Análise: Não é para combater o crime que os generais estão de volta no Rio

"Não será surpresa se outras intervenções pipocarem Brasil afora para “enfrentar” a violência. Não será surpresa se, com apoio externo, a intervenção chegar ao Acre, ameaçando a soberania nacional venezuelana"

Foto: Defesa Aérea e Naval/Divulgação
Escrito en POLÍTICA el
Em artigo, André Rosa* analisa os efeitos e os verdadeiros objetivos por trás da intervenção federal no Rio de Janeiro   A violência no Rio é histórica e se relaciona a vários fatores. Exclusão social, violência e corrupção policial, tráfico e crime organizado são alguns deles. Uma cidade que desde o seu início viveu da divisão de classes e da segregação social, econômica e racial. Uma cidade que sempre jogou pobres, negros e setores excluídos para a margem enquanto se promoviam bailes da Ilha Fiscal, festas luxuosas regadas a muito dinheiro público e mordomias para a Corte e seus amigos. Neste cenário de exclusão, segregação, violência e preconceito é que se formou a “Cidade Maravilhosa”. Foi nessa realidade de ausência do papel inclusivo do Estado que surgiram e se fortaleceram organizações criminosas para ocupar esse espaço econômica e socialmente. Dentro das comunidades trabalhadoras, no topo dos morros, o tráfico passou a exercer um papel importante que nunca foi exercido pelos governos. Praticamente um Estado paralelo. Nesse formato, as organizações cumpriam e cumprem seu objetivo maior, que é econômico: abastecer a Zona Sul, os não-excluídos, dos produtos que vendem, enquanto os barões do tráfico enriquecem. À diferença de seus operadores, da juventude que mata e que morre, dos “patrões” locais, os barões não estão nos morros e nem na cidade do Rio. Devemos lembrar por exemplo, de um helicóptero apreendido com meia tonelada de cocaína na fazenda de uma importante personalidade em território mineiro tempos atrás. Por aí andam os barões do tráfico. Diante desse histórico, em que valores civilizatórios são substituídos pela barbárie social incentivada por alguns, precisamos reconhecer que a tendência de caos aumenta. Mas seria esse mesmo o motivo que leva um presidente ilegítimo a decretar intervenção federal no Rio? É preciso analisar a volta dos generais. A decisão de intervir no Rio vem logo após uma festa tradicional das comunidades excluídas em que o golpe foi escrachado, assim como o presidente ilegítimo, as reformas escravagistas propostas pela elite, a corrupção no poder central, o preconceito racial e social, bem como o preconceito por orientação sexual e de gênero. Ocorre após uma das principais comunidades da cidade ter exposto uma faixa defendendo a candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República na eleição de outubro. Não será com uma intervenção militar que a violência acabará no Rio. Ao contrário, ações truculentas em comunidades sempre serviram para acentuá-la. Pode até ser que, durante um período curto, os índices de assaltos sejam reduzidos. No entanto, ao mesmo tempo, aumentarão o número de jovens mortos, a derrubada de portas das casas de moradores das comunidades, a criminalização das associações e representações dos movimentos sociais, entre outras atrocidades. Tais medidas provocarão revolta e só reforçarão o poder paralelo das organizações criminosas a médio e longo prazo. Melhor seria enfrentar a situação de duas maneiras: combatendo a exclusão através de programas sociais e da presença efetiva do Estado nas comunidades e reprimindo as ações dos reais chefes das organizações criminosas. Devemos, portanto, considerar a intervenção no Rio como mais uma ação do Estado de exceção em vigor no País. Não será surpresa se outras intervenções pipocarem Brasil afora para “enfrentar” a violência. Não será surpresa se, com apoio externo, a intervenção chegar ao Acre, ameaçando a soberania nacional venezuelana. Também não será surpresa se a eleição de 2018 for cancelada, sob o argumento de “defesa da ordem”. Foi assim no golpe de 1964, que levou o País, passo-a-passo, ao AI-5. A partir de então, a democracia foi aniquilada, seguindo-se um período em que torturas, assassinatos, desaparecimentos viraram práticas corriqueiras. O golpe deflagrado em 2016 entra em seu terceiro ano. Não podemos permitir que ele dure os mesmos 21 anos que durou o anterior. Estejamos atentos, fortes e resistentes para enfrentar o que virá pela frente. *André Rosa é ativista digital e secretário de comunicação do Partido dos Trabalhadores de Porto Alegre