Celio Gari: “Conseguimos tirar os cadeados da senzala”

Neste 13 de maio, garis do Rio de Janeiro saíram às ruas para pedir pela readmissão dos funcionários demitidos após a greve da categoria, em março. Para Celio Viana, uma das lideranças do movimento, há perseguição aos trabalhadores, que trabalham em “regime escravocrata”

Celio Viana, uma das lideranças das greve de 2014 e 2015 (Reprodução/Facebook)
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Neste 13 de maio, garis do Rio de Janeiro saíram às ruas para pedir pela readmissão dos funcionários demitidos após a greve da categoria, em março. Para Celio Viana, uma das lideranças do movimento, há perseguição aos funcionários, que trabalham em “regime escravocrata” Por Anna Beatriz Anjos | Foto: Josep Juan (Antropo TV) O dia 13 de maio, data em que a escravidão foi oficialmente abolida no Brasil, não é celebrado pela militância negra. A Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 1888, libertou os escravos apenas simbolicamente, pois não instituiu qualquer mecanismo que lhes permitisse a inserção naquele novo modelo de organização do trabalho e da vida, de uma forma geral. O resultado disso é a exclusão do povo negro do processo social e histórico, algo que se estende, sem dúvida alguma, até os dias atuais. Neste 13 de maio, os garis do Rio de Janeiro foram às ruas mais uma vez para lutar contra essas desigualdades. É o que afirma Celio Viana, também conhecido como Celio Gari, uma das lideranças das greves realizadas pela categoria em 2014 e também em 2015. O ato, realizado em frente à Assembleia Legislativa do estado (Alerj), pede a readmissão de Viana e outros funcionários da Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio (Comlurb), que foram demitidos no final de abril. Para o gari, há perseguição da empresa contra os trabalhadores que aderiam à paralisação, ainda este seja um direito previsto na Constituição Federal. "No meu ponto de vista, todas essas demissões que ocorreram em 2014 e 2015 foram punitivas, a fim de intimidar o trabalhador para que ele não participe de outros movimentos", garante. Neste ano, a greve durou sete dias: de 13 a 20 de março, época do dissídio da categoria. Confira, na íntegra, a entrevista de Viana: Fórum - Quantos trabalhadores da Comlurb foram demitidos? Qual a justificativa da empresa?  Celio Viana - A justificativa da empresa é a de que os trabalhadores não acataram a [decisão] da Justiça no atendimento ao retorno [da greve], mas na verdade todos retornaram logo que foi feito o acordo no Ministério Público do Trabalho. A outra questão é a de que as pessoas [demitidas] participaram de piquetes. Em relação a outras, eles [Comlurb] alegaram faltas antigas. Outra questão é de que faltaram com respeito com o prefeito Eduardo Paes e com o presidente da Comlurb, [Carlos] Vinicius Roriz. Eles aplicaram Avaliação de Desempenho Individual, a ADI, que tem um caráter punitivo, para demitir os trabalhadores por justa causa. Nosso sindicato não nos passa os dados, e nem tampouco a Comlurb, mas segundo informações dos companheiros, são mais de 70 trabalhadores demitidos. Em 2014, foram mais de 200. Fórum - A maioria dos trabalhadores demitidos neste ano aderiu à última greve? Viana - Vários trabalhadores participaram do movimento de greve, que é justo e legítimo. Muitos destes fazem parte da CIPA [Comissão Interna de Prevenção de Acidentes da Comlurb], e foram demitidos mesmo assim. Essas pessoas têm estabilidade, mas a Comlurb não quis nem saber. Quer dizer, a Comlurb e a prefeitura agem de forma arbitrária para atingir o trabalhador, para que ele se sinta intimidado. Até porque sempre houve a questão do processo de retaliações, perseguições; é um regime escravocrata que intimida o trabalhador – ele trabalha oprimido. Um trabalhador que queira levantar a sua voz acaba sendo punido. No meu ponto de vista, todas essas demissões que ocorreram em 2014 e 2015 foram punitivas, a fim de intimidar o trabalhador para que ele não participe de outros movimentos, tendo em vista que em 2016 acontecerão as Olimpíadas e o dissídio salarial vai acontecer na mesma data do Carnaval. Além das demissões, a Comlurb ainda transferiu os trabalhadores para longe de seus locais de moradia a fim de