Amal Murkus, uma vida dedicada à música árabe

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Não é nada fácil ser mulher em uma civilização patriarcal e que valoriza imensamente o papel dos homens, como é o caso dos árabes. Não deve ser nada fácil ainda ser cristã em meio a um povo que é 98% muçulmano. Por fim, ser mulher, cristã e ainda por cima militante comunista, deve ser bem mais difícil ainda. Estamos falando da que talvez seja a maior cantora do mundo árabe da atualidade. Trata-se de Amal Murkus, 40, nascida na aldeia de Kafr Yasif Galiléia nos idos de 1968, depois da ocupação da Cisjordânia por Israel a partir da Guerra dos Seis Dias, um ano antes de seu nascimento. É o típico exemplo de mulher de fibra e de combate que luta contra tudo e contra todos, contra a opressão, a miséria de seu povo, contra a discriminação. Filha e neta de comunistas é membro do Partido Comunista da Palestina. Seu próprio nome Amal significa em árabe “esperança”, que é o que ela e seu sofrido povo mais têm hoje em busca da sua terra e de seu Estado nacional.

Amal luta desde pequena contra o autoritarismo da sociedade judaica (a aldeia em que nasceu ficou com Israel na partilha de 1947). Lutou contra todos os tipos de fundamentalismos, judaicos e muçulmanos. Sua carreira demora para decolar porque ninguém queria produzir seus discos. Recebeu conselhos para que fizesse isso no exterior, especialmente no Egito. Não seguiu esses conselhos. Queria a sua obra ouvida e conhecida pelo seu povo palestino. Assim, seu primeiro álbum só saiu em 1998, há dez anos, quando já tinha 30 anos e se chamava justamente “Amal”. O segundo saiu em 2004 e se chama “Shauq”.

Sua música é essencialmente árabe, mas canta também levando em conta tradições judaicas e mediterrâneas, fazendo um misto de um tipo diferente de musicalidade, extremamente agradável.

Ela veio ao Brasil acompanhada de seu maestro e arranjador, Nassem Dakwar, também alaudista. Nos três primeiros dias de ensaios, juntou-se ao conjunto de artistas formado por Sami Bordokan (alaúde), seu irmão William Bordokan (percussão, derbake) e Cláudio Kairouz (qanun, uma espécie de harpa árabe com mais de 70 cordas que se toca horizontalmente em cima das pernas).

O primeiro dos três espetáculos, patrocinados pelo SescSP, dirigido pelo colega Danilo Santos de Miranda, ocorreu na quinta-feira, 25 de setembro. Os 600 lugares do Sesc Vila Mariana não foram suficientes para abrigar todas as pessoas que queriam ver Amal. O mais interessante nisso é que estiveram presentes 85 camponeses de vários países, estudantes da Escola “Florestan Fernandes” do MST, que compareceu inclusive com o seu dirigente máximo, João Pedro Stédile, que homenageou Amal publicamente.

No último de seus show, Amal apresentou canções palestinas da resistência, das lutas desse sofrido povo. Ela, quando falou em árabe, contou com a tradução de Sami Bordokan. Ali fez a abertura e contou inclusive do projeto de Ponto de Cultura que ele dirige com seu Instituto Jerusalém, cujo objetivo deve ser organizar uma orquestra de percussão jovem de instrumentos árabe em Campinas em 2009, sob regência de William Bordokan. A parte alta do show foi quando Amal cantou uma música brasileira com letra árabe. Ao final, foi ovacionada de pé por vários minutos pelos presentes.

Após o espetáculo, tive o prazer de estar pessoalmente com Amal. Ela autografou dezenas de seu novo CD. Amal é aquela combinação harmônica e realmente dialética entre forma e conteúdo. Uma linda mulher palestina-árabe, lutadora, comunista, de bela voz, que empresta sua arte e sua cultura para a libertação de seu povo. Vida longa à camarada Amal Murkus. Que seu sucesso em todo o mundo possa ajudar e apressar não só os processos de paz na Palestina, como nos trazer o tão sonhado Estado palestino, com Jerusalém como sua capital. Estamos perto disso? Veremos.

Leia a entrevista com Amal no site Icarabe



Lejeune Mirhan, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association.

* Artigo editado de textos originalmente publicado no vermelho.org.br.

Entrevista

Amal Murkus

Durante toda entrevista que concedeu ao Icarabe, além da conversa que tive com Amal, o que mais chamava a atenção era a sua imagem. Além de uma mulher linda na casa de seus 40 anos, tentava enxergar nela aquilo que muitos palestinos vêem, um símbolo nacional, um sentimento da terra natal, uma voz que equivale a uma bandeira. Veja a conversa da cantora com o ICArabe, na qual fala sobre seu mais recente CD, "Na’ na’ ya Na’ na’", de 2007, e sobre a cultura e a política na Palestina.
Leia a entrevista no site do Icarabe.

Indicação Cultural

Porta do Sol

De Elias Khoury

Traduzido por Safa Jubran, a edição da Editora Record da obra de Elias Khoury traz um dos relatos mais sólidos e emocionantes sobre a questão palestina. Na narrativa, em um campo de refugiados nas cercanias de Beirute, um ex-combatente de guerra repousa em coma profundo. Enquanto isso, Khalil Ayyub, enfermeiro, trava um diálogo em que é a única voz. Milton Hatoum assim conclui a orelha do livro: “O fim de uma história é o começo da outra, e a única saída desse labirinto de batalhas, tragédias e humilhações é o amor: o desejo de viver em liberdade, com amor”.