Eleições europeias: o que pensam os candidatos

Conheça quem concorre à presidência da Comissão Europeia, o cargo poderoso do bloco, e veja o que eles dizem sobre Ucrânia, imigrantes, laicidade, democracia e corrupção

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Conheça quem concorre à presidência da Comissão Europeia, o cargo poderoso do bloco, e veja o que eles dizem sobre Ucrânia, imigrantes, laicidade, democracia e corrupção

Por Magdalena Schrott (*) e Vinicius Sartorato(**), Fórum Digital Semanal

Entre 22 e 25 de maio, acontecem as eleições europeias para o Parlamento. Trata-se da segunda maior eleição democrática do mundo, sobre a qual valem a pena algumas reflexões: quais são as raízes da União Européia, como funciona o processo eleitoral, quem são os atuais candidatos dos partidos europeus, quais temas políticos são relevantes e quais o resultados podem ser esperados?

Notas básicas sobre o Sistema da União Europeia

O conceito básico da comunidade de Estados europeus tem uma longa história e foi expresso em diferentes formas de ações políticas. Desde a Primeira Guerra Mundial, houve a defesa de uma verdadeira união dos Estados europeus. Essa ideia estava mais concentrada na paz ou em valores econômicos. Desde a Segunda Guerra Mundial, tem havido diferentes tratados e organizações internacionais em determinadas áreas, o que, no final, levaram à fundação da União Europeia (UE). O que faz a UE interessante em comparação a outras formas de comunidades de Estados europeus anteriores? Neste caso, os Estados membros cederam, em parte, a sua soberania, a fim de ter um grande quadro jurídico-legal da UE em diversas áreas de interesse comum. Até que ponto essas competências devem ser alargadas ainda é uma questão de discussão constante. Mesmo que, por vezes seja dito, é certo que não é correto falar sobre uma "Nações Unidas da Europa", porque os Estados europeus são bastante autônomos.

Mas o poder legal já existente indica também a importância das eleições para o Parlamento Europeu. Depois de um período legislativo de cinco anos, cerca de 400 milhões de cidadãos da UE podem exercer o seu voto diretamente e, adicionalmente, podem dar um voto preferencial para um candidato da lista. O número de membros do Parlamento Europeu enviados por cada nação depende da quantidade de cidadãos do respectivo país - atualmente, o intervalo é entre 6 e 96 deputados em cada um, sendo o total de 751 eurodeputados.

O Parlamento Europeu desempenha um papel significativo no processo de construção de leis, em conjunto com o Conselho da União Europeia, e é o Poder Legislativo da UE. Ele tem muitos mandatos, a fim de controlar as outras instituições da UE, e decide sobre o orçamento do bloco, bem como, por exemplo, sobre acordos comerciais internacionais. Os membros do Parlamento também elegem o presidente da Comissão Europeia - em outras palavras, o líder do órgão executivo da UE. E, uma vez que esta posição se torna vaga este ano, os resultados da próxima eleição são altamente relevantes para a definição de quem será o presidente. Especialmente porque agora, pela primeira vez, os dois maiores partidos políticos europeus dentro do parlamento, EPP (Partido Popular Europeu) e o PES (Partido Socialista Europeu), apresentaram seus candidatos à UE. Este é um passo simbólico - que não tem efeito sobre o próprio processo de votação, porém deve não só demonstrar o compromisso das forças políticas, como também o poder desses grupos continentais, o que dá uma perspectiva concreta para o próximo possível presidente da Comissão.

 Os candidatos, partidos e suas propostas

[caption id="attachment_2838" align="alignleft" width="346"]Juncker defende uma legislação continental comum, e a redução dos gastos dos países europeus para os projetos de ajuda ou de assistência em outros continentes (Fotos: Wikicommons) Juncker defende uma legislação continental comum, e a redução dos gastos dos países europeus para os projetos de ajuda ou de assistência em outros continentes (Fotos: Wikicommons)[/caption]

Jean-Claude Juncker é o candidato do Partido Popular Europeu. Ex- primeiro-ministro de Luxemburgo, ele foi nomeado como o candidato presidencial pelo seu partido, que reúne essencialmente legendas de centro-direita, entre eles siglas democratas, essencialmente conservadoras e crists. O Partido Popular Europeu é o maior entre as instituições mais importantes da UE, assim: o Parlamento Europeu (Poder Legislativo), o Conselho da União Europeia (Poder Legislativo) e a Comissão Europeia (Poder Executivo).

