Demarcação das terras indígenas e a autonomia das mulheres

Como recomendar a uma mulher indígena, por exemplo, que ela lute na sociedade “branca” por um emprego, por um cargo de gerência?

Não é à toa que as mulheres indígenas estão ocupando cada vez mais espaço nas lutas pelo acesso à terra, liderando ocupações e movimentos de resistência (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)
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Como recomendar a uma mulher indígena, por exemplo, que ela lute na sociedade “branca” por um emprego, por um cargo de gerência? Por Amanda Vieira, no FemMaterna [caption id="attachment_32246" align="alignleft" width="300"] Não é à toa que as mulheres indígenas estão ocupando cada vez mais espaço nas lutas pelo acesso à terra, liderando ocupações e movimentos de resistência (Foto: Marcello Casal Jr./ABr)[/caption] Nos debates feministas tradicionais é muito comum defender autonomia das mulheres por meio do trabalho remunerado, emprego formal ou atividades que geram algum tipo de renda. Isso ocorre porque na nossa sociedade a liberdade da mulher está muito ligada à capacidade que ela tem de se sustentar financeiramente. Mas quando o assunto é mulher indígena, o debate não pode se restringir a isso e precisa considerar a cultura dos povos indígenas e, com ela, a necessidade de se demarcar as terras indígenas. Como recomendar a uma mulher indígena, por exemplo, que ela lute na sociedade “branca” por um emprego, por um cargo de gerência? Devemos exigir delas uma autonomia financeira ligada a um modo de vida que está, muitas vezes, em conflito com os interesses da comunidade a qual ela pertence? O Inesc publicou o livro “Mulheres indígenas, direitos e políticas públicas”, que relata um pouco de como é a organização das mulheres indígenas no Brasil e de como as respostas para certas questões feministas são complexas.. A publicação cita Rita Laura Segato, que observou: “Depois de iniciado o período de contato intenso com a sociedade nacional, a mulher indígena padece todos os problemas e desvantagens da mulher brasileira, mais um: o mandato inapelável e inegociável de lealdade ao povo a que pertence, pelo caráter vulnerável desse povo. Se elas reclamam seus direitos baseados na ordem individualista, elas parecem ameaçar a permanência dos direitos coletivos nos quais se assenta o direito comunitário à terra e à divisão do trabalho tradicional na unidade doméstica como base da sobrevivência. Isso torna frágil a sua vontade e legitimidade na reclamação de direitos individuais, que são, por definição e natureza, “universais”, e cujos pleitos dirigem-se aos foros de direito estatal e de direito internacional, ultrapassando a jurisprudência tradicional do grupo étnico.” Nesse contexto, a demarcação de terras indígenas surge como uma questão central para o modo de vida das mulheres indígenas. Como explica Mayara Melo: “Quando os indígenas perdem acesso aos recursos ambientais que garantem sua segurança e soberania alimentar, são as mulheres as mais penalizadas, pois geralmente são elas as responsáveis por cuidar da alimentação. Essa é uma característica comum a muitas comunidades tradicionais”. Não é à toa que as mulheres indígenas estão ocupando cada vez mais espaço nas lutas pelo acesso à terra, liderando ocupações e movimentos de resistência. Segundo Mayara, “Elas também são as maiores vítimas nos conflitos e massacres sofridos pelos povos indígenas, pois muitas vezes os agressores usam o estupro como arma de “desmoralização” desses povos. Além disso, também sofrem com a perda dos filhos e maridos perseguidos por posseiros”. Em 2008, a advogada Joênia Batista de Carvalho, wapixana de Roraima, se destacou no noticiário por defender, no Supremo Tribunal Federal, a demarcação contínua das terras Raposa Serra do Sol. Recentemente Joênia concedeu uma entrevista relatando que ainda há um longo caminho para que o direito indígena seja garantido. Segundo ela, “a justiça tem se guiado por uma noção ocidental. A visão da cultura indígena sobre a posse da terra, por exemplo, não tem sido considerada”. Por valorizar a luta das mulheres indígenas, de seus filhos, parentes e de sua cultura, nós, do Femmaterna, apoiamos a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que está promovendo a semana de Mobilização Nacional Indígena, em defesa da Constituição de 1988. O objetivo é combater retrocessos como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, apresentada em 2000, que pretende mudar o texto constitucional para transferir ao Legislativo a palavra final sobre demarcações de terras indígenas e quilombolas no país. Atualmente, a demarcação dos territórios tradicionais é uma atribuição exclusiva do governo federal, por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ministério da Justiça e da Presidência da República. Mas não é apenas contra a PEC 215 que protestam os índios brasileiros: eles também querem o arquivamento da PEC 237, de 2013, que pretende criar um novo artigo na Constituição que permita “a pesquisa, o cultivo e a produção agropecuária nas terras habitadas permanentemente e tradicionalmente ocupadas pelos índios”. A mobilização vai até o dia 5 de outubro, acompanhe as notícias pelo site:http://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/