Arbix: ou o Brasil aposta na inovação ou vai competir na base do trabalho precário

Glauco Arbix aponta que nunca se investiu tanto em inovação no Brasil, mas é preciso mais para disputar mercados

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Glauco Arbix aponta que nunca se investiu tanto em inovação no Brasil, mas é preciso mais para disputar mercados

Por Anselmo Massad

O professor de sociologia da USP Glauco Arbix, autor de Inovar ov Inovar, publicado pela Editora Papagaio, defende que a indústria brasileira precisa investir na formação de seus funcionários se quiser competir na economia global. “Ou o país busca a inovação, ou vai tentar competir na base do trabalho precário, da baixa qualidade dos produtos no mercado global”, defende.

Por inovação, Arbix entende tanto a criação de novas tecnologias quanto a combinação de conhecimentos existentes em um processo ou na logística que permitam uma diferenciação ou ganho de produtividade.

O pesquisador dirigiu o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2003 ao fim de 2006. Ele faz referência aos estudos realizados pelo órgão subordinado ao Ministério do Planejamento para concluir que nunca se investiu tanto em inovação na indústria quanto atualmente. Empresas como a Gerdau, Suzano e outras apostam nessa estratégia pesadamente, mas o grupo de empresas que fazem isso ainda é pequeno: apenas 1,7% da indústria.

“A Índia e a China estão investindo maciçamente em universidades e centros tecnológicos em processos de inovação, porque querem competir em todos os níveis da economia, nos baixos e nos altos salários”, avisa. Se o Brasil quiser competir, terá de apostar na inovação.

Confira a íntegra da entrevista.

Fórum – Qual é a importância da inovação para o futuro da indústria brasileira? Glauco Arbix – Tenho dois pontos de partida, uma referência internacional e outra nacional. Os principais países em termos de economia mundial conseguem desempenhos bons, de aumentar a produtividade, a tecnologia e a capacidade de oferecer bem-estar a seus cidadãos porque trabalham para tornar a economia mais inovadora. A idéia de inovação que as pessoas em geral têm está relacionada à alta tecnologia, mas, na maior parte das vezes, se trata de pequenas mudanças, até incrementais, como definem alguns autores, quer dizer, quase imperceptíveis ao consumidor. São alterações em processos, no modo como o serviço é oferecido, na logística de apresentação de modo diferenciado. Nos países da União Européia, aproximadamente 60% do desempenho da economia está ligado à inovação, nas grandes, médias e nas pequenas indústrias. A inovação é uma capacidade de se diferenciar que se transforma em um bem comercializável e em retorno para a empresa, não necessariamente uma grande invenção. Nem sempre os investimentos em pesquisa e tecnologia se transformam em crescimento à altura do que foi aplicado, porque o que dinamiza a economia são as pequenas inovações, como se combinam conhecimentos já existentes, sem envolve a produção de conhecimento novo, mas uma mescla.

Fórum – O senhor poderia citar algum exemplo desse tipo de mescla? Arbix – Um exemplo ocorreu quando a Apple lançou o iPod [aparelho que toca arquivos de música compactados em MP3], que virou uma espécie de febre mundial. Vi o Steve Jobs [co-fundador e executivo da empresa] numa palestra dizendo que as pessoas imaginam que eles foram os primeiros porque desenvolveram uma série de tecnologias, mas não. A inovação não estava no monitor pequeno, bonitinho, porque isso foi desenvolvido pelo ministério da Defesa dos Estados Unidos. Não foi a bateria de lítio, que dura mais tempo, porque ela foi criada pelo ministério da energia. Tampouco foi o software, feito por empresas indianas em parceria com outras norte-americanas. Dizia ele que foi a combinação de conhecimentos sem rupturas tecnológicas que tomou a forma do iPod. É claro que os técnicos da Apple tiveram a sensibilidade, a expertise – e a esperteza (risos), que não é a tradução mais correta – para conseguir transformar nessa coqueluche que o aparelho se tornou. Paralelamente, eles criaram o iTunes que vende músicas por faixa. Não tem invenção da roda, nem da máquina a vapor, eles romperam sim com um sistema da indústria do entretenimento de vender apenas um conjunto de 12 ou 13 músicas em um CD. O que eles inventaram foi uma forma diferente, e é a isso que dou relevo. É fundamental para os países a combinação de conhecimentos, que só é possível a partir das experiências dos profissionais, das vivências, do conhecimento que têm. Ela está relacionada à formação, para fazer a empresa inovar.

