Cinema também é educação e formação: Na Real_Virtual (Parte 2)

“Quem diria que poderíamos estar usando termos típicos do sucesso de blockbusters hollywoodianos, como ‘sequência’ e ‘elenco estelar’, para designar a tamanha procura que nosso documentário brasileiro está recebendo”

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Há alguns meses, durante a cobertura exclusiva sobre uma participação sem precedentes do cinema brasileiro no 70º Festival de Berlim, propus o seguinte desafio nesta coluna: “O que o cinema brasileiro pode fazer por você hoje?” (leia aqui). Precisamos lembrar que nossa sétima arte, alcançando estes recordes e reconhecimento mundial, independentemente do descaso das políticas públicas atuais, faz parte de um panteão cultural que serve de base na educação e formação de todo um povo. Da mesma forma que possuímos fronteiras geográficas que nos servem como demarcação territorial, o patrimônio cultural também é marcador crucial e identitário de uma Nação.

Muitos avanços puderam ser vistos nos últimos anos, como relativos às questões sociais e à descentralização de um monopólio cultural sudestino... Tudo fruto de políticas públicas obrigatórias previstas na Constituição Federal para com seus cidadãos. Há de exemplo novos paradigmas recentes já citados nesta coluna anteriormente, podendo relembrar desde o filme contemplado com o primeiro edital do Maranhão de investimento regional, “Terminal Praia Grande”, longa-metragem de ficção da diretora Mavi Simões (multipremiado no 10º Cinefantasy – IFFF); ao primeiro longa alagoano com incentivo público, “Cavalo” de Rafhael Barbosa e Werner Salles, belíssimo poema construído a partir da valorização da religião e cultura afro-brasileira (recém ganhador de melhor documentário no CIndie Festival – leia mais aqui).

No entanto, como o grande público pode ficar sabendo mais sobre esses grandes avanços e representatividades afora de suas circunscrições regionais, dentro e fora da tela? Pois, como dito acima, cinema não apenas é educação, como também é formação. E a vanguarda do documentário brasileiro contemporâneo, só para citar um dos nossos muitos nichos notabilizados aqui e lá fora, foi recentemente foco de um Seminário histórico online, aberto ao público em geral, que agora está prestes a ganhar uma sequência com mais um elenco estelar de especialistas convidados: Na Real_Virtual Parte 2.

Quem diria que poderíamos estar usando termos típicos do sucesso de blockbusters hollywoodianos, como “sequência” e “elenco estelar”, para designar a tamanha procura que nosso documentário brasileiro está recebendo, seja por parte de profissionais do meio ou do público leigo interessado em ampliar o diálogo. Em sua primeira edição, os organizadores Carlos Alberto Mattos (crítico e pesquisador) e Bebeto Abrantes (documentarista e professor na Academia Internacional de Cinema - AIC) reuniram para debater alguns dos maiores e mais premiados cineastas sobre o tema, numa realização da Associação Imaginário Digital e com produção de Marcio Blanco.

Só para ilustrar, tivemos a indicada ao Oscar neste ano, na categoria documentário, Petra Costa (“Democracia em Vertigem” de 2019); o duplamente premiado num dos maiores Festivais de Documentário do mundo, Cinéma du Réel, João Moreira Salles (“No Intenso Agora” de 2017); o maior diretor de fotografia em atividade do Brasil e também documentarista Walter Carvalho (“Um Filme de Cinema” de 2017); o mestre mineiro dos dispositivos documentais Cao Guimarães (“A Alma do Osso”, 2004); os representantes da Primavera Pernambucana Gabriel Mascaro (“Boi Neon” de 2015) e Marcelo Gomes (“Viajo porque preciso, volto porque te amo” de 2009, dirigido em conjunto com o representante do cinema cearense Karim Aïnouz, que fez participação especial no Seminário); e a diretora de um dos documentários brasileiros mais premiados internacionalmente na contemporaneidade Maria Augusta Ramos de “O Processo” de 2018 (parafraseando a obra homônima de Franz Kafka para analisar esteticamente a distopia do absurdo que vivemos atualmente).