Juncker tem defendido sanções mais severas contra Putin no caso da Ucrânia, tem mostrado cautela sobre movimentos de independência, afirmando que as constituições nacionais devem ser respeitadas. Em matéria de imigração ilegal, defende uma legislação continental comum, e a redução dos gastos dos países europeus para os projetos de ajuda ou de assistência em outros continentes.

Sobre símbolos religiosos em espaços públicos, o candidato conservador tem reafirmado que a legislação europeia respeita todas as religiões e filosofias, mas tem deixado claro a necessidade de que as tradições nacionais e locais sejam respeitadas em primeiro lugar.

Já sobre a baixa participação dos cidadãos nas últimas eleições da UE, ele fez declarações apelando à unidade européia, argumentando fatores relacionados à dimensão demográfica do continente, bem como tem defendido o euro como o melhor caminho para evitar uma guerra financeiro-monetária e fiscal no continente. Juncker também tem defendido medidas que tornem os lobistas conhecidos para a população comum, a fim de reduzir a corrupção.

Colabore com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da Fórum Semanal, que vai ao ar toda sexta-feira. Assine aqui [caption id="attachment_2839" align="alignright" width="387"]Schulz apoia a iniciativa de criação de um sistema internacional de imigração legal, envolvendo outros continentes do mundo (Foto: Mettmann) Schulz apoia a iniciativa de criação de um sistema internacional de imigração legal, envolvendo outros continentes do mundo[/caption]

Martin Schulz é o candidato do Partido dos Socialistas Europeus. Atual presidente do Parlamento Europeu, é alemão e membro do Partido Social-Democrata (SPD, em alemão). Schulz foi o candidato indicado pelos Socialistas Europeus para disputar a presidência do Parlamento do bloco. O Partido dos Socialistas Europeus (PES em inglês) reúne essencialmente partidos de centro-esquerda, incluindo partidos democratas, social-democratas e socialistas. É o segundo maior entre as estruturas da União Europeia.

Martin Schulz tem destacado o risco de uma guerra civil na Ucrânia. Tem enfatizado que a UE não é uma potência militar, por isso deve buscar o diálogo com os ministérios das Relações Exteriores dos países envolvidos, porém, ao mesmo tempo, defende o reforço das sanções sobre Putin. Sobre os movimentos de independência, ele deixa claro que não é o papel da UE incentivá-los, mas devem ser respeitados, a exemplo do referendo a ser realizado na Escócia.

Em matéria de imigração ilegal, Martin Schulz apoia a iniciativa de criação de um sistema internacional de imigração legal, envolvendo outros continentes do mundo, considerando diferentes casos, desde refugiados políticos, de guerras e também catástrofes naturais. Sobre símbolos religiosos em espaços públicos, o candidato do PES se coloca a favor do respeito à liberdade religiosa como direito humano e individual, e em locais públicos tem dito que deve ser garantida a neutralidade, sem qualquer tipo de discriminação. Já sobre a baixa participação dos cidadãos nas últimas eleições da UE, Schulz argumenta que não houve debates no passado sobre o tema. Para ele, é importante que agora sejam feitas discussões para aumentar a democracia, a participação, bem como o envolvimento das pessoas no combate ao desemprego, à evasão fiscal e à especulação, respondendo às demandas de pessoas que querem uma Europa diferente. Schulz defende, ainda, uma nova legislação europeia contra a corrupção, articulada com os Estados nacionais. [caption id="attachment_2840" align="alignleft" width="284"]Verhofstadt tem criticado a falta de liderança da UE e a necessidade de uma nova legislação para combater os lobbies ilegais Verhofstadt tem criticado a falta de liderança da UE e a necessidade de uma nova legislação para combater os lobbies ilegais[/caption]

Guy Verhofstadt é o candidato do Partido da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE, em inglês). O ex-primeiro-ministro da Bélgica foi nomeado como o candidato presidencial pelo seu partido, que reúne as legendas liberais do continente. O ALDE é o terceiro maior partido, com presença nas mais importantes instituições da União Europeia.

Dentre as questões mais debatidas, Verhofstadt tem defendido penas severas contra Putin no caso da Ucrânia, tem declarado que a Europa é uma potência suave e não quer a guerra, mas que a atitude de Putin é inaceitável. Para ele, no caso dos movimentos de independência, o melhor é o diálogo construtivo, a exemplo da Catalunha, que possui maior autonomia regional. Em matéria de imigração ilegal, Verhofstadt também é favorável a uma política continental comum.

Em outro tópico polêmico, como os símbolos religiosos em espaços públicos, o candidato liberal tem sido incisivo na defesa de uma legislação antidiscriminação, criticando duramente os ataques contra as minorias nacionais. Tem atacado abertamente as mudanças recentes sobre o tema do aborto na Espanha.

