Agrocombustíveis, sim ou não?

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Os economistas dos biocombustíveis consideram que estes são uma panacéia para a crise de energia e as mudanças climáticas, que poderia servir para perpetuar o reinado dos veículos a motor e as atuais pautas perversas de consumo. Os detratores dos biocombustivies – destilados de produtos como milho, cana-de-açúcar, palma e soja, entre outros – afirmam que o desvio das escassas terras agrícolas para produção de etanol e biodiesel provocará uma grave crise alimentar. Ao se referir à moda dos biocombustíveis, o ambientalista norte-americano Lester Brown disse tratar-se de uma batalha épica entre 800 milhões de proprietários de automóveis e 2 bilhões de estômagos vazios.
Sabemos que a fome não é causada por escassez de alimentos, mas de dinheiro para comprá-los. É o caso de muitos moradores de bairros periféricos das cidades, forçados a abandonar a agricultura por não terem acesso à terra, pela falta de uma reforma agrária ou porque seus meios de vida foram arruinados pela competição desleal dos alimentos subsidiados pela União Européia e pelos Estados Unidos, como ocorre com os mercados africanos. Mas isto não significa minimizar os apuros criados pelos recentes aumentos de preços dos alimentos e seus sucessivos altos e baixos. Contudo, é absurdo discutir o impacto destas altas sem levar em conta as causas estruturais da pobreza maciça.
Devemos nos esforçar para conseguir maior moderação e eficiência no consumo de energia e, ao mesmo tempo, tomar as medidas necessárias para garantir a complementaridade entre as produções de alimentos e de biocombustíveis. Se forem respeitadas as condições descritas a seguir, será possível aumentar grandemente a produção de biocombustível sem invadir as terras usadas para produzir alimentos nem recorrer ao desmatamento.

Usar sempre que possível terras e terrenos vazios ou marginalizados para neles plantar sementes resistentes de oleaginosas, como o pinhão manso (Jatropha curcas).

Programar sistemas integrados de produção de alimentos e de energia adaptados a diferentes biomassas e propiciar o uso de tortas de linhaça como forragem para o gado, de modo a deixar livres terras de pastagem para a agricultura. O destaque deve estar na variedade das soluções propostas e no aproveitamento da diversidade biológica e cultural.

Transformar em biocombustíveis (incluindo o biogás), os resíduos agrícolas, florestais e domésticos e, com este fim, avançar o mais rápido possível para a segunda geração de biocombustíveis, os celulósicos.

Intensificar a pesquisa sobre a biodiversidade, em particular sobre espécies tropicais oleaginosas e na terceira geração de biocombustíveis, os produzidos com algas.

Aproveitar a experiência da produção em pequena escala em bioenergia para consumo local da população rural.

Assegurar um trabalho decente, o direito à alimentação adequada e, como bem enfatiza a Oxfam International, deixar aos pequenos proprietários rurais a liberdade de decidir sobre o equilíbrio entre a produção de alimentos para o consumo e a de produtos para o mercado.

Promover a organização de pequenos agricultores em cooperativas e permitir que estas mantenham relações mais eqüitativas com produtores de biocombustíveis em grande escala.
A experiência mostra que as últimas duas condições talvez sejam as mais difíceis de serem seguidas. Até agora, a discussão se centrou na escolha de cultivos e técnicas e sobre muitas (inaceitáveis e evitáveis) histórias de horror, como a destruição de florestas primárias e a secagem de pântanos para plantar palma na Indonésia. Por outro lado, não se está dando atenção suficiente aos modelos sociais que surgem dos investimentos em biocombustíveis em grande escala. Estamos enfrentando dois grandes desafios: a prejudicial mudança climática e a escassez crônica de oportunidades de trabalho decente, exacerbada por uma abissal desigualdade social.
Nossa ambição deveria ser enfrentar simultaneamente os dois problemas mediante o uso dos biocombustíveis como uma oportunidade para iniciar um novo ciclo de desenvolvimento social ambientalmente virtuoso, com os pequenos agricultores como principais protagonistas. Isso exige medidas políticas explícitas dos Estados comprometidos com o desenvolvimento, como alternativa à predominante dependência das forças do mercado e à maciça aquisição de terras agrícolas pelos fundos de investimento.
O programa brasileiro de biodiesel foi criado com a intenção de dar preferência aos pequenos agricultores que vivem nas partes menos desenvolvidas do país. Na atualidade, esta política não tem muito sucesso e não se estendeu à notoriamente mais importante produção de etanol, dominada por grandes proprietários e grandes agroindústrias. A dimensão social dos programas de bioenergia deve ser compreendida e abordada para evitar um novo círculo de desenvolvimento rural socialmente perverso, caracterizado por um posterior agravamento da desigualdade na posse da terra, na saúde e na renda. O Brasil está em posição ideal para se movimentar nessa direção e transformar-se em um ator global muito importante na conformação das civilizações pós-petróleo. F