Ativista contra a transposição acusa governo de chantagem

Apolo Heringer Lisboa, coordenador da Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido, avalia a viagem a onze estados e as incoerências do projeto de transpor as águas do Velho Chico

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Apolo Heringer Lisboa, coordenador da Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido, avalia a viagem a onze estados e as incoerências do projeto de transpor as águas do Velho Chico Por Brunna Rosa De 19 de agosto a 1º de setembro, um grupo de técnicos, pesquisadores, ativistas e especialistas em rio São Francisco e no Semi-Árido brasileiro percorreu onze capitais brasileiras para denunciar o que consideram incoerências no projeto de transposição de águas do rio para bacias do Nordeste Setentrional e abrir o debate com a população. Para o coordenador da Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido, Apolo Heringer Lisboa, a transposição não levará água a população que sofre com a seca. Em entrevista a Fórum, ele avalia como foi a caravana e suas conquistas. Lisboa, também é professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fundador do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e presidente do Comitê da Bacia do Rio das Velhas – um dos afluentes, que corta a região de Belo Horizonte –, além de idealizador e coordenador-geral do Projeto Manuelzão que busca revitalizar os rios que compõem a Bacia do Rio das Velhas. Fórum – Quais foram as principais partes do percurso e a sua avaliação? Apolo Heringer Lisboa – O principal objetivo da caravana era levar a discussão sobre a transposição do São Francisco ao Brasil. E nisso fomos bem sucedidos. As 14 pessoas que compunham a caravana conseguiram ótimas conquistas. Em Minas Gerais, obtivemos do reitor da Universidade Federal a convocação de um seminário para discussão do projeto. Será o primeiro debate científico na Universidade, com representantes do governo e da caravana contra a transposição. O governador [Aécio Neves (PSDB)] nos recebeu e expressou que este projeto não é apoiado por ele. A Assembléia Legislativa convocará uma audiência para discutir e aprofundar o impacto da transposição, no estado. Durante o trajeto a caravana chegou a conclusão de que, as empresas que mais vão ganhar dinheiro estão no centro-sul e no sudeste brasileiro, as maiores fabricantes de cimento e aço. Essas empresas estão por trás, incentivando a transposição. Conseguimos o compromisso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) do envio, aos três poderes, uma carta sugerindo um debate amplo sobre o projeto. Em Brasília, fomos recebido por José Alencar, vice-presidente, que se comprometeu em expor ao presidente Lula a necessidade de amplo debate. Na Câmara dos Deputados, na comissão de Meio Ambiente, vários parlamentares se prontificaram a convocar audiência pública. Da Capital Federal, fomos para Rio Grande do Norte. Para nossa grande surpresa, as pessoas de Natal já estavam articuladas, debatendo a transposição do Rio São Francisco nas igrejas, sindicatos e movimentos sociais da região. No Armando Ribeiro Gonçalves, o segundo maior açude do Nordeste, os trabalhadores da região desalojados na época da construção, reclamaram que não têm acesso às águas, devido a profundidade do canal. A avaliação desses moradores é de que a construção do açude foi terrível. Prometeram emprego, água e desenvolvimento, mas não conseguem água para suas necessidades. No Ceará, fomos no Castanhão, o maior açude do Nordeste, formado em uma barragem no rio Jaguaribe, o maior rio do Ceará. Ficamos impressionados com o tamanho da obra. Fomos recebidos pela população local com um teatro contra a transposição. O movimento de moradores atingidos por barragem está organizando muito bem à população local. No Ceará, tivemos contato, pela primeira vez, com a expressão “deserto da água”. Já tínhamos ouvido falar em “deserto verde”, mas o “deserto da água” é aquela sem peixe, com temperatura mais baixa, sem vida e imprópria para uso humano. É o caso do Jaguaribe. Foi neste momento, que a Caravana teve a completa certeza de que a água da transposição não será para o povo beber. Estão fazendo chantagem emocional com o resto