A omissão fortalece o agressor

Escrito en COLUNISTAS el
No último dia 25, Alexandre Frota se tornou o foco da indignação de muitas pessoas ao relatar na televisão, em detalhes, um estupro que cometeu contra uma mãe de santo. A plateia do programa, apresentado por Rafinha Bastos, se divertiu muito com o relato, assim como o próprio apresentador, que ainda saiu em defesa de Frota nas redes sociais. Para Bastos, tudo era apenas humor; na sua mentalidade, o estupro de mulheres continua sendo engraçadíssimo. Assim como o caso de Alexandre Frota, é muito comum que agressões contra mulheres passem batidas, sem provocar qualquer reação contrária. O silêncio é o combustível que permite e reforça a violência, já que o agressor se sente livre e até mesmo admirado enquanto conta seu ato de violência. A verdade é que os crimes contra as mulheres nem de longe recebem o mesmo repúdio que outros tipos de crimes, como o assalto, por exemplo. Nossa cultura nos ensina a não reagir quando ouvimos uma vizinha sendo espancada ou quando uma mulher é xingada e empurrada em um bar. A vida das mulheres pouco importa, pois as mulheres são tratadas como seres de segunda categoria, abusáveis, objetificáveis e exploráveis. Para a pedagoga Dayana Pinto, os aplausos e as risadas da plateia ao ouvirem o relato de Frota exemplificam o modo como a violência contra a mulher é relativizada. “O que vimos ali foi um verdadeiro circo de horrores. Elas não reprovaram a atitude do ator, porque naturalizaram a situação. Não enxergaram a mulher como vítima daquela situação, mas o homem como garanhão, o pegador - e nesse sentido reforçaram como nossa sociedade é machista, misógina, racista”, afirma. Segundo Pinto, esse tipo de reação é frequente mesmo quando o homem agressor não é uma "celebridade", por ser mais fácil transferir a culpa para a mulher. Em suas palavras, as mulheres são diariamente assediadas e agredidas nas ruas, mas quando se manifestam de forma contrária ao assédio, são vistas como "loucas" e exageradas. A militante feminista Ana Rossato chama atenção para três pontos que levaram a plateia e o apresentador do programa a não reagirem diante do relato de Frota: o estigma social contra as religiões de matriz africana, o tipo de ouvinte ali presente e a naturalização da cultura do estupro: “Ser 'macumbeiro' é um xingamento e também uma forma de ‘humor’ (com duas aspas muito grandes). Então a vítima, por ser uma mãe de santo, já perde a credibilidade, já entra no estereótipo da piada, do menos valioso”, explica. “As pessoas que consomem esse tipo de humor, feito por um Rafinhas Bastos da vida, em sua enorme maioria carecem de uma reflexão maior; não é possível que alguém que seja engajado ou pelo menos apoiador das causas sociais consiga se divertir com esse tipo de programa, comandado por esse tipo de apresentador. E a naturalização da cultura do estupro - um cara querer ter relações sexuais com uma mulher é visto como um 'ganho' dela (como ela é sexy, como ela é gostosa, como ela é bonita, como ela excita). Existe um agente ativo e um agente passivo que está sempre querendo, aguardando, pedindo por sexo. Sinceramente, eu acho difícil que as pessoas tenham se dado conta de que aquilo era um relato de estupro, porque um homem querer sexo com uma mulher e ela ceder (diferente de 'querer') é tão natural e tão esperado que se perdeu a capacidade de analisar isso fora da relação de poder na qual estamos inseridas”, argumenta. Rossato ainda salienta a permissividade que Frota recebe pelo fato de possuir algum tipo de fama, mas pontifica que a omissão diante de agressores também é comum a quem não é conhecido na televisão ou outras áreas da mídia. “É sempre muito difícil a identificação como agressor: tanto pelo homem que só está fazendo o que aprendeu com a sociedade, quanto pela mulher, que acredita que tudo é assim mesmo e não se vê como vítima de um sistema. É preciso problematizar, sempre. Seja na internet, seja no trabalho, nas conversas informais”. Embora o caso de Alexandre Frota seja um exemplo mais recente e de maior visibilidade, o fato é que cotidianamente homens que estupram, espancam e assediam continuam agindo como querem e escolhem agir, relatando seus atos de violência, sem que em momento algum sejam confrontados ou minimamente questionados. Entre os amigos homens, o reforço positivo, os tapinhas nas costas e os comentários que louvam uma suposta performance máscula são frequentes. Por isso, as mulheres são estupradas e mortas sem que ninguém tente interferir para impedir o desfecho trágico. Essa omissão custa vidas. Fechar os olhos e catar palavras reprimidas, com medo de “exagerar” na indignação, só serve a quem está no papel de agressor. Vivemos um fato social de misoginia, os números são exorbitantes e a situação é gravíssima. Para que isso se transforme, a mentalidade do silêncio precisa ser combatida. Por isso, Dayana Pinto menciona a importância da educação e da luta dos movimentos de mulheres. “Eu acredito que só o Feminismo é capaz de combater essa sociedade machista, misógina. Porque o Feminismo empodera as mulheres e nos torna mais fortes - e nos mostra caminhos para que não naturalizemos as violências que sofremos”. Ana Rossato concorda e salienta: “Lutar pela causa feminista é desgastante, são dezenas de embates diários e em quase todos saímos como exageradas. Mas é preciso que essas situações não passem em branco. Resistir é isso. As mulheres precisam perceber que as coisas não são assim ‘porque são’ e que há outras mulheres que passam diariamente por estupros, violências, silenciamentos, desrespeitos e que estão ali para dar as mãos e ir em frente”, conclui. Foto de capa: Reprodução