Espanha e a independência da Catalunha

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Neste domingo (9), os catalães que forem votar terão de responder duas perguntas: “Você quer ser um Estado?” e “Você quer ser independente”. Apesar de simbólicas, o resultado das respostas pode ser um passo à frente rumo à Catalunha independente ou enterrar de vez tal sonho

Por Vinicius Gomes

A partida entre Barcelona e Atlético de Bilbao em 13 de setembro de 2014, válida pelo campeonato espanhol, foi palco de uma cena curiosa. Ao décimo quarto segundo do décimo sétimo minuto da partida, diversas bandeiras da Escócia foram levantadas, enquanto o grito de “independência” era entoado nas arquibancadas ocupadas pela torcida do time de Messi e Neymar.  A cena voltaria a se repetir quatro dias depois, quando o Barcelona enfrentou o Apoel Nicosia, do Chipe, pela UEFA Champions League. O motivo é simples: na quinta-feira (18) daquela semana, a Escócia teria um dos dias mais importantes de sua História, quando ocorreria o referendo que decidiria se o país devia se tornar ou não independente do Reino Unido – e poucos povos se identificavam tanto com a causa escocesa como os torcedores do Barça.

Em 11 de setembro, uma semana antes do referendo mais ao norte na Grã-Bretanha, cerca de 1,8 milhão de pessoas tomaram a Gran Via de Les Corts Catalanes – uma avenida que se estende por 13 km e a Avinguda Diagonal, que possui 10 km de extensão.  Essa massa de manifestantes que tomou duas das principais vias de Barcelona usava camisetas amarelas ou vermelhas e tremulava bandeiras que muito se assemelhavam à de Cuba, mas eram da Catalunha, uma das três regiões autônomas que há anos lutam por sua independência da Espanha. O horário da partida escolhido pelos catalães, 17:14, traz como referência o ano de 1714, que marca o fim do sítio à cidade de Barcelona pelo exército espanhol na Guerra da Sucessão Espanhola, e o ensurdecedor grito “IN-DÊ-INDEPENDÊNCIA” é tradicionalmente gritado nos jogos contra seu maior rival, Real Madrid. Por isso eles estavam tão obcecados pelo destino do país céltico, pois se a Escócia garantisse sua independência e entrasse na União Europeia, aquele seria um argumento para os catalães que o governo central em Madri não conseguiria derrotar.

Mas o destino quis que a maioria dos escoceses escolhesse por continuar dentro do Reino Unido (com Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte) enquanto o Tribunal Constitucional da Espanha decidiu tornar irrelevante qualquer que fosse o resultado do referendo catalão no próximo domingo pela independência da região, tornando o 9 de Novembro um evento apenas simbólico, sendo desprezado pelos unionistas espanhóis como “nada mais do que uma grande pesquisa de opinião”. De qualquer maneira, a organização responsável pelo movimento 9N convocou a todos os cidadãos da Catalunha que comparecessem para votar:

“Hem de tenir clar que ara el que està en joc és la democracia, i per tant és imprescindible que diumenge tothom vagi a votar. Las nostra resposta al Tribunal Constitucional espanyol és: ‘Votarem’”. (Temos que saber claramente que agora o que está em jogo é a democracia, e portanto é imprescindível que domingo todos votem. A nossa resposta ao Tribunal Constitucional espanhol é ‘Votarem’”.)

A união faz a força ou Visca Catalunya?

Apesar de taxarem o 9 de Novembro como simbólico, esta não é a primeira vez que o governo em Madri tenta bloquear o referendo. E se as 1,8 milhão (de uma população de 7,5 milhões) de pessoas que tomaram as ruas de Barcelona em setembro votarem pela independência nesse domingo, a Espanha e o resto da Europa poderão realmente ignorar seus resultados? Muitos espanhóis unionistas menosprezam seus conterrâneos separatistas, afirmando que o idioma catalão é “polonês” e que seus cidadãos são “poloneses” – o que para muitos da Europa Ocidental significa que eles são “estrangeiros em que não se pode confiar” – ao passo que estes simplesmente se consideram catalães em primeiro lugar, e depois espanhóis.

Mesmo apesar desse suposto desprezo, o governo central está de fato preocupado com o que pode se seguir do 9N. A Catalunha é a grande força econômica da Espanha e não é a única região com viés separatista no país, dando mais destaque aos galícios e os bascos no extremo norte espanhol, além de outras 15 regiões autônomas menores (juridicamente falando). Outro temor da administração do presidente Mariano Rajoy (PP) é que nas próximas eleições em 2015, possa acontecer uma coalizão entre os partidos pró-independência da Catalunha: o presidente da região autônoma da Catalunha Artur Mas (Convergència i Unió, ou CiU) e aquele que está parecendo ser o líder de fato do movimento separatista, Oriol Junqueras, líder do partido Esquerra Republicana (Esquerda Republicana) aumentando ainda mais a temperatura no caldeirão da política espanhola.

