Egito, Síria e Líbia: para que eleições?

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Quatro anos depois, os três países mostram como a Primavera Árabe foi um fracasso histórico

Por Luis Matias López, reproduzido por Carta Maior O roteiro da chamada Primavera Árabe exigia que, ao fim do percurso, uma vez eliminados os ditadores, novos regimes democráticos fossem consolidados através de eleições livres e multipartidárias. No entanto, a primavera que se tornou inverno - com talvez uma única exceção, a Tunísia - não foi mais do que um fracasso histórico. A pergunta que devemos fazer é a seguinte: Egito, Síria e Líbia são hoje países mais livres, prósperos e justos do que há quatro anos, antes da tormenta? E, nos três casos, a resposta é: não. No Egito, as recentes eleições, que colocaram no poder um general golpista, mandaram o processo de volta a seu ponto de partida, ao controle quase absoluto - similar ao da era de Mubarak - por parte de uma corrupta oligarquia militar e econômica. Pior ainda, porque, neste caminho de ida e volta, foram abertas feridas que custarão décadas para se fecharem: burlaram os resultados de uma eleição livre, tornaram ilegal e reprimiram o partido que as ganhou limpamente e marginalizaram as milhões de pessoas que lutaram nas ruas para forçar uma mudança de regime que seria o caminho para uma sociedade mais justa e moderna. Uma oportunidade única foi desperdiçada, implantaram o desalento e o conformismo, debilitaram a oposição laica e reprimiram a islâmica com brutalidade. O país do Nilo, guia tradicional do mundo árabe, volta à pobreza, à desigualdade, à corrupção, a uma ditadura disfarçada e à dependência dos interesses estratégicos dos Estados Unidos e Israel. Gostassem ou não do modelo que a Irmandade Muçulmana pretendia implantar, a derrubada do presidente Mursi - que também foi vítima de sua própria torpeza - suprimiu toda esperança de que a democracia tivesse ainda uma oportunidade a médio prazo. Não obstante, a baixa participação nas eleições indica que não podemos confundir submissão com aprovação. Tampouco na Síria, outro país árabe chave, é possível qualificar as recentes eleições como um exercício de democracia. Al-Assad, como antes seu pai, só recorre às urnas quando está seguro de que vai ganhar e sem dar nenhuma opção a eventuais adversários. E no cume do cinismo, permitiu que nesta ocasião se apresentassem - como no Egito - outros candidatos, para dar um toque de pluralismo à farsa: sua previsível e indubitável vitória. Com o país em pedaços, com cerca de 10 milhões de refugiados internos e externos, em plena guerra civil, que já custou mais de 160 mil vidas, votar em liberdade é uma quimera. Assad é um ditador que não vacila em reprimir seu próprio povo, que não se detém ao pensar nas vítimas civis quando converte cidades inteiras em escombros. No princípio, quando parecia possível derrubá-lo sem um banho de sangue, essa perspectiva se contemplou com a mesma esperança que suscitou a revolução de Tahrir contra Mubarak. Mas foi tudo uma miragem. Logo quando ficou evidente que o regime não cairia sem luta, a revolta civil degenerou em insurreição armada e em guerra, tão mortífera quanto as do Iraque e do Afeganistão. Os EUA e seus aliados contemplaram a possibilidade de aplicar na Síria o mesmo roteiro que derrubou Gadafi. Estiveram a ponto de tomar essa decisão quando foi denunciado o uso de armas químicas por Assad. Mas Obama, com uma prudência louvável, se conteve para evitar um choque com a Rússia e evitar cair na mesma armadilha que Bush, ou então porque seu modelo bélico, cada vez mais pautado nos drones, abomina as custosas operações militares convencionais, mesmo com a liderança exercida na operação da Líbia. Não se caminhou na direção de uma intervenção na Síria porque se chegou a um ponto no qual parecia claro que o remédio havia sido pior que a doença. Permitir que o presidente sírio seguisse no poder era preferível à tomada por uma oposição fragmentada sustentada por grupos radicais islâmicos simpatizantes da Al-Qaeda, o grande satã para os EUA, o inimigo no qual se encarna a guerra contra o terrorismo lançada no 11 de setembro de 2001. Entres os dois males, Obama aposta no menor: que se mantenha o status quo que hoje beneficia Assad, que recuperou boa parte dos territórios perdidos e está mais forte do que nos últimos três anos. É preferível - se pensamos em Washington e Jerusalém - que os jihadistas estejam ocupados na Síria a que fiquem com as mãos livres e com meios renovados para continuar sua guerra santa contra o império dos ímpios e contra seu aliado estratégico na região, Israel. Este é o contexto das recentes eleições no Egito e Síria. Eleições inúteis nas quais não houve possibilidade real de optar entre opções diferentes, que só servem para dar um certo lustro de legitimidade a regimes ditatoriais. Ainda que com algumas diferenças, o panorama não é nada esperançoso quanto às eleições do próximo dia 25 na Líbia, onde a derrubada de outro ditador com a ajuda militar decisiva do Ocidente tampouco trouxe paz ou democracia. Trata-se de um cenário da guerra e colapso econômico que agrava a dificuldade de normalizar a exportação de petróleo. Se olhamos para trás, até o discurso de Obama no Cairo em 2009, que alentou a Primavera Árabe, só cabe deduzir que o ambicioso projeto ali esboçado se degenerou em um fracasso histórico, que se completa com o beco sem saída que é o conflito entre Palestina e Israel, mais encrustado do que nunca. Já passou o tempo que o presidente norte-americano distribuía esperança entre os mais crédulos de uma maneira menos indecente do que conservar a hegemonia mundial dos EUA, inclusive exercendo uma certa liderança moral. Obama terminou sendo um presidente como qualquer outro, não muito diferente de Bush, incapaz inclusive de gerir com transparência as heranças sumamente custosas que este lhe deixou: o Iraque e o Afeganistão. Que ele esqueça de fazer história por algo a mais que sua cor. Seu único consolo é que, lá onde Bush matava moscas com balas de canhão a preços astronômicos e de milhares de baixas, ele, como se fosse mais um administrador do que um líder, reduziu drasticamente os custos econômicos e o número de baixas. Ainda que isso se deva menos a mérito próprio do que aos engenheiros que aperfeiçoaram os aviões não-tripulados até generalizarem seu uso e convertê-los em instrumentos assassinos capazes de servir ao mesmo desígnio imperialista que antes se defendia com tropas de combate e uma gigantesca maquinaria bélica convencional. (Crédito da foto da capa: Wikimedia Commons)