do país. Fórum – Por quê? Lisboa – A seca não é causada por falta d´água, e sim devido à concentração de água em alguns períodos do ano. O governo está preocupado com o apoio de governadores, prefeitos e produtores e está colocando a indústria da seca para se movimentar. A rede Globo colocou o [Ministro da Integração Nacional] Geddel Vieira fazendo pronunciamento a favor da transposição, junto a imagens de pessoas bebendo água barrenta, com sede, todo mundo magrinho. Como se não existisse isso no Vale do Jetiquinhonha ou no vale do São Francisco, à beira do rio. É chantagem emocional. Foi também no Jaguaribe que a Caravana constatou que o projeto de transposição é um projeto cearense. Quase toda água da transposição será redirecionada ao Ceará. E o Ceará não está com um projeto do povo nordestino, é um projeto internacional, ligado aos commodities, a uma agricultura que eu questiono. Na região do Semi-Árido, apesar de ser um dos Semi-Áridos mais úmidos do mundo, e estão provocando desmatamento linear, total, não há um mínimo de cuidado com o ecossistema. Se amanhã, tiver algum tipo de doença ou contaminação da plantação, a economia afunda, porque não haverá mais diversidade. A região Leste do Jaguaribe já tem água, e muita. E ela ainda receberá mais conforme o atual projeto da transposição. O Oeste do Ceará, a parte mais alta, praticamente não tem estrutura hídrica, não tem distribuição de água, mas a transposição não passará nesse local, que é o que tem maior necessidade. No Ceará e na Paraíba foram os locais que enfrentamos maior resistência. Em Aracaju, Bahia, Alagoas e Maceió fomos recebidos por prefeitos e governadores e vimos que há uma tendência entre eles, principalmente na Bahia, de buscar uma solução no que seria o eixo leste, ou seja, levar água para Pernambuco e Paraíba através de adução de água para abastecimento humano. Fórum – Além de discutir a transposição, nos lugares por onde passou, foram apresentadas alternativas? Lisboa – Investir mais em adução de água, isto é, levar água de onde tem para cidades que estão ameaçadas. Na hidrologia de irrigação, o principio é que para demanda de cidades e grandes projetos de irrigação, a oferta é concentrada em um canal ou um açude. A população que sofre com a seca somente seria atendida por uma oferta difusa. O projeto de transposição não levará água para a população que sofre com a seca. Sem dúvida, precisamos aproveitar o Atlas do Nordeste, elaborado há seis meses pela Agência Nacional de Águas [ANA], que apresenta alternativas a transposição. Fórum – Mas quais são elas? Cisternas? Lisboa – As cisternas são uma tentativa muito boa. O ideal é a instalação da cisterna e a construção de reservatórios subterrâneos para a população. O interessante, é que, ao visitarmos o Açude Armando Ribeiro Gonçalves, as casas, quer dizer, as “fazendinhas” à beira do canal têm instalado em suas residências as cisternas. Fórum – Quais serão as próximas ações da Caravana? Lisboa – A caravana, está encaminhando ao Palácio do Planalto um pedido ao presidente Lula para recebê-la. Junto disso, estamos solicitando uma auditoria com um grupo de especialistas. Nós, da Caravana em Defesa do São Francisco e do Semi-Árido, acreditamos que o projeto além de absurdo do ponto de vista técnico, é suspeito de corrupção. Para empreiteiras, para indústria do cimento e do aço e para campanhas eleitorais. Queremos que a discussão sobre o projeto seja aberta à sociedade. Também trabalhamos para publicar uma nova revista, com o resultado da caravana. Publicar as fotos, os depoimentos, declarações e estudos. Fórum – As obras da transposição, que tiveram início em junho, com o envio do 2º Batalhão de Engenharia do Exército a Cabrobó (PE)... Lisboa – As obras, ainda não começaram. O governo está tentando fazer uma política de truculência. O envio do Exército para Cabrobó foi para intimidar os índios, a quem as terras pertencem. É uma forma de a obra não cair em descrédito, pois as licitações estão sendo contestadas na Justiça. O que existe em Cabrobó é um buraco feito pelo Exército e, agora, o desmatamento que estão realizando. É pirotecnia do governo. O processo demora, e estão tentando desmobilizar a sociedade que quer discutir a obra.