A PEC da redução da maioridade penal e a agenda dos Direitos Humanos no parlamento

Cenário de adversidade pode ser uma grande oportunidade para fortalecer a mobilização e fazer frente à articulação dos setores conservadores no Congresso Nacional, apresentando os argumentos razoáveis para que a maioria dos parlamentares aja de forma responsável

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Há muito a ser feito até que a PEC realmente entre em vigor. Esse cenário de adversidade pode ser uma grande oportunidade para fortalecer a mobilização e fazer frente à articulação dos setores conservadores no Congresso Nacional, apresentando os argumentos razoáveis para que a maioria dos parlamentares aja de forma responsável Por Gabriel Santos Elias* A PEC da redução da maioridade penal, admitida pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, passará agora a ser discutida formalmente pelo Congresso Nacional. Essa aprovação pode ser creditada ao presidente da casa, Deputado Eduardo Cunha, que se empenhou pessoalmente para que a PEC fosse deliberada pela comissão e continua dando declarações favoráveis ao célere trâmite da matéria na casa. Mas este é um fato significativo também para a necessária articulação entre deputados e sociedade civil em defesa dos direitos humanos que enfrenta, há pelo menos dois anos, um forte avanço conservador no parlamento. Logo que a sessão da Comissão de Constituição e Justiça foi aberta na manhã desta terça-feira, o clima de apreensão contaminava a quase todos os presentes, dentro e, especialmente, fora da comissão. Na mesa, um requerimento de inversão de pauta solicitava que a PEC 171, que reduz a maioridade penal, fosse a primeira matéria a ser votada pela Comissão. O placar dessa votação, de 39 votos favoráveis e dez que preferiam adiar a votação, delineava um cenário desfavorável aos defensores da atual regra. Desde novembro de 2011 o deputado Luiz Couto (PT/PB) foi designado relator e, contrário à medida, buscava evitar sua deliberação, sabendo dos riscos de se votar matéria com tamanho apoio na opinião pública. Junto a outros parlamentares reconhecidos defensores dos Direitos Humanos, Luiz Couto vem enfrentando o fortalecimento de um campo político que atua no parlamento para limitar esses direitos, do qual o atual Presidente Eduardo Cunha é um dos principais representantes. Quando o painel registrava o quórum de 66 parlamentares, a totalidade dos membros da comissão – o que demonstrava uma capacidade de mobilização poucas vezes vista naquele plenário – a matéria foi a votação. Do plenário da Câmara, onde havia uma reunião extraordinária marcada para o mesmo horário, chegava a informação de que o presidente Eduardo Cunha só esperava a votação na Comissão para começar. E alertava: se não fosse votada na comissão a matéria seria levada para o plenário. Boa parte dos partidos liberou a bancada para votarem como quisessem, o que não tinha acontecido até então nas votações da PEC. Embora tradicionalmente muitos partidos tivessem posicionamento contrário à redução, como o PSDB, PDT e PSB, os parlamentares indicados pelos líderes a compor a comissão eram majoritariamente favoráveis a sua admissibilidade. O resultado final, 42 favoráveis e 17 contrários revelou a capacidade de articulação desse campo político conservador. De acordo com a cientista política Susan Stokes, um dilema que os políticos enfrentam é o de serem responsivos ou responsáveis. Aqueles que são responsivos às demandas e mudanças de curto prazo do humor público podem não ser necessariamente responsáveis quanto às políticas públicas de longo prazo. Como diversas organizações, movimentos sociais, juristas e parlamentares demonstraram nos últimos dias, embora o problema da violência seja o segundo principal problema identificado pela população, a redução da maioridade penal não é uma resposta a esse problema. Dados sobre a reincidência no sistema socioeducativo – de 20% –  e no sistema prisional – que chega a 70% no país – ilustram bem esse ponto. Os setores conservadores que atuam para atacar a pauta dos direitos humanos no parlamento buscam responder de forma imediata aos anseios da população, mas não são responsáveis sobre suas consequências. Esse tipo de atuação, apesar de revelar muita força política e de articulação, demonstra fraqueza de um projeto político que sustente seus mandatos representativos. O lado positivo dessa conjuntura é que ela tem servido para unificar e dar visibilidade a uma articulação de movimentos, organizações e parlamentares que fazem da defesa dos Direitos Humanos sua principal agenda política. Desde a eleição do Pastor Marco Feliciano (PSC/SP) para a presidência da Comissão de Direitos Humanos essa articulação se intensificou com a criação da Frente Parlamentar de Direitos Humanos e a realização das Comissões Extraordinárias de Direitos Humanos em diversas capitais do país para se contrapor, na sociedade civil e no parlamento, à agenda de ataque aos direitos humanos dos setores conservadores do Congresso Nacional. Embora a PEC tenha tido sua admissibilidade aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, ela ainda percorrerá um longo caminho legislativo. Será criada uma Comissão Especial que deverá proferir um parecer sobre seu mérito em um prazo de 40 sessões do plenário. Esse parecer, quando aprovado na Comissão Especial, será levado então para o plenário da casa, onde deve ser votado em dois turnos, com o intervalo de cinco sessões entre uma e outra. A PEC então é encaminhada ao Senado, onde será analisada pela CCJ e pelo plenário, podendo voltar para a Câmara caso seja modificada. Caso seja modificada novamente na Câmara a matéria deve ser votada também no Senado até que ambas as casas aprovem o mesmo texto. Só assim a matéria é promulgada pelo próprio Congresso Nacional. Hoje o movimento contrário à redução da maioridade penal e em defesa dos direitos humanos sofreu uma grande derrota. Mas a verdade é que ainda há muito a ser feito até que a PEC realmente entre em vigor. Esse cenário de adversidade pode ser uma grande oportunidade para fortalecer a mobilização e fazer frente à articulação dos setores conservadores no Congresso Nacional, apresentando os argumentos razoáveis para que a maioria dos parlamentares aja de forma responsável - e não somente responsiva - em seus mandatos. *Gabriel Santos Elias é mestre em ciência política pela UNB e membro da Rede Pense Livre. Foto: Pixabay/CC0 Public Domain