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Amazônia: 9 passos para evitar o ponto de não-retorno

Estudo apresentado na Cop 28 por grupo internacional de cientistas, dois deles da UFSC e um da UnB, alerta para tarefas inadiáveis que podem salvar o bioma

Jovens yanomami.Imagens da reportagem "Caminhos da Reportagem Yanomami - O Direito de Existir - Mulheres indígenas yanomami"Créditos: Reprodução/TV Brasil
Escrito en MEIO AMBIENTE el

*Escrito em parceria com Paulo Horta, professor da UFSC que coordena pesquisas relacionadas aos impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas e poluição dos oceanos, e que esteve na Cop 28.

Um estudo publicado por cientistas de diversos países, entre eles dois da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e um da UnB (Universidade de Brasília), e divulgado no último sábado (9) na Cop 28, mostra que o colapso da Amazônia pode ser evitado se um total de 9 passos forem seguidos pelo Brasil e demais países amazônicos. Os pesquisadores apontam um caminho bem difícil de ser seguido, mas possível, e trazem alguma esperança em meio à Conferência Climática em que vemos os tristes prognósticos dos colapsos das superfícies geladas do planeta.

Em primeiro lugar, precisamos entender como o estudo explica a questão do ponto de não-retorno. Dizem os cientistas que as emissões globais de gases de efeito estufa, combinadas com o desmatamento e a degradação florestal em nível local, estão levando o sistema amazônico a se aproximar de um ponto de não-retorno. E um ponto de não-retorno em grande escala na Amazônia pode desencadear o colapso da maioria das florestas.

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As consequências podem acelerar o aquecimento global, dificultando os esforços para alcançar os objetivos do Acordo de Paris, além de reduzir o fluxo de umidade na América do Sul, ameaçando a segurança hídrica para atividades socioeconômicas básicas, como a agricultura. Também podem aumentar as temperaturas em toda a região amazônica, tornando insuportável para humanos viver em áreas urbanas e rurais, causar extinções em massa de espécies e comprometer os ativos biológicos e culturais que representam soluções fundamentais para os desafios atuais e futuros da humanidade.

Para compreender melhor os termos desse possível ponto de não-retorno da Amazônia e os passos para enfrentá-lo, conversamos com Adriane Esquivel-Muelbert, pesquisadora brasileira da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e uma das autoras do estudo intitulado “Nove maneiras de evitar o ponto de não-retorno da Amazônia”.

Adriane Esquivel-Muelbert. Arquivo pessoal.

“É muito importante destacar que o ponto de não-retorno da Amazônia é uma hipótese que ainda não podemos testar. Caso ocorra conforme se imagina, causaria um colapso da região amazônica, de todas as culturas associadas à região e também causaria problemas a nível global muito extremos, por conta das mudanças climáticas. Mas apesar de não podermos cravar, cada vez mais estão tendo mais evidências de que a gente está chegando perto desse ponto de não-retorno e uma das principais evidências disso é o que está acontecendo com as florestas que temos monitorado ao longo do tempo”, analisa a cientista.

Ela explica que ocorre um aumento de mortalidade de árvores, principalmente na parte sul da Amazônia. E que o mecanismo desse processo é uma combinação de aumento de temperatura, que já é acentuado pelo aquecimento global, com forte catalisador local uma vez que a Amazônia é uma região fragmentada. Essa fragmentação causa uma diminuição da temperatura local e, consequentemente, a mortalidade de árvores.

Mesmo aparentemente otimista, uma vez que aponta maneiras de salvarmos a Amazônia, o relatório reforça a gravidade do momento do bioma. Nesse sentido, a cientista destaca que políticas públicas bem articuladas e aplicadas podem eventualmente evitar ou mitigar as terríveis consequências da perda da Amazônia para o clima, a biodiversidade e a segurança hídrica e alimentar não só da região, mas para boa parte da América Latina.

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Os autores do relatório destacam algumas ações de enfrentamento da crise que se intensifica de forma acelerada. Primeiro, agir em nível global, regional e local para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, para parar o desmatamento, a degradação e os incêndios florestais.

Garimpo em terra Yanomami. Créditos: Chico Batata/Greenpeace

A seguir, implementar a restauração em grande escala (regeneração natural e reflorestamento) ao longo dos “Arcos de Restauração”. Isso fortalecerá o feedback floresta-chuva em toda a Amazônia, reduzindo o risco de pontos de não-retorno e melhorando a conectividade florestal entre os Andes e a própria Amazônia.

Em terceiro lugar, reconhecer e fortalecer o papel de liderança dos Povos Indígenas e das comunidades locais (IPLCs) na governança amazônica, devido a seu conhecimento ecológico, práticas e conexões bioculturais diversas que aumentam a resiliência da floresta às mudanças globais.

Por fim, é preciso monitorar a dinâmica da floresta amazônica e as respostas a estresses ambientais, como por exemplo e estresse térmico e hídrico, e as perturbações, como desmatamento e degradação devido à extração ilegal de madeira e incêndios. Esse monitoramento busca fornecer informações rápidas que possam ajudar a fortalecer a governança local.

Desmatamento na Amazônia. Arquivo/Agência Brasil

“Propusemos nove maneiras para evitar o ponto de não-retorno, que têm de ser feitas urgentemente e simultaneamente. Todas são muito urgentes. O mais simples de entendermos é a importância da redução drástica das emissões dos gases de efeito estufa e o fim do desmatamento. Mas também pensamos em como desenvolver a região nesse contexto de chegada do ponto de não-retorno. Nesse sentido, é preciso fortalecer a governança dos povos tradicionais e dos povos originários da Amazônia, para que a gente tenha soluções como bioeconomia sustentável, por exemplo, para que a população amazônica possa sobreviver de forma sustentável em harmonia com a natureza. E também o aumento da conectividade, a diminuição da fragmentação, são diferentes pontos que a gente traz. Outro ponto importante tem a ver com a preocupação da instabilidade política que às vezes registramos nos países amazônicos e, nesse sentido, fazemos a sugestão de colocar os direitos da floresta nas constituições dos países amazônicos, ou seja, o direito para garantir que o crime contra a natureza seja um crime que está previsto pela constituição”, conclui Esquivel-Muelbert.

Retirada de madeira na Amazônia. Créditos: Divulgação/Exército Brasileiro.

Confira um resumo dos nove pontos elencados pelo estudo para salvar a Amazônia

  • 1. Redução das emissões globais de gases de efeito estufa é crucial para mitigar as mudanças climáticas na Amazônia;
  • 2. Acabar com desmatamento, degradação e incêndios na Amazônia exige novas políticas e coordenação entre países amazônicos;
  • 3. Restauração de florestas abandonadas e degradadas é essencial, incluindo reflorestação ativa e passiva;
  • 4. Criação e manutenção de Áreas Protegidas e Territórios Indígenas reduzem desmatamento e queimadas;
  • 5. Investir em ciência, tecnologia e inovação é crucial para compreender e proteger a Amazônia;
  • 6. Participação da sociedade civil fortalece a governança ambiental na Amazônia;
  • 7. Desenvolver uma economia baseada em florestas e rios saudáveis beneficia Povos Indígenas e comunidades locais;
  • 8. Manter a conectividade florestal entre os Andes e a Amazônia é vital para a resiliência das espécies;
  • 9. Incluir os direitos fundamentais da Amazônia na constituição dos países amazônicos para proteger a natureza e adotar uma perspectiva sistêmica.