Com condições precárias, CDPs comportam apenas metade dos presos provisórios de SP

Diretores dos presídios seguram detentos em Centros de Detenção Provisória para evitar superlotação em cadeias, diz a defensora pública Juliana Belloque. Segundo ela, órgão prepara a primeira avaliação detalhada da situação de todas as unidades do estado.

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Diretores dos presídios seguram detentos em Centros de Detenção Provisória para evitar superlotação em cadeias, diz a defensora pública Juliana Belloque. Segundo ela, órgão prepara a primeira avaliação detalhada da situação de todas as unidades do estado Por Júlia Barbon Presos em estado precário de saúde, celas escuras e sem ventilação, racionamento de água, relato de agressões de agentes penitenciários e escassez de vestuário, colchões e produtos de higiene. Essas foram algumas das razões elencadas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo para determinar que o Centro de Detenção Provisória (CDP) de São José dos Campos interditasse algumas de suas celas disciplinares, as famosas “celas do castigo”, no dia 13 de maio. A unidade teve que fechar também as chamadas celas de seguro, onde detentos permaneciam ininterruptamente por mais de um ano – exceto quando saíam, uma vez por semana, para tomar uma hora e meia de sol. Além desses, um dos itens da lista da Defensoria que também chama a atenção é a “presença de presos já condenados aguardando transferência para o regime adequado”. Na prática, isso quer dizer que a administração penitenciária está misturando presos provisórios com presos definitivos, uma das causas da superpopulação dos CDPs, que deveriam receber apenas aqueles que ainda aguardam julgamento. Para Juliana Belloque, do Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Pública, essa irregularidade tem uma razão bem definida. “Os CDPs estão mais superlotados do que os presídios porque existe uma escolha política da administração penitenciária de não superlotar as cadeias”, diz. “Eles fazem um filtro, porque o PCC atua de uma maneira mais forte nessas penitenciárias do que nos CDPs”. Seria, assim, uma forma de evitar o que ela chama de “caldeirões” ou “centros de tensão”. Em setembro de 2014, São Paulo tinha apenas metade das vagas necessárias para atender a demanda de prisões provisórias do estado: eram 72 mil encarcerados para menos de 35 mil vagas disponíveis. Os dados são da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SAP) e foram obtidos pela reportagem por meio da Lei de Acesso à Informação. A falta de um prazo para que os detentos deixem os CDPs também contribui para essa superlotação. Não é possível estipular uma média segura de quanto tempo um preso provisório passa esperando julgamento, de acordo com as Coordenadorias de Unidades Prisionais da SAP, porque o dado depende dos “trâmites processuais de cada Vara Criminal” e das “peculiaridades inerentes à natureza do delito praticado, os quais, dependendo da complexidade da instrução processual, podem demandar maior tempo”. Presunção de inocência Em tese, a prisão provisória só é aplicada quando há indícios de que o suspeito continua praticando crimes ou está atrapalhando o andamento do processo e quando há possibilidade de fuga. Os presos provisórios, no entanto, correspondem a cerca de 33% da população carcerária de São Paulo, ainda de acordo com a SAP. Isso acontece porque, na prática, ela é usada como forma precoce de punição, segundo alguns especialistas que defendem o princípio do Direito chamado presunção de inocência – pelo qual uma pessoa é sempre considerada inocente, até que se prove sua culpa. "A presunção de inocência hoje é um princípio totalmente rasgado, no Brasil e em outros países. Foi substituído pela presunção de culpa, e o resultado disso é a prisão preventiva", diz Antônio Claudio Mariz, que foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e secretário de Justiça e Segurança Pública de São Paulo. O advogado criminalista Alberto Toron concorda: "A ideia geral que se tem da prisão preventiva é que ela deve ser uma prisão castigo". Para a defensora Juliana Belloque, mesmo que se prove a culpa, prisão não resolve: “O norte no Brasil tem sido o encarceramento, e não estabelecer penas menos estigmatizantes. Reintegração social também é uma bobagem que a gente ouve muito. Só os acadêmicos que talvez nunca tenham entrado em um presídio falam isso. O que a gente quer é menos punição”. Fiscalização Mais casos como o do CDP de São José dos Campos, citado no início, poderão vir à tona em breve. Há seis meses, a Defensoria Pública de São Paulo está visitando e analisando as condições de todas as 41 unidades do tipo existentes no estado. O poder judiciário faz inspeções esporádicas nos presídios, mas é a primeira vez que um documento desta amplitude será produzido. “Se você for procurar, não vai achar um documento público que diga como é cada um dos presídios do país por dentro”, diz Belloque, que é membro do núcleo responsável pelo projeto. “Estamos registrando quantas celas tem, quantos presos tem por cela, se tem água ou não, como é a comida, como é a disciplina, quantas vezes entra o grupo tático para bater em todo mundo. E tiramos foto de tudo”, relata. Os defensores chegam de surpresa e aplicam questionários a diretores, funcionários e detentos dos CDPs, além de avaliar as instalações de cada unidade. “Quando a gente chega, o diretor demora 20 minutos para nos receber na sala dele, porque está ligando para todas as coordenadorias para falar: tem uns caras aqui, o que eu faço com eles?”, conta. “Como hoje o governo do estado reconhece que a Defensoria tem esse poder, eles têm que nos deixar entrar. É uma relação tensa, mas já está melhor”. As visitas serão concluídas até a metade do ano, depois será produzido um relatório detalhado com as avaliações. “Neste primeiro momento, decidimos analisar primeiro os CDPs, justamente porque são os estabelecimentos que estão mais superlotados. Depois, partiremos para os presídios”, diz. Foto de capa: MPPE MA/Divulgação