Confira entrevista de Augusto Boal à Fórum

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Aos 78 anos, Augusto Boal, que chegou a cursar Química na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), faleceu ontem por insuficiência respiratória. Boal havia sido internado dia 28 de abril e lutava contra uma leucemia há anos. Na década de 1960 evidenciou-se por sua produção teatral de contestação à ditadura no Teatro de Arena de São Paulo e principalmente com sua criação do Teatro do Oprimido, técnica que ficou conhecida mundialmente.

Boal defendia que o teatro fosse uma forma de tornar conscientes os espetáculos da vida diária em que a ação dramática estivesse aliada à produção social. Para o teatrólogo, o indivíduo que vai assistir uma peça, por compartilhar do drama representado, deve ser um “espect-ator”, tendo a possibilidade de interferir no espetáculo. Em seu último discurso, realizado em homenagem ao dia do teatro, 27 de março, Boal sentenciou: "Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!".

Uma de suas últimas entrevistas à imprensa foi concedida à Revista Fórum, concedida em fevereiro de 2008. Confira a entrevista logo abaixo.

Fórum – Como foi ter sido indicado para a disputa do Prêmio Nobel da Paz?
Augusto Boal –
Nunca um brasileiro ganhou um Nobel, então não tenho a menor expectativa de ser o primeiro. De qualquer maneira, coisas interessantes têm acontecido nesses dias e isso tem sido bom. Por exemplo, em Angola, onde a gente tem um trabalho com um grupo de Teatro do Oprimido, ele não podia ser chamado assim, porque diziam que o país havia lutado 30 anos contra a opressão e que agora não havia mais opressão. Lá se chamava Teatro Fórum. Mas agora, com essa história do Nobel, nosso trabalho passou a ser mais badalado e já pode ser “do Oprimido”.
A mesma coisa aconteceu na Suécia, eles tinham um grupo que se chamava Federação Sueca de Teatro Fórum e agora mudaram para Federação Sueca de Teatro do Oprimido (risos). O que essa nossa indicação acabou revelando é que o Teatro do Oprimido é hoje um movimento mundial. Ela está em uns 70 países, só no nosso website estão cadastrados mais de 50 e em cinco continentes, mas a gente sabe de outros lugares onde já há grupos que não foram oficializados.

Fórum – Como nasceu e se internacionalizou o Teatro do Oprimido? Isso tem a ver com o fato de o senhor ter ido para o exílio?
Boal –
A primeira forma do Teatro do Oprimido começou em São Paulo, no Teatro Arena. Estava o Celso Frateschi, que hoje é o presidente da Funarte [Fundação Nacional de Artes], a Dulce Muniz, a Ideli Del Velchio.... Eram sete ou oito alunos em um curso de interpretação, onde participavam a Cecília, minha mulher, e a Ideli Guariba, que depois foi morta pela ditadura. Quando acabou o curso, em 1970, os alunos sugeriram continuar, e então propus que fizéssemos uma coisa chamada de Teatro Jornal, porque a gente era muito perseguido pela polícia etc.
A nossa idéia era ensinar as pessoas a fazer teatro para que elas mesmas divulgassem as idéias que queriam transmitir. Chegamos a levar esse trabalho do Teatro Jornal para a França, para um festival de teatro experimental. Mas em 1971 fui preso e aí fui para a Argentina.
Fora do Brasil começaram a aparecer as formas novas a partir das novas realidades. O Teatro Invisível surgiu porque eu não queria ser preso e tinha que me esconder em cena. E com o Teatro Invisível isso é possível. O Teatro Imagem surgiu por conta de a gente ter que travar um diálogo com os indígenas que falavam espanhol e eu não conseguia me comunicar bem com eles, então aprimoramos a técnica de trabalhar o teatro a partir de imagens, mais do que palavras. Trabalhava com o Teatro Imagem no México, na Colômbia, na Venezuela, no Peru. E depois, quando toda a América Latina, ou quase toda, passou a ter governos ditatoriais, fui para Portugal e de lá comecei a trabalhar mais na Europa, Estados Unidos e Canadá. Então ia para os lugares por conta das ditaduras e disseminava o Teatro do Oprimido aqui e ali. Hoje a gente calcula que haja mais de 300 grupos no mundo inteiro, bem mais, muito mais. É assim, a ditadura fez um mal enorme ao Brasil, mas a gente também respondeu. A gente, digo, muita gente, tanto no Brasil como lá fora.

Confira a íntegra aqui.