Já sobre a baixa participação dos cidadãos nas últimas eleições da UE, ele tem feito declarações que chamam a atenção da população à defesa da paz, à promoção do emprego, bem como à defesa dos direitos individuais, especialmente após os vazamentos de dados denunciados por Edward Snowden. No tocante ao combate à corrupção, Verhofstadt condena a falta de liderança da UE e a necessidade de uma nova legislação para combater os lobbies ilegais. [caption id="attachment_2841" align="alignright" width="384"]Para Keller, a Europa deve reduzir a sua dependência energética em relação à Rússia, investindo em novas tecnologias, principalmente renováveis Para Keller, a Europa deve reduzir a sua dependência energética em relação à Rússia, investindo em novas tecnologias, principalmente renováveis[/caption]

Franziska Keller é a candidata do Partido Verde Europeu (EGP, em inglês). A mais jovem entre os candidatos é alemã, parlamentar europeia, eleita pelo Partido Verde de seu país. Seu partido na UE é fundamentalmente composto por siglas verdes no continente. O EGP é o quarto maior partido com presença nas mais importantes instituições da União Europeia.

Franziska Keller apoia o reforço do diálogo e uma saída pacífica para a questão ucraniana. No entanto, ressalta que a presença de Putin na Crimeia é inaceitável, argumentando que a Europa deve reduzir a sua dependência energética em relação à Rússia, por meio do investimento em novas tecnologias, principalmente renováveis.

Keller também defende o fim do comércio de armas existente entre a UE e os russos. Sobre os movimentos de independência na UE,  aprova o direito de autodeterminação dos povos e dentro de um ambiente democrático, sustentado que os Estados independentes devem ser reconhecidos pela UE.

Em matéria de imigração ilegal, Franziska Keller criticou uma certa hipocrisia política existente no bloco e disse ser inaceitável a morte de pessoas na Itália. Atacou também países que criticam a mesma Itália ao salvar a vida de imigrantes ilegais, dizendo que essa atitude só incentiva a imigração ilegal. Sobre símbolos religiosos em espaços públicos, a candidata verde afirma que não deve haver regulamentação continental, mas símbolos, roupas, como lenços, devem ser respeitados, porque são de natureza pessoal, mas que os espaços comuns devem ser neutros, sem símbolos ou discriminação. Já sobre a baixa participação dos cidadãos nas últimas eleições da UE, diz que há uma falta de confiança nas instituições, e o caminho para reconquistar a confiança é o fortalecimento da democracia e a criação de novos canais de participação. Em relação ao combate à corrupção, Keller censura a entrada livre de lobbistas em Bruxelas. Ela considera esse um sério problema, que os legisladores europeus deveriam ouvir os cidadãos primeiro e não os lobbistas. Colabore com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da Fórum Semanal, que vai ao ar toda sexta-feira. Assine aqui [caption id="attachment_2844" align="alignleft" width="220"]Tsipras destaca que a imigração ilegal é um problema global, muitas vezes criado por ações militares, ou como reflexos dessas ações que a Europa faz em outros países Tsipras destaca que a imigração ilegal é um problema global, muitas vezes criado por ações militares, ou como reflexos dessas ações que a Europa faz em outros países[/caption]

Alexis Tsipras é o candidato do Partido da Esquerda Europeia (EL, em Inglês). O segundo mais jovem entre os candidatos é grego e parlamentar europeu, eleito pelo Partido da Coligação da Esquerda Radical de seu país (SYRIZA, em grego). O EL reúne principalmente partidos que defendem as filosofias do socialismo democrático, os partidos socialistas e comunistas do continente. É o quinto maior com presença nas mais importantes instituições da União Européia.

Alexis Tsipras tem defendido o fortalecimento da diplomacia, a retirada dos militares russos da Criméia, a luta contra o neonazismo na Ucrânia e a democracia e a participação do povo ucraniano como um ponto-chave para solucionar o conflito. Sobre os movimentos de independência, Tsipras se coloca favorável ao direito de autodeterminação das populações, mas se mostra cauteloso com a mudança das fronteiras nacionais estabelecidas. Para ele, o caminho é fortalecer a autonomia das regiões como a Escócia e Catalunha.

No que diz respeito à imigração ilegal, Alexis Tsipras destaca que este é um problema global, muitas vezes criado por ações militares, ou como reflexos dessas ações que a Europa promove em outros países. Para ele, é necessária a criação de fundos e políticas unificadas de imigração na Europa. No tocante aos de símbolos religiosos em espaços públicos, acredita que as tradições dos Estados nacionais devem ser respeitadas, e que as leis, tais como a Lei Antiaborto aprovada recentemente na Espanha, são anacrônicas, causando um retorno ao conservadorismo ditatorial de outros tempos.

