Duros em Paraty

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Depois que eu terminei o segundo ano de Geografia, o Osvaldinho entrou na faculdade, passando a fazer parte da nossa turma anarco-qualquer-coisa. No ano seguinte, no Carnaval, participou de um acampamento com a gente em Parati, naquele tempo que nem tinha a rodovia Rio?Santos.

Por Por Mouzar Benedito   Depois que eu terminei o segundo ano de Geografia, o Osvaldinho entrou na faculdade, passando a fazer parte da nossa turma anarco-qualquer-coisa. No ano seguinte, no Carnaval, participou de um acampamento com a gente em Parati, naquele tempo que nem tinha a rodovia Rio–Santos. Tivemos que descer num ônibus fretado o caminho de Cunha a Parati. Era caminho mesmo, e não uma estrada. Criado por contrabandistas do ouro que saía de Minas para a Europa por Parati, acabou sendo durante muito tempo a única via para se chegar àquela cidade por terra. Juntamos uma turma e formamos com os pescadores um bloco carnavalesco bem mambembe. Entornamos toda a cachaça possível e, logicamente, bagunçamos muito de madrugada. Acabamos uns seis ou sete estudantes expulsos do camping. Todos duros. Alguns de nós havíamos bebido todo o dinheiro que levamos. Dormir não era problema, a praia era macia. Choveu uma noite e fomos dormir debaixo do ônibus, sob as reclamações do Ricardinho sobre o fedor da cidade. Não percebia que estava debaixo da privada do ônibus, em que dormiam algumas meninas. Nós não contávamos pra ele. Torcíamos para uma delas usar o banheiro do ônibus. De manhã, ainda havia umas bolachas pra comer. Descobrimos uma pensão que servia comida por cinco cruzeiros e achamos uma solução para almoçar. O Osvaldinho e eu, que estávamos totalmente duros, combinamos com a dona para cobrar seis das pessoas que levássemos e, para cada cinco pessoas levadas por nós ganhávamos uma refeição. Funcionou um dia, mas era difícil arrumar dez pessoas. No dia seguinte, acordamos varados de fome. Fomos para um bar tipo barraca, que havia no meio da praia, e logo cedo ele estava cheio de gente batucando e bebendo. A cachaça, em garrafas, passava de mão em mão. Comida que é bom, necas! Ficamos do lado de fora com os batuqueiros, bebendo e procurando arrumar um jeito de comer, enquanto só nos ofereciam cachaça e cerveja, que aceitávamos. Lá pelas dez da manhã, de repente, uma briga dentro do bar. Um bando de gente dava porradas pra todo lado. Quando a mulher do dono do bar viu seu filho no meio da briga, apanhando, desmaiou. O marido e três amigos saíram carregando a velha, e o Osvaldinho pulou na frente deles: – Estou no quarto ano de Medicina. Vamos levá-la até sua casa que eu vejo o que é... Acompanhamos a turma, a mulher foi colocada numa cama acordou com o bafo de cachaça do Osvaldinho na cara, quando ele examinava seu pulso e falava alguns termos médicos. – Faz um café bem forte – ordenou ele ao dono do bar, que o obedecia em tudo. – Eu não quero café, não, doutor – disse a mulher. – Mas eu quero – resmungou ele. Logo chegou o homem com o café. Tomamos um pouco, o Osvaldinho ordenou repouso e mais alguns cuidados, disse que estava tudo bem – felizmente estava mesmo, pois fiquei com medo da mulher ter um piripaque pra valer e a gente se estropiar. Enquanto ele falava, chegou uma empregada com um prato de peixe frito, que comemos fingindo que não estávamos tão ávidos por comida. Depois disso, cada vez que baixava a fome, o Osvaldinho se aprumava o máximo que podia e falava com o dono do bar: – Como está a paciente? – Vamos lá pro senhor ver, doutor. E “pagava” a consulta com um prato de peixes. F