Fórum – Qual é o cenário brasileiro de inovação? As indústrias nacionais investem nessa área? Arbix – Para falar sobre o Brasil, me apoio em pesquisas realizadas por técnicos do Ipea, que apontam um grupo seleto de 1.200 empresas – infelizmente ainda pequeno, 1,7% do total do setor industrial – que faz esse tipo de investimento. Refiro-me às que têm 50% mais um de capital brasileiro. Elas têm um desempenho importante porque conseguem uma penetração em mercados sofisticados, como os da União Européia, Estados Unidos e Japão, e concorrem com similares e até gigantes estrangeiros. São empresas que pagam melhor seus funcionários, exportam mais do que as outras, têm um nível de escolaridade maior de seus quadros e mantém os profissionais por mais tempo empregados. Quero destacar isto: eles valorizam os profissionais e mesmo a estabilidade que têm no emprego. É vantajoso para o empregado e para o empresário, que tem melhores resultados. Se pensamos em aumentar a renda e a qualidade de vida da população brasileira, a inovação [na indústria] também se mostra boa. São empresas brasileiras que usam um padrão de produção atribuído apenas a subsidiárias de multinacionais. No departamento de sociologia, onde leciono, na USP, os autores na década de 60, constatavam que o empresário brasileiro tinha certa inveja – uma inveja boa – da multinacional, que era aquela em que as pessoas preferiam trabalhar, porque pagava melhor. O grupo de empresas que atualmente busca a inovação é um sinal de que algo mudou com benefício do empresário e também da economia do país. Pode-se ter empresas brasileiras que dinamizam a economia de modo diferente. O uso intensivo de conhecimento é pouco explorado no Brasil, mas há capacidade de ampliar muito isso. Até porque, ou o país busca a inovação, ou vai tentar competir na base do trabalho precário, da baixa qualidade dos produtos no mercado global. Isso seria, na minha visão, um rebaixamento na expectativa de futuro que temos do país.

Fórum – O senhor coloca o papel das empresas na inovação. Mas qual é o papel do governo? Seria o caso de redirecionar a produção de pesquisa nas universidades públicas? Arbix – Os papéis são diferenciados. A inovação acontece dentro da empresa, com qualificação, treinamento, análise dos processos. Isso é chave. É vital que os empresários trabalhem para colocar suas empresas para disputar mercados mais sofisticados, bem como o mercado interno, ou vão morrer. Bem, toda economia vai ter uma parcela que sobrevive com produtos de baixa qualidade, que se danificam depois do primeiro uso, adquiridos ou por uma opção momentânea, ou por questões de renda. Mas, para crescer e se tornar empresas globais, não tem como fugir do investimento nas pessoas para inovar. Agora, as empresas não fazem nada sozinhas. Se não compensar, por que alguém vai investir em pessoas e em inovação? É preciso que haja um ambiente favorável.

Fórum – O que seria esse ambiente favorável? Redução de carga tributária? Arbix – O governo tem que cumprir sua parte para a geração desse ambiente. Isso inclui a tão decantada redução da carga tributária, que nem sempre se consegue fazer. Mas também é papel do governo garantir a infraestrutura de estradas, de comunicação, diminuir a burocracia, garantir o financiamento e mecanismos de crédito. E também aproveitar os centros universitários que geram conhecimento. Esses centros precisam se relacionar com os empresários, e existe preconceito mútuo. As empresas que acham que a universidade flutua – e de vez em quando fica fora da realidade mesmo – e da universidade que tem receio de se relacionar com empresários que visam lucro. Esse drama da distância acontece em outras partes do mundo também, mas no Brasil, como a universidade pública é o grande centro de inovação e tem financiamento público, isso acaba sendo um entrave para o trabalho com conhecimento. A universidade pode ajudar muito às empresas e o setor industrial, levando em conta que essa relação vai promover um retorno para toda a sociedade com a dinamização da economia.

Fórum – Na economia globalizada, uma empresa pode levar partes da produção para outros países, em busca, por exemplo, de mão-de-obra mais barata. A opção por inovação não pode implicar a transferência de partes da produção – intensiva em mão-de-obra – para outros países? Se sim, quais as conseqüências para o Brasil? Arbix – Todas as economias formam um conjunto heterogêneo. Em um país como a Dinamarca ou a Noruega, é claro que há empresas mancas, que vão mal das pernas e têm espaço. Mas o empresariado brasileiro não pode ter medo de optar pela parte inteligente do trabalho, o que usa o conhecimento. Os melhores salários são os mais qualificados, os de mais renda e os motores do desenvolvimento. Em segundo lugar, vamos conceber uma situação hipotética de transferência de áreas para países com salários menores. A Índia e a China estão investindo maciçamente em universidades e centros tecnológicos em processos de inovação, porque querem competir em todos os níveis da economia, nos baixos e nos altos salários. Se o Brasil quiser competir pelos postos menos qualificados, vamos estar com a maior parte dos trabalhadores do planeta. E, se hoje disputamos com a Índia e com a China, em cinco ou dez anos esses países vão estar em outro patamar, e restará competir talvez com países africanos. O Brasil é muito grande em termos geográficos, de recursos e de potencialidades e pode dar um salto nessa direção. Um dos dados do estudo do Ipea é de que empresas nacionais investem mais em pesquisa e desenvolvimento do que as multinacionais. Você pode dizer que estas concentram o investimento na matriz, o que é verdade. Mas quando é que houve aplicação nessa área por parte das empresas brasileiras? Antes, quando a economia era fechada, não havia isso. As empresas hoje investem muito e obtêm resultados, aí está o problema. Bem, na verdade, aí está uma espécie de solução (risos), o problema é que o número de companhias é pequeno. Seria preciso fazer uma reviravolta em todos os níveis e melhorar processos, a gestão dentro e fora da fábrica.