Eles financiavam a repressão

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Perto do aniversário do golpe militar de 64, o Fórum de Ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo afirmou que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tinha uma lista, elaborada pelos órgãos de segurança do regime, com os nomes de quem não podia ser contratado nas empresas. Quase simultaneamente à denúncia, o diretor Chaim Litewski exibiu o documentário Cidadão Boilesen, no festival É Tudo Verdade, tendo como fio condutor a história de um empresário suspeito de colaborar com a repressão aos grupos esquerdistas da época da ditadura.
Dinamarquês naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen foi assassinado no dia 15 de abril de 1971, no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo. Presidente da Ultragás, era tido como um dos principais intermediários entre os empresários e a Operação Bandeirante (Oban), criada pelo exército para reprimir a oposição ao regime. O diretor Litewski, de 54 anos, fala à Fórum por que resolveu filmar a história e sua impressão sobre os anos de chumbo no Brasil.

Fórum – Por que usar Hennin Boilesen como fio condutor do filme?
Chaim Litewski –
A narrativa ou a maneira de contar a história da ligação entre civis e militares no suporte político e econômico ao regime e suas operações de repressão permite muitos caminhos. Poucas pessoas têm o nome diretamente associado com a Operação Bandeirante (Oban). Boilesen é, certamente, uma delas. Ele tem uma trajetória de vida muitíssimo interessante. Sua memória ainda desperta reações contraditórias, dependendo com quem se fala. Achamos que, nesse contexto, ele era o fio condutor mais apropriado para se poder chegar ao assunto que tratamos no documentário: por que os empresários contribuíram para a repressão?

Fórum – Já que os arquivos da ditadura nunca foram completamente abertos, o filme, de certa maneira, tem a intenção de mostrar um lado ainda pouco conhecido da história da ditadura?
Litewski –
Sem dúvida, uma das principais intenções do filme é jogar luz sobre a questão da anistia aos militares, além também do papel decisivo que a sociedade civil teve no apoio à ditadura, assuntos ainda pouco explorados e que merecem, sem dúvida, maior debate. Achamos também que deve haver um grande esforço da sociedade no sentido de abrir, de uma forma transparente e definitiva, os arquivos governamentais que tratam desses assuntos.

Fórum – A Anistia Internacional apontou certa vez que, se os países tivessem uma cultura de ensino e debate de direitos humanos, esses direitos fundamentais pouco seriam violentados – como aconteceu nos porões da ditadura. Você concorda?
Litewski –
Concordo em parte com a avaliação da Anistia. Acho que o que houve ali, durante aquele longo período, foi sim a falta de uma percepção sobre direitos humanos, mas entram na mistura também o fanatismo político e a seriedade com que ambos os lados levavam aquela batalha. Do lado militar, principalmente, havia a crença de que estavam lutando pelo Brasil, contra a “cubanização” do país... Não se pode esquecer que estávamos no meio da Guerra Fria!

Fórum – Por fim, gostaria de saber seu ponto de vista sobre o editorial da Folha de S.Paulo que afirmou que o regime de exceção brasileiro, na verdade, foi uma “ditabranda”. O que acha dessa declaração?
Litewski –
Acho vergonhoso que até hoje pessoas queiram negar o que já foi dito, lido e comprovado de muitas formas. Isso, na verdade, é apenas uma forma de apagar o passado e não ter que lidar com o lixo que foi escondido embaixo do tapete. F