIO AMBIENTE el

Indígenas do povo Xokleng que habitam a Terra Indígena Ibirama Laklaño no interior de Santa Catarina tiveram seu território invadido neste domingo (8) pela Tropa de Choque da Polícia Militar, a mando do governador Jorginho Mello (PL), para que as comportas da Barragem Norte, em José Boiteux (dentro do território), fossem fechadas. Após muita repressão e agressões aos moradores, a “missão” foi cumprida.

Agora, os indígenas alertam que já nessa madrugada tudo indica que a barragem começará a transbordar. Fontes da Fórum no território Xokleng enviaram um vídeo que mostra a velocidade em que a água está subindo no local. Um homem, morador da região, coloca uma pequena pedra, de 3 ou 4 centímetros de altura, no máximo, em local ainda seco. Em menos de um minuto, a água já a cobria.

A Barragem Norte, localizada dentro da Terra Indígena Ibirama-Laklaño, no município de José Boiteux, tem 357 milhões de metros cúbicos de capacidade segundo a Defesa Civil de Santa Catarina. Foi construída durante o regime militar justamente com o intuito de diminuir as enchentes na região. Começou a operar em 1992 mas desde 2007 está abandonada.

O objetivo do governo Estado com o fechamento das comportas é segurar as águas das chuvas na antiga barragem a fim de reduzir o volume da cheia do rio Itajaí-Açu, que vem causando estragos em diversos municípios da região – sobretudo em Blumenau onde a famosa Oktoberfest teve de ser cancelada. No entanto, apontaram os indígenas antes da operação, a medida não resolverá o problema.

Pelo contrário, já diziam desde o último sábado que terá o efeito prático de alagar uma série de aldeias estabelecidas nos arredores da usina e ainda oferece o risco de um rompimento, com consequências muito mais catastróficas tanto para os Xokleng como para os municípios construídos às margens do rio. Nas redes sociais, a página Juventude Xokleng alerta que uma tragédia semelhante a de Brumadinho pode estar sendo gestada.

“Isso é um completo descaso com a vida dos povos indígenas. É algo que a gente enxerga nitidamente como racismo ambiental, em prol de uma necropolítica com a qual o estado toma controle de uma situação para escolher quais vidas são mais importantes e vão sobreviver. Sem falar na brutalidade do braço armado do estado, a PM, que tem agido de forma violenta tanto da forma física quanto psicológica. Tivemos agressões a um homem ancião e também uma mulher jovem, todos do povo Xokleng, que estavam fazendo bloqueios para que a polícia não conseguisse efetuar o fechamento da barragem”, contou Ingrid Pohyn Sateré Mawé, liderança indígena.

A decisão que deu legitimidade à operação policial foi assinada pelo juiz Victor Hugo Aderle, da Vara Federal de Blumenau, e atendeu a pedido da Procuradoria do Estado. Foi publicada pouco antes da meia noite de sábado.

Àquela altura teria sido feito um acordo entre as lideranças do povo Xokleng, o prefeito de José Boiteux Adair Antônio Stolmeier, a Defesa Civil, o Ministério Público Federal e o governo do Estado representado por Jerry Comper, secretário de infraestrutura. Os indígenas teriam autorizado as operações nas comportas mediante uma série de compensações como a desobstrução de estradas, atendimento 24h nos postos de saúde do território, fornecimento de cestas básicas e água potável, além de transporte para que os indígenas possam acessar as cidades da região. Além disso, ficou decidido que as casas alagadas pelo fechamento das comportas seriam reconstruídas em áreas seguras pelo Estado.

A principal preocupação dos Xokleng é que o alagamento da região pode deixá-los isolados. Por isso a necessidade do acordo para o plano de contingência com os itens descritos acima. O povo esperava que o governador Jorginho Mello cumprisse com sua parte do acordo antes de fechar a barragem à força e alagar as comunidades. No entanto o mandatário não quis saber de conversa e enviou a Tropa de Choque ao local.

Os Xokleng informam que na noite deste domingo a Defesa Civil e a Polícia Militar já saíram do território. E com o fechamento das comportas e o aumento do nível da água, algumas estradas que dão acesso ao território já estão bloqueadas ou obstruídas. Além disso, apontam, aldeias já estarão ilhadas pela manhã conforme o aumento do volume de água no território.

“É muito preocupante o que a gente está vivenciando no estado de Santa Catarina. Mais uma vez a gente vê o lucro acima da vida, e mais uma vez a gente tem a possibilidade de passar por uma situação muito trágica, que vai atingir hoje não mais só os povos indígenas, mas toda a população ao redor. Isso nos entristece bastante”, conclui Ingri Pohyn Sateré Mawé.