"Chegamos ao nosso limite", diz padre que acolhe haitianos no centro de São Paulo

Padre Paolo Parise negocia com a prefeitura e o governo do estado uma solução para o acolhimento dos migrantes vindos do Acre

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Padre Paolo Parise negocia com a prefeitura e o governo do estado uma solução para o acolhimento dos migrantes vindos do Acre Por Vinicius Gomes Na madrugada de domingo para segunda-feira (28), dois ônibus vindos do Acre chegaram trazendo imigrantes para São Paulo. Na semana passada, os números mostravam 400 pessoas nessa condição e há uma previsão de que mais 200 cheguem até o final da semana. A grande reclamação da prefeitura e da secretaria de Justiça de São Paulo foi a falta de comunicação das autoridades do estado. Em 2010, os haitianos começaram a entrar no Brasil pelas fronteiras no norte do país, principalmente pelo Acre. Em 2012, o governo estadual passou a abrigá-los em um alojamento na cidade de Brasileia, na fronteira com a Bolívia – quando o abrigo foi fechado, transferiu-se grande parte dos haitianos à capital, Rio Branco. A chegada de muitos deles a São Paulo se deu por conta disso. Sem contar que a situação na Brasileia se agravou com a cheia do rio Madeira, cortando a ligação terrestre do Acre com o resto do país. O governo do estado então organizou a retirada de parte dos haitianos, levados para Porto Velho, em Rondônia, por meio de aviões. De lá, ônibus foram contratados para levá-los a diversas regiões do Brasil. Histórico em São Paulo Desde 2012, o reduto dos haitianos em São Paulo se tornou a Baixada do Glicério, na região central da capital paulistana. Em sua maioria, ficaram alojados na Casa do Migrante, que conta com a coordenação da igreja Nossa Senhora da Paz, e, em 2013, segundo o diretor do Centro de Estudos Migratórios (CEM) da Missão Paz em São Paulo, padre Paolo Parise, acolheu cerca de 2,6 mil haitianos. “Nós já estamos acostumados a trabalhar com haitianos e outros imigrantes há décadas”, explica o Parise. “O que acontece é que temos um padrão mais organizado, mais estruturado, capaz de abrigar 110 pessoas por noite. A chegada nova do pessoal vindo do Acre ‘quebrou’ o que tinha sido estabelecido”, conta. A Casa hoje oferece acolhimento para imigrantes vindos da República Democrática do Congo, Costa do Marfim, Senegal, Egito, Palestina, Síria e Paquistão. De acordo com ele, na segunda semana de abril, a Secretaria de Justiça de Direitos Humanos do Acre, entrou em contato pedindo uma orientação e um auxílio a serem prestados no terminal rodoviário da Barra Funda - pois haviam sido enviados ônibus com haitianos a São Paulo – para que estes então seguissem viagem a outros lugares do país a partir do terminal rodoviário Tietê, particularmente, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Naquela ocasião, perguntei: é só orientação e tradução? No que foi respondido que sim, não precisava oferecer abrigo, nem nada”, conta o padre Parise. Mas enquanto alguns de fato seguiram viagem, outra parte foi parar na Rua do Glicério. “Aqueles que seguiram, a assistente social e tradutora ajudou, fizeram aquele serviço, mas muitos não tinham dinheiro para prosseguir. Não tinham dinheiro para a passagem, pois a única que foi paga a eles era até a Barra Funda, então eles vieram para cá”, completa. A princípio, os abrigos da prefeitura foram os escolhidos para acolher os primeiros haitianos que chegaram. “Os primeiros foram encaminhados ao Arsenal da Esperança, que é uma parceira colaborativa nossa, nós enviamos pessoas para lá, ou eles para cá, quando os números da instituição estão acima da capacidade. Levamos com nossos próprios carros, os deixamos lá e então, depois de uma hora, eles já estavam aqui, tendo voltado a pé. Disseram que não queriam ficar lá. Outros passaram uma noite e voltaram aqui sem mala, pois haviam sido roubados; um me falou que haviam vomitado em cima dele durante a noite. Sabemos que a situação lá atende outro tipo de público, que exige outro tipo de atenção”, explica Parise. Isso passa por uma discussão que a Missão Paz vem tentando tornar uma pauta em nível nacional, para que se mudem as regras na área da assistência social. “Não é uma questão de preferência, mas o imigrante precisa de um atendimento diferenciado de um morador de rua, do dependente químico – e as autoridades não querem entender isso, para eles, o imigrante não tem que ter um acolhimento especial”, conta o padre. Alguns deles começaram a se deitar no pátio da igreja, não dando opção aos assistentes sociais da casa que não fosse abrir as portas e disponibilizar as salas para que dormissem lá. O que havia começado com 20 pessoas, na noite de domingo (27) contava com 200. “Isso para nós foi o limite. Já entramos em contato com a Secretaria de Direitos Humanos, pedindo uma solução imediata. A resposta agora não precisa ser ‘pensada’, tem que ser posta em ação. Já tiveram tempo para pensar, porque ficaram sabendo disso antes da Páscoa”, diz o padre Parise. Todos aqueles que chegam, já passaram por um mutirão, contando com o protocolo, o CPF – tendo sido tirados no Acre -, mas há um muitos deles que ainda precisam da Carteira de Trabalho. Hoje, o prazo para a entrega está chegando a dois meses, sendo necessário que novos mutirões da parte do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) acelerem o processo para os haitianos. Na última sexta-feira (25), 85 pessoas receberam a carteira – com 160 haitianos ainda aguardando. O padre Paolo aponta que além dos haitianos que chegaram a São Paulo, existe outro fluxo que é o que está vindo com visto diretamente do Equador, assim como também da capital do Haiti, Porto Príncipe. O que não gera muita diferença no tratamento deles, uma vez que todos estarão na mesma situação de busca de trabalho e moradia. Na Casa do Migrante, não há limite de tempo para a estadia, mas a média é de quatro meses, sendo que quem arruma emprego logo sai, para a entrada de outros. Um problema gerado para a atenção especial aos haitianos que chegaram agora é a questão de prazos para refugiados de outras nacionalidades, que ainda terão de aguardar a data marcada, enquanto os haitianos têm celeridade no processo. Foi o caso de 14 pessoas que estavam no mesmo grupo mas eram da República Dominicana, e não foram inseridas no mesmo processo de atendimento emergencial. Oferta de emprego No ano de 2013, a Missão de Paz cadastrou 500 empresas – além de pessoas físicas – para a oferta de emprego a imigrantes e refugiados. Segundo o padre Parise, os mais procurados são para babá e caseiro. “Mas temos que fazer isso com calma, no domingo vieram diversos empresários procurar trabalhadores”, conta o padre, que inclusive recebeu um telefonema de uma pessoa dizendo que estava precisando de um caseiro, mas não queria registrar. “Isso não é colaboração, é exploração”, aponta. Os assistentes sociais da casa, inclusive, visitam as empresas depois, para verificar no local a situação como está. “É um compromisso moral nosso”, completa o padre Parise.