que chegassem tarde aos seus locais de trabalho para poder demitir. Ocorreu isso comigo: eu trabalhava no Recreio [dos Bandeirantes, na zona oeste do Rio de Janeiro, perto de onde mora] e eles me transferiram para a Pavuna [na zona norte], um local totalmente distante onde eu jamais conseguiria chegar no horário. Eu consegui reverter isso na Justiça, que me reintegrou para a minha gerência de origem, mas acho que eles não aceitaram, ficaram chateados porque consegui a reintegração, e me puniram com a demissão sumária, por justa causa. Fórum - Em relação à sua demissão, qual foi a justificativa usada? Viana - Utilizaram a questão de que faltei com respeito com o prefeito Eduardo Paes, com o presidente Roriz; falaram que participei dos piquetes e incentivei a greve; faltas, essas questões. Tive faltas sim, por problemas particulares. A Comlurb tem assistentes sociais e psicólogos que nunca me chamaram para conversar, para saber o que estava acontecendo comigo, assim como ocorreu com outros trabalhadores. Fórum - Frente a esse quadro de demissões em massa, como estão se articulando para reverter o cenário? Viana - A gente está procurando se mobilizar, pedir apoio dos cidadãos, dos movimentos sociais, dos sindicatos não pelegos. Vamos fazer um ato pela readmissão dos trabalhadores na Escadaria da Alerj. Fórum - Recentemente, você disse que foi demitido porque “saiu da senzala”. Nesta entrevista, também mencionou que os garis trabalham em regime escravocrata. Pode explicar melhor, por favor, esse paralelo entre a escravidão e a atividade dos trabalhadores da Comlurb? Viana - Se você pegar o histórico da Comlurb, ela surge na época do Império. Obviamente que quem assumiu esse trabalho da limpeza urbana foram os escravos. No momento em que os escravos assumem esse papel, automaticamente tinham seus capatazes que tomavam conta – aí já começou a opressão. A gente carrega essa essência do medo, a categoria fica assustada com qualquer tipo de retaliação por parte da Comlurb, que vem se estendendo até agora. Em 2014 e 2015, conseguimos tirar os cadeados da senzala e partimos para respirar oxigênio e reivindicar melhorias nas condições de trabalho e nos salários. Fórum - Você foi o cabeça da chapa de oposição nas últimas eleições do sindicato sindicato, e, mesmo com a visibilidade que isso te trouxe dentro da categoria, foi demitido. Na sua opinião, o que simboliza essa situação? Viana - No sindicato, há uma direção que está ali há 30 anos. É um sindicato que não faz política voltada ao trabalhador, que procura fazer conchavo com a Comlurb e com a prefeitura, que não realiza eleições de forma democrática e transparente – porque não passa as informações corretas para que você possa concorrer. Acho que é impossível um trabalhador ganhar uma eleição, até porque o índice de rejeição por parte dos trabalhadores em relação ao sindicato é praticamente de 99,9%. Não tem representatividade. Fórum - Por que acha que as greves têm sido tão duramente reprimidas, a exemplo do que aconteceu no Paraná? Viana - Por causa de uma política econômica. Quando o PT assumiu o governo, as pessoas tinham esperança de uma mudança, de que o partido realmente fizesse uma política para os trabalhadores. Hoje o que temos é o contrário disso, uma política voltada para o capital. A gente percebe que empresas foram privatizadas – na questão da saúde, estão ocorrendo as OSs –, na questão da educação, não há a valorização dos professores; o transporte público está totalmente sucateiro. Ou seja, tudo está voltado aos interesses de empresários, e não dos trabalhadores. Nós não devemos pagar pelos erros que o governo vem cometendo. O arrocho salarial faz com que nós, trabalhadores, percamos nossa vida social. Fórum - Na sua avaliação, a união entre as diversas categorias que buscam por melhorias nas condições de trabalho fortaleceria a luta? Viana - Sem dúvida. Eu, particularmente, busco essa união. Procuro fazer alianças com os professores aqui no Rio de Janeiro, com o pessoal da saúde etc. Porque as velhas estruturas que aí estão não estão nos representando. Os sindicatos, na sua maioria, perderam sua característica em defesa do trabalhador. E você percebe que a maioria das greves surge das bases, e não dos sindicatos.