E, nas palavras dos próprios, podemos citar: “Tomara que o segundo Na Real aconteça logo (...) A sua turma não está na sua cidade necessariamente, a sua turma está no mundo. E o virtual ajuda você a encontrar sua turma”, João Moreira Salles, cineasta. “Na Real é um time incrível de diretores. Gostei de ver as perguntas do público, bem interessantes. Plateia afetiva”, Petra Costa, cineasta. “Acho que o Seminário reforça mais uma vez o momento exuberante e sólido do documentário brasileiro. E me parece muito importante evidenciar isso hoje, quando o audiovisual no Brasil é atacado de forma dura e sistemática”, Maria Augusta Ramos, cineasta. 

Agora, como pontapé da segunda edição do Na Real_Virtual, que possui tudo para se fortalecer como o evento do ano, uma grande homenagem ao nosso saudoso mestre Eduardo Coutinho. Os organizadores reuniram alguns de seus mais recorrentes colaboradores numa sessão inaugural do Seminário no dia 4 de novembro: Beth Formaggini, Carlos Nader, Consuelo Lins, Cristiana Grumbach, Jacques Cheuiche, João Moreira Salles, Laura Liuzzi e Valéria Ferro. Vale lembrar que o próprio organizador Carlos Alberto Mattos é também o autor do livro “Sete Faces de Eduardo Coutinho” e curador da Ocupação Eduardo Coutinho – a qual, após uma disputada temporada no Itaú Cultural em São Paulo, provisoriamente suspensa devido à pandemia, regressará ora no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro a partir do dia 10 de outubro, com todos os protocolos de segurança (leia mais aqui).

Só para citar o segundo timaço de estrelas, o Seminário ora abraça ainda mais fortemente questões afirmativas e o extracampo social que tanto alimentam as inovações do documentário brasileiro perante o cinema mundial. Logo de plano, teremos em 6/11 os parceiros profissionais Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo, dois nomes por trás do filme eleito pela Abraccine como melhor curta-metragem da história de nosso cinema, “Ilha das Flores” de 1989, que falarão sobre os recursos ficcionais num roteiro documental e vice-versa. Em seguida, diante do descaso criminoso e mal intencionado do poder público relativo ao incêndio no Pantanal e Amazônia, além da disseminação da pandemia em território dos povos originários, o foco de 9/11 será a formação de cineastas indígenas, como pela ONG Vídeo nas Aldeias, tendo como convidados para debater o tema os cineastas Alberto Alvares Guarani e Vincent Carelli – além de estender o assunto também em 13/11 na filmografia de Eryk Rocha (“Pachamama” de 2008), filho do saudoso ícone Glauber Rocha e também pesquisador do Cinema Novo brasileiro.

Por falar numa forte analogia do presente com os tempos áureos do cinema brasileiro, que chegou a enfrentar a censura, perseguições e até prisão política no período da Ditadura Militar, no dia 11/11 haverá a junção dos cineastas engajados desde aquela época até hoje, Lúcia Murat (“Uma Longa Viagem” de 2011) e Silvio Da-Rin (“Missão 115” de 2018). Sem falar que, no dia 23/11, debateremos a censura atualíssima, como com os documentaristas Kiko Goifman e Claudia Priscilla, já entrevistados por esta coluna (leia aqui), e que poderão abordar algumas razões do porquê a vanguarda da estética LGBTQIA+ e os direitos afirmativos serem tão perseguidos, a ponto de seu filme “Bixa Travesty” de 2018 ter sido atacado gratuitamente pelo presidente da Petrobras há duas semanas.

