A mídia e o golpe militar de 1964

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O neologismo “ditabranda”, cravado no editorial de 17 de fevereiro da Folha de S.Paulo, serviu para desmascarar
este veículo, que vende a imagem publicitária de que é um jornal independente e plural – de “rabo preso com o leitor”.
A revisão histórica sobre a sanguinária ditadura militar brasileira custou à Folha um manifesto de repúdio com mais de 8
mil adesões e um emocionante protesto em frente à sua sede com cerca de 500 presentes. Numa manobra marota, o diretor
de redação, Otavio Frias Filho, foi obrigado a se retratar, parcialmente, do odioso neologismo.
O forte desgaste na sociedade teve também um alto custo material, o que deve ter apavorado os herdeiros da Famiglia
Frias. Segundo revela o blogue de Leonardo Sakamoto, “os leitores chiaram. Fontes de dentro do jornal dizem que
uma onda de cancelamento de assinaturas teria acendido a luz amarela. Fala-se em perdas de até 2 mil assinantes”. Outro
jornalista bem informado sobre os bastidores da mídia, Rodrigo Vianna, informa que “a fuga de leitores teria enfraquecido
ainda mais a posição interna de Otavinho. Ele e o irmão Luís Frias travam uma guerra pelo comando do grupo desde a morte do pai”. A “retratação” de Otavinho foi uma tentativa de “conter a sangria”.
Os editoriais dos golpistas
O episódio também serviu para relembrar o papel da mídia no período da ditadura. Mas, justiça seja feita, não foi somente
o Grupo Folha que clamou pelo golpe e que deu apoio à ditadura na sua fase mais sombria – de prisões ilegais, torturas, mortes, censura, cassação de parlamentares, fechamento de sindicatos e outras violências. Vale citar a conduta de outros veículos privados de comunicação. A postura destes no passado ajuda a entender sua linha editorial reacionária na atualidade. Reproduzimos alguns editoriais da época, coletados pelo jornal Brasil de Fato:
– “Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam se unir todos os patriotas [...] para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que
insistia em arrastá-lo para os rumos contrários à sua vocação e tradições... Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegem de seus inimigos.” O Globo.
– “Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a
no que de mais fundamental ela tem... A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas... Aqui
acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, na desordem social e na corrupção generalizada.” Jornal do Brasil.
– “Multidões em júbilo na praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e os chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade.” O Estado de Minas.
– “Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr. João
Belchior Marques Goulart, infame líder dos comunos-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que
a história brasileira já registrou, o Sr. João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes
que ela já conheceu.” Tribuna da Imprensa, na época sob comando do governador golpista Carlos Lacerda.
Fato histórico documentado
Como aponta o professor Venício de Lima, num excelente artigo na Carta Maior, “a participação ativa dos grandes
grupos de mídia na derrubada do presidente João Goulart já é um fato histórico fartamente documentado”. Não dá para
escondê-lo. Daí a tentativa da Folha e de outros veículos de revisar a história da ditadura e reconstruir o seu significado,
inclusive com a criação de novos termos – como “ditabranda”. Ele sugere o livro 1964: A conquista do Estado, obra clássica
de René Dreifuss, para se entender este sombrio período e a postura golpista da mídia hegemônica.
“Através das centenas de páginas do livro de Dreifuss, o leitor interessado poderá conhecer quem foram os conspiradores
e reconstruir detalhadamente suas atividades, articuladas e coordenadas por suas instituições, fartamente financiadas
por interesses empresariais nacionais e estrangeiros: o Ibad e o Ipes... No que se refere especificamente ao papel dos grupos
de mídia, sobressai a ação do GOP, Grupo de Opinião Pública ligado ao Ipês e constituído por importantes jornalistas
e publicitários. O capítulo VI, sobre ‘a campanha ideológica’, traz ampla lista de livros, folhetos e panfletos publicados pelo Ipes e uma relação de jornalistas e colunistas a serviço do golpe.”
Para o professor Venício de Lima, é essencial revisitar esta história, principalmente no momento em que o país debate
a democratização da mídia. “Não são poucos os atores envolvidos no golpe de 1964 – ou seus herdeiros – que continuam
vivos e ativos. A grande mídia brasileira, apesar de muitas mudanças, continua basicamente controlada pelos mesmos grupos familiares, políticos e empresariais. O mundo mudou, o país mudou. Algumas instituições, porém, continuam presas ao seu passado. Não deve surpreender que eventualmente transpareçam suas verdadeiras posições e compromissos, expressos em editoriais, notas ou, pior do que isso, disfarçados na cobertura jornalística cotidiana. Tudo, é claro, sempre feito ‘em nome e em defesa da democracia’.” F