A Catalunha é um grande contribuinte líquido de impostos para o centro: em um ano médio, 8% do PIB da região fluem em impostos para o resto da Espanha, custando aproximadamente 2.055 euros a cada catalão em 2011 (o governo central não publica regularmente os valores). Agora em um movimento descrito como “incendiário” pela mídia nacional, o orçamento nacional da Espanha para 2015 destinou à Catalunha a menor parcela de investimento público em 17 anos. A região já havia sido uma das mais afetadas pelo choque de austeridade imposto pelo Banco Central Europeu, após a crise financeira de 2008 – onde ocorreram enormes cortes no gasto público em setores sociais, “mas no fim das contas, quem toma as decisões sobre orçamento está em Madri, e não em Barcelona”, lamentou recentemente Junqueras. “Então estamos encurralados, para protegermos o Estado de bem estar social nós precisamos ter o nosso próprio Estado”, concluiu.

Se a velha máxima de “a união faz a força” for verdadeira, então a Espanha está testemunhando um daqueles raros momentos em que os eternos adversários (direita e esquerda) se unem contra um “perigo maior”. Uma amostra disso é vista até mesmo nos jornais do país: entre os jornais catalães (a favor da consulta) estão o de direita La Vanguardia, e os esquerdistas Ara e El Periódico. Na Espanha, os jornais de direita, extremamente contra a consulta, estão o La Razon e El Mundo, assim como também o éEl País, de centro-esquerda. Assim sendo, a informação “correta” dependerá de onde esta está sendo retirada. Para a Catalunha e o resto da Espanha, não existem respostas concretas sobre o que é melhor ou pior para o país ibérico.

“Nenhuma região autônoma pode tomar decisões quando elas sentem vontade a cada ‘x’ anos”, afirma o empresário de 40 anos Cesar Fernandes. “Hoje é a Catalunha, amanhã é Berlim, depois vem o País Basco, no dia seguinte Roma, e todo o continente fragmentado em mini-países”, profetiza. Seu argumento, como o de todos unionistas, é que a “união faz a força” e que uma Espanha unida, é melhor que desmembrada.

O que deve ser levado em conta também é que, apesar de forte economicamente, grande parte da mão de obra da Catalunha procede de outras regiões espanholas, como da Andaluzia. De súbito, o país catalão pode se encontrar com uma força de trabalho essencialmente imigrante em seu território, podendo acarretar em inúmeros problemas para empresas catalãs (La Cava Freixnet e Lubrificantes Repsol), além de montadoras internacionais como Seat e Nissan.

A sombra da rejeição da União Europeia a um “novo país” é um dos grandes fatores que pesa sempre contra qualquer país ou região do continente que anseia por independência política. “A Escócia rechaçou a independência, e eles têm reservas de petróleo e áreas de pesca no Mar do Norte. Poderia a Catalunha competir, sendo que a única coisa que tem é gasolina e montadoras de veículos? Com uma nova moeda usada somente por catalães, tendo de fazer frente ao euro, dólar e libra esterlina?”, questiona Fernandez.

Leticia Hedz, 29, é uma jovem dentista espanhola nascida no arquipélago das Canárias, distante tanto geográfica como politicamente da controversa independência catalã. “De qualquer maneira, como cidadã europeia e espanhola, considero que qualquer forma de separatismo é prejudicial para uma nação”, afirma, apesar de concordar que se uma decisão consensual e democrática ocorrer em toda a Espanha pela separação, seria válida.  Mas para Hedz, assim como para Fernandez, “um país unido é mais forte”.

“Minha impressão é que esses partidos [pró-independência] sabem perfeitamente que não podem se sustentar como uma nação única, mas estão organizando todo esse rebuliço para exigir mais dinheiro de Madri, nada mais”, argumenta Fernandez. Para o espanhol, a questão é dinheiro. “Quando leio as notícias, me parece uma encenação política, como se fosse uma briga de vizinhos em um prédio”, compara.

De qualquer maneira, nesse domingo, os catalães que forem votar terão de responder duas perguntas: “Você quer ser um Estado?” e “Você quer ser independente”? Apesar de simbólicas, o resultado das respostas pode ser um passo à frente rumo à Catalunha independente, ou enterrar de vez tal sonho.