A representatividade no cinema também será tema dos dias 16 e 18/11, com o maior cineasta em atividade do Cinema Negro Brasileiro, o aclamado Joel Zito Araújo (“A Negação do Brasil” de 2000, que fala sobre o racismo no audiovisual); e com uma das mais prolíficas diretoras feministas da atualidade, Susanna Lira (“Torre das Donzelas” de 2018, sobre a prisão política de mulheres como Dilma Rousseff na Ditadura). Além do cinema etnográfico e os estudos de personagens especiais com Roberto Berliner em 20/11 (“A Pessoa é para o que Nasce” de 2003).

Outros temas contemplados perpassarão, por exemplo, a distopia documental com toques de ficção-científica da realidade, através do cinema de invenção e periférico de Adirley Queirós (“Branco Sai, Preto Fica” de 2014), que já foi convidado para palestrar em Harvard e no Lincoln Center em Manhattan. Outrossim, a infância e a juventude serão temas em 27/11 com Sandra Werneck (“Meninas” de 2005); e o hibridismo do documentário com teatro estará representado em 30/11 por Evaldo Mocarzel (“A Última palavra é a Penúltima” de 2012). Por fim, mas não menos importante, a segunda edição do Seminário Na Real_Virtual irá encerrar com um presentão no dia 02 do mês de Natal, neste ano de difícil superação, debatendo com a presença do consagrado diretor de carreira internacional Walter Salles (“Vozes de Paracatu e Bento”).

As inscrições serão abertas para o público em geral a partir desta segunda-feira, dia 5 de outubro, por meio do link a seguir que a Revista Fórum recebeu em primeira mão com exclusividade (lembrando que só estará ativo a partir desta segunda-feira, 5):

https://imaginariodigital.org.br/real-virtual/parte-2

Como disse o organizador Carlos Alberto Mattos sobre a importância de um Seminário como este no corrente momento que todos estamos passando: “O documentário tem sido uma trincheira de resistência estética e política na cultura brasileira. Na mesma medida em que a linguagem se renovou, também os conteúdos se repolitizaram nos últimos anos. Agora mesmo, durante a pandemia, é no depoimento documental que a maioria de nós está se manifestando e fazendo nossas micropolíticas da vida, do cotidiano e da indignação com os rumos do país”.

Segue programação resumida:

4/11 - Sessão extra de abertura – Eduardo Coutinho Presente!

Exclusiva para os inscritos no pacote A (completo)

Beth Formaggini, Carlos Nader, Consuelo Lins, Cristiana Grumbach, Jacques Cheuiche, João Moreira Salles, Laura Liuzzi, Valéria Ferro

Eduardo Coutinho, 7 de Outubro

6/11 - O que pode um documentário?

Jorge Furtado + Ana Luiza Azevedo

Esta Não é a sua Vida + Quem é Primavera das Neves

9/11 - Em busca do olhar indígena

Vincent Carelli e Alberto Álvares Guarani

Martírio + Guardiões da Memória

11/11 - Memórias de chumbo

Lúcia Murat e Silvio Da-Rin

Uma Longa Viagem + Missão 115

13/11 - Imagens de Nossa América

Eryk Rocha

Pachamama + Igor, episódio de El Aula Vacía

16/11 - Cinema na raça

Joel Zito Araújo

A Negação do Brasil

18/11 - Mulheres em luta

Susanna Lira

Torre das Donzelas

20/11 - Personagens especiais

Roberto Berliner

A Pessoa é para o que Nasce

23/11 - Documentário de gênero

Kiko Goifman e Claudia Priscilla

33 + Bixa Travesty

25/11 - Brasília, uma distopia

Adirley Queirós

Branco Sai, Preto Fica

27/11 – Infâncias sob risco

Sandra Werneck

A Guerra dos Meninos + Meninas

30/11 - Por dentro e por trás do teatro

Evaldo Mocarzel

A Última Palavra é a Penúltima

2/12 - Viagens do documentário para a ficção

Walter Salles

Socorro Nobre + Vozes de Paracatu e Bento + Quando a Terra Treme

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum