Em despedida privada com equipe, Mandetta fala em risco de colapso na saúde e ingratidão

Ex-ministro rebateu Bolsonaro: “idosos não são e nunca serão descartáveis sob o argumento da economia que for”

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
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Antes de deixar o ministério da Saúde, Luiz Henrique Mandetta falou sobre ingratidão e risco de colapso no sistema de saúde do país. As declarações ocorreram em uma cerimônia informal para colocar a sua foto na galeria de ex-ministros, acompanhada pelo jornal Folha de S.Paulo.

Nesta despedida privada, ocorrida algumas horas depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar a sua demissão, Mandetta fez um discurso de cerca de dez minutos para servidores e assessores, após ouvir aplausos, cantorias e falas emocionadas de aliados.

Ele começou falando sobre a Santa Irmã Dulce, religiosa brasileira canonizada recentemente. Por sua solicitação, um quadro da santa católica estava colocado no local.

“Quando fui a Salvador ver o hospital da obra de Irmã Dulce, estava com prefeito ACM Neto e ele se ajoelhou. Eu decidi ajoelhar também e rezar para que ela iluminasse o país. E disse: Irmã Dulce, se a senhora for santa, vou no Vaticano. Achei que ia demorar 30 anos e pagar a promessa lá na frente, mas fui. Chegando lá, o que eu pedi foi: protege o SUS, porque, ao proteger o SUS, a senhora protege muita gente”, disse o já ex-ministro.

Mandetta usou do exemplo da santa para se referir ao desafio de implementar medidas de isolamento social durante a pandemia de coronavírus, alvo de críticas de Bolsonaro.

“A obra dela era uma obra para gente pobre, gente da rua de Salvador, que ela nunca negou, nunca fechou a porta. Tudo o que fizemos aqui foi pensando nos mais humildes. No dia que gente desse ministério me falou como era o ônibus que vinha para cá, o grau de proximidade das pessoas, vamos falar em isolamento social como? O SUS vai pagar a conta de séculos de negligência, de favela, de falta de saneamento básico, de falta de cuidado com o povo mais humilde que é a grande massa trabalhadora desse país", continuou.

"O que é falar para eles: 'vão trabalhar, por que temos que passar por isso rápido'? Se passar por isso rápido significa estressar muito além do razoável o sistema de saúde", disse Mandetta, indicando que há risco de um colapso no SUS. “Quando a gente vê o sistema de saúde dos Estados Unidos, quando vê Nova York em colapso, Chicago em colapso, a gente pensa no nosso Brasil e nesse povo daqui e fala: Santa Dulce, nossa senhora, ajuda."

Ele expressou preocupação com o relaxamento de medidas de isolamento, que poderiam levar a um comprometimento do sistema de saúde como visto na Europa, e disse que idosos “não são e nunca serão descartáveis sob o argumento da economia que for”, em uma indireta a Bolsonaro.

“O Padre Antônio Vieira falava: se tudo que fizeres pela pátria, e ela ainda assim lhe for ingrata, não tereis feito mais do que sua obrigação”, disse. Mandetta esteve à frente do ministério por três meses e 16 dias.

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