Já sobre a baixa participação dos cidadãos nas últimas eleições da UE, Tsipras considera que há um déficit democrático no bloco, e as pessoas não votaram e não vão votar porque não acreditam em mudança, estão decepcionadas com as intervenções dos países mais fortes sobre os mais frágeis, a exemplo da imposição feita por Merkel e banqueiros para remover governos eleitos na Grécia, em Portugal e na Itália, impondo novos governantes. No que tange o combate à corrupção, condena a corrupção, e diz que é um problema estrutural no continente, especialmente no sul da Europa, e que isso não é apenas um problema dos Estados nacionais, mas também da UE. Para ele, há uma necessidade de evitar a enorme evasão fiscal existente no continente. Também aponta que existem máfias por trás de muitas empresas e que, sem vontade política dos governos e da UE, será difícil combater a corrupção no continente.

As perspectivas futuras

Claro que a disputa mais importante pode ser identificada entre Schulz e Juncker, e que seus partidos políticos europeus têm mais probabilidade de vencer esta eleição. Assim, eles devem reforçar o seu importante papel na maior parte do próximo Parlamento Europeu e para a formação de políticas nos próximos cinco anos.

Uma questão atual em curso é definitivamente o caso da Ucrânia e as relações com a Rússia. Alguns candidatos já manifestaram suas posições em relação às possíveis sanções políticas contra a Rússia, especificamente contra Putin. Schulz e Junker estão do mesmo lado, neste assunto.

O debate sob a bandeira do direito humano à liberdade de religião é basicamente um reflexo sobre o tema polêmico do crescimento dos muçulmanos na UE. O discurso sobre o fortalecimento das tradições locais ou nacionais levantado pelos grupos de extrema-direita evidencia isso, principalmente referindo-se à predominância cristã histórica no continente europeu. Esta discussão política e cultural pode ser notada em toda a Europa.

Relacionado a isso, o grande debate sobre a imigração ilegal na UE está em seu auge - considerando os últimos casos, com enorme atenção da mídia, sobre os chamados boat people. São pessoas que vêm da África e são atacadas por forças especiais da polícia nas fronteiras europeias, muitas vezes deixadas sozinhas enquanto se afogam no mar Mediterrâneo e/ou presas em centros de refugiados, mesmo antes de sair de seu continente. O Partido dos Socialistas Europeus, em geral, parece ser menos restritivo no discurso. Schulz também tem abordado o aspecto humanitário do problema. Pelo menos, há uma chamada a partir do lado conservador para um sistema jurídico mais harmônico, mas como isso deve ser organizado ainda não está muito claro. Colabore com o que o cabe no seu bolso e tenha acesso liberado ao conteúdo da Fórum Semanal, que vai ao ar toda sexta-feira. Assine aqui

A falta de democracia na UE pode ser percebida em diferentes áreas. No contexto desta eleição, é abordada principalmente sobre o problema da baixa participação dos cidadãos europeus no último processo eleitoral. Os lobbies e a corrupção na UE podem ser ligados a este tema como origem da frustração dos cidadãos em geral. É claro que todos os candidatos são contra o lobbying ilegal e condenam a corrupção política causada por esta – ao menos no discurso.

A União Europeia ainda está lidando com a crise financeira e uma alta taxa de desemprego em alguns Estados nacionais. Este problema é abordado concretamente por Schulz, mesmo que cada partido tenha sua própria ideia quando se trata da melhor solução econômica para superar a crise em curso.

A previsão dos resultados desta eleição é – comparado ao último processo eleitoral de 2009 - para ser mais favorável à centro-esquerda e à esquerda mais radical. Os conservadores devem perder alguns lugares devido às mudanças políticas em países importantes como a França e a Itália. A situação francesa, desde as eleições presidenciais de 2012, também explica, em certa medida, o enfraquecimento dos Verdes. Já grupos de extrema-direita e os chamados céticos da UE devem crescer um pouco, mas o pré-requisito para a criação de uma fração (membros de sete países diferentes) não deve ser atingido. As mudanças esperadas na distribuição de mandatos combinados com a próxima eleição do presidente da Comissão (Poder Executivo da UE) também tornam essas eleições europeias de 2014 muito interessantes.

(*) Magdalena Schrott, 27 anos, austríaca, estudante de Direito na Universidade de Viena; Áustria.

(**) Vinicius Sartorato, 32 anos, brasileiro, sociólogo, Mestre em Políticas de Trabalho.

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