DEBATE URGENTE

Veja defende descriminalização do aborto com matéria de capa

Revista, acusada em outros tempos de contribuir para a narrativa conservadora contra os direitos reprodutivos, agora se coloca como "pró-escolha" e faz importante debate sobre direitos e saúde

Capa da Veja em defesa da descriminalização do aborto.Créditos: Reprodução
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A revista Veja, considerada uma das responsáveis por fomentar o pensamento conservador que permitiu a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) e suas ideias moralistas, surpreendeu ao destacar na capa de sua edição deste sábado (14) uma matéria sobre aborto e que sai em defesa da descriminalização do procedimento

Assinada pelas jornalistas Sofia Cerqueira e Jana Sampaio, a reportagem tem como mote a notícia que que a Suprema Corte dos Estados Unidos possui um parecer indicando a intenção de revogar o direito ao aborto e traz um importante debate sobre saúde e direitos reprodutivos, classificando a possível revogação da lei sobre o tema nos EUA como "retrocesso". 

"Não se trata, nessa polêmica sem fim, de ser a favor ou contra o aborto em si. O que está em jogo é o direito de optar por não seguir em frente com a gravidez e dispor de condições adequadas para interrompê-la", diz a revista na chamada de divulgação da matéria postada nas redes sociais. 

Ao longo da reportagem, são destacados dados dando conta da quantidade de abortos realizados anualmente no mundo e no Brasil, relacionando-os com o alto número de mortes nos países em que o procedimento não é legalizado

"A praga dos abortos clandestinos, sem higiene e nas mãos de carniceiros, quando não mata pode causar danos sérios, como perfuração no útero, lesão no intestino e esterilidade (...) No outro lado do espectro, as estatísticas americanas, agora sob ameaça, comprovam os benefícios, no universo feminino, de contar com clínicas eficientes e profissionais competentes para interromper a gravidez na legalidade", diz um trecho da matéria. 

"Com o avanço do movimento antiaborto, tirar a questão do limbo e promover um debate racional sobre o direito da mulher de optar por interromper a gravidez é urgente — mas, infelizmente, ainda ruidoso em tempos de populistas conservadores em alta", atesta ainda a revista. 

Direito ao aborto ameaçado nos EUA 

Documento vazado pelo site chamado Político revela que os juízes da Suprema Corte dos EUA devem votar pela derrubada do direito ao aborto, que foi garantido às mulheres estadunidenses na década de 1970. 

O documento obtido pelo portal, que ainda não foi divulgado oficialmente, é um rascunho de um relatório do ministro Samuel Alito. No texto, Alito afirma que há maioria na corte para derrubar a antiga decisão, que ficou conhecida como julgamento Roe Vs Wade. 

Apontado como um rascunho do que deve ser o voto da maioria dos magistrados da Suprema Corte, há notas que indicam que o material circulou entre os juízes no dia 10 de fevereiro. O texto em questão provavelmente foi escrito para servir de voto para um caso do Mississipi, onde há um projeto para impedir aborto depois de 15 semanas de gravidez. 

Legalizado desde 1973, caso os juízes da Suprema Corte optem pela revogação do direito ao aborto, os estados estadunidenses devem entrar em uma disputa por novas interpretações da interrupção da gravidez, o que pode gerar um cenário de restrição ao acesso ao aborto. 

No documento vazado, o juiz Alito afirma que a decisão dos anos 1970 é contrária a vontade da maioria das pessoas dos EUA e que o tema do aborto deve ser decidido.

O rascunho do parecer de Alito é um repúdio da decisão de 1973 que garantia proteções constitucionais federais dos direitos ao aborto e também de uma segunda decisão, essa de 1992, conhecida como Planned Parenthood versus Casey, que mante o direito. 

"Consideramos que Roe e Casey devem ser anulados. A conclusão inescapável é que o direito ao aborto não tem raízes firmes na história e nas tradições da nação", escreveu Alito no documento vazado. 

"Roe estava flagrantemente errado desde o início. Seu raciocínio foi excepcionalmente fraco e a decisão teve consequências danosas. E longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, Roe e Casey inflamaram o debate e aprofundaram a divisão", diz Alito no texto. 

Em editorial, o jornal The New York Times afirma que, caso os juízes da Suprema Corte confirmem o teor do texto vazado, será "uma mudança sísmica" na política e nos direitos dos EUA.