“Ainda que poucas, nós resistimos”, diz Áurea Carolina, vereadora negra mais votada em BH

Uma das 32 vereadoras negras eleitas em todo o Brasil, Áurea conta para a Fórum como foi o processo e o que vem a seguir, além de ressaltar a “beleza da vitória de mulheres negras nessa eleição”.

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Uma das 32 vereadoras negras eleitas em todo o Brasil, Áurea conta para a Fórum como foi o processo e o que vem a seguir, além de ressaltar a “beleza da vitória de mulheres negras nessa eleição” Por Matheus Moreira Conforme a Fórum divulgou, a sub-representatividade de minorias de gênero e raça no Brasil apareceu de maneira gritante nos resultados das eleições municipais de 2016. Apenas 32 mulheres negras foram eleitas vereadoras em todo o Brasil e a jovem mineira de 32 anos, Áurea Carolina (PSOL), é uma delas. A mais votada em Belo Horizonte (MG) falou à reportagem sobre as dificuldades de campanha e representação de mulheres negras na política e na mídia tradicional e contou, ainda, seus planos para o cargo. Confira: Fórum - Quais foram as principais dificuldades durante a campanha e até mesmo dentro do partido no período pré-candidatura? Áurea - Campanha é difícil porque temos um sistema eleitoral extremamente complexo e engessado que dificulta a vida de candidaturas pequenas e de movimentos sociais. Os entraves burocráticos do processo foram algo que tivemos que aprender a conhecer e destravar. Além disso, foi uma campanha com poucos recursos, que dependeu de muito trabalho voluntário e de grande mobilização e comunicação. A burocratização da campanha em si exigiu demais de nós. Fórum - Dentro dos partidos sabemos que há problemas com a cota de candidatas mulheres e não existem políticas afirmativas para candidatos negros. Como foi no PSOL? Você sentiu alguma falta de apoio por integrar duas minorias, de gênero e étnica? Áurea - No nosso caso, não. Inclusive, a nossa coligação foi uma das únicas que extrapolou bastante o percentual de 30%. Além de nós, o PSTU que foi chapa única. Tivemos muitas candidatas negras. Nesse aspecto foi bem tranquilo. O partido é uma instituição que tem problemas e não está imune à reprodução de machismo e racismo. É um trabalho permanente de flexibilização e de debate político para que essas práticas não sejam reproduzidas internamente. Fórum - Qual será a influência da sub-representatividade negra e de mulheres no cenário político para o seu projeto de gestão? Qual será o impacto na sua gestão agora que foi eleita? Áurea - Representatividade é ponto de partida para mim. Pela minha história de vida, pelo meu corpo e pela construção política que originou minha vitória. Há um campo amplo de movimentos sociais feministas, negros, LGBTs, indígenas, que possibilitaram que lançássemos uma campanha coletiva da multiplicidade que queremos junto com o PSOL. Representatividade é a tônica da entrada de grupos historicamente subalternizados em espaços antes impensáveis, como o espaço de poder e a mídia, ou a cultura e a moda. Representatividade vai além do poder político, tem relação com uma construção simbólica de imaginário, de reconhecimento e identidade. Isso precisa estar na nossa atuação. Fórum - Nesse ano, apenas 32 mulheres negras foram eleitas vereadoras nas 27 capitais, isso dá cerca de 1 mulher negra em cada Câmara Municipal brasileira. Como você avalia esse cenário? Áurea - É um sintoma de como o racismo junto ao patriarcado produzem a exclusão sistemática de mulheres negras. Nós não somos representadas. Nem no poder, nem na mídia tradicional. A não ser quando somos representadas como serviçais, de hiperssexualização dos nossos corpos. É uma confirmação de como o nosso país é racista e machista. Mas apesar disso, temos que evidenciar o quão louvável é que, apesar de tudo, 32 mulheres negras tenham se elegido. É extraordinário. Passamos por um processo eleitoral e, ser bem-sucedida, é uma conquista maravilhosa e tem que ser celebrada. Olhar para o quanto precisa avançar é importante, mas reconhecer a vitória também. Ver a beleza do ingresso dessas mulheres no cenário, ainda que poucas. Nós resistimos. Fórum - Quais serão os primeiros passos do seu mandato, agora eleita, nesse cenário pós-golpe, em termos de conquistas sociais e de debate? Áurea - Nesse primeiro momento iniciaremos o desenho do mandato. Nos comprometemos a cumprir um mandato coletivo e agora precisamos dar formato para isso. Quais serão os mecanismos de participação, como iremos compor o gabinete, como destinar os recursos. E assim que entrarmos na Câmara vamos começar a implementar as pautas que defendemos em campanha. São vários eixos e estudaremos as prioridades e que tipos de interlocução que faremos. Tem um trabalho grande pela frente. Veja o vídeo de comemoração publicado no perfil de Áurea:   Foto: Patrick Arley/Reprodução Facebook