Estupidez sem fronteiras: curso de machismo por 300 a 500 euros

Reportagem de El Diario traz a história de um “guru da sedução”, que em um vídeo sugere o uso da força para terminar relacionamentos e em outro incentiva homens a beijarem garotas nas ruas

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Na foto acima, Álvaro Reyes, que se define como “um dos maiores especialistas em sedução da Espanha” Reportagem de El Diario traz a história de um “guru da sedução”, que em vídeo sugere o uso da força para terminar relacionamentos e em outro incentiva homens a beijarem garotas nas ruas Por Lara Monrosi/Ignacio Tudela, do El Diario “Não espere sua permissão. Sinta-se no direito de fazer o que quiser. Pedir permissão é sintoma de insegurança.” É assim que se apresenta Álvaro Reyes, que define a si mesmo como “um dos maiores especialistas em sedução da Espanha”, um negócio muito rentável do qual vive. Ele garante, em um dos seus vídeos publicados no Youtube (este com mais de 10 mil visualizações, mas são mais de 9 milhões de visualizações em seu canal) no qual dá conselhos sobre como tratar as mulheres, que é capaz de ensinar a “terminar com qualquer namorada que você tenha”. Depois de colocar óculos escuros, ele sai do enquadramento e chama: “Maria? Maria?”. Na sequência, se escutam fortes golpes e gritos. Não se vê nada, como se precisasse. A lição está implícita. Segundos depois, Álvaro Reyes volta diante da câmera e tira os óculos. “Assim se termina qualquer tipo de relação”, conclui sorridente [minuto 3:25]. Vídeo retirado O vídeo aqui incluído, onde o autor aconselhava bater em uma mulher com a qual se queira terminar um relacionamento, foi retirado por Álvaro Reyes do YouTube após sua publicação na reportagem do El Diario, que então difundiu o vídeo em seu próprio canal. Mas o YouTube pediu também a retirada por conta de um veto de Reyes, que alegou violação de direitos de autor. Para Pilar Sepúlveda, membro do Conselho Geral do Poder Judiciário e pesquisadora acadêmica na área de Maus Tratos e Violência de Gênero, no vídeo “pode estar sendo cometido o crime de incitação à violência”. O Instituto Andaluz da Mulher produziu um relatório para o Observatório da Publicidade Não Sexista com a finalidade de estudar o caso a fundo e verificar a possibilidade de promover sanções. Há anos, associações de vítimas de violência de gênero e organizações feministas denunciam ações desse tipo como “apologia à violência de gênero”. Contudo, ao não serem tipificadas como delitos, estas práticas continuam impunes. “Este tipo de situação é bastante comum, mas não vem à luz e quase nunca chegam a ser julgados”, explica Pilar Sepúlveda. Para Reyes, contudo, se trata de uma “sessão de humor”. “Não quero dizer absolutamente nada. Simplesmente às vezes pego as peguntas mais surrealistas para fazer algum comentário engraçado”, explica.   Uma aula com Reyes Álvaro Reyes não ensina apenas por meio de seus vídeos. Também publica livros, tem sua própria página na web: www.juegatujuego.com e dá cursos de sedução em todo o território espanhol. Segundo suas palavras, “são mais de 300 homens que assistiram às suas oficinas e colocam em prática seus ensinamentos em diferentes cidades” da Espanha. No último dia 4 de abril deu uma oficina em Sevilha, que contou com seis alunos e dois jornalistas assistentes. Nela, eles aprenderam não só teoria sobre sedução, como também executar o “daygame”, uma técnica que consiste em abordar mulheres durante o dia e conseguir dados, números de telefone e inclusive beijá-las poucos minutos depois de ter falado com elas. O perfil dos assistentes era completamente heterogêneo. Desde rapazes por volta de seus vinte anos que nunca haviam tido uma relação, até divorciados que não sabiam como seguir com sua vida sentimental depois da separação. Todos tinham uma coisa em comum: problemas de sociabilidade. “Não só tenho dificuldade com as mulheres, como também com os colegas de trabalho ou na hora de falar em público”, disse um dos participantes, enquanto outros concordavam. No curso, Reyes ensina a nunca aceitar um “não” como resposta. A rejeição é transitória. “Uma mulher rejeita você em um determinado momento por seu estado emocional, mas em pouco tempo pode estar predisposta para que as coisas aconteçam.” Outro dos seus ensinamentos fundamentais gira em torno do controle dominante que os homens devem ter nas situações e relações. “Devemos ultrapassar os limites estabelecidos para ter sucesso com uma mulher. Nunca pergunte se pode fazer algo, faça-o sem mais.” Este papel dominante também pode ser encontrado em algumas publicações de sua página na internet, como em um post no qual conta como foi seu último Reveillón com amigos. “A garota começou a se comportar com hesitação, David e Alexander a pegaram com plena autoridade e ela ficou no chão, sem reclamar (nota: quando uma garota age com insegurança: você tem que guiá-la). Ela precisa de um líder que a leve e se você passa para ela essa segurança, se sentirá segura e o obedecerá.” Apesar do êxito de suas oficinas, Reyes não tem nenhuma credencial que o qualifique para dá-las. Biólogo de profissão, garante que abandonou sua área para se dedicar à sedução porque “sua ilusão era fazer as pessoas felizes” e afirma que aprendeu lendo livros. Os tópicos, arcaicos e ultrapassados, se sucedem na maioria de suas publicações na internet. “As mulheres, como centenas de vezes já disse, são emocionais […] não utilizam a lógica.” Reyes acredita que um dos maiores problemas na hora de se relacionar é que são as mulheres que decidem. “Fulanas que para mim são nota 5, querem conseguir um fulano que seja 8 ou 9. Até uma orc pode rejeitar homens na Espanha.” Apesar destas opiniões e de ter mais de 7 milhões de visitas no YouTube, Álvaro Reyes nunca teve problemas com o conteúdo destas. Somente durante a gravação de um vídeo que chamou de “O beijo cego” e que consistia em beijar garotas pela rua sem o seu consentimento; uma delas decidiu denunciá-lo à polícia. Contudo, não houve denúncia, já que “disse ao policial que a havia confundido com minha namorada. Tive que me valer do meu engenho”. Depois desta publicação, as redes sociais começaram a chamá-lo de “assediador”. “São gilipolleces*. São mulheres feminazis que não têm nada melhor pra fazer e ficam criticando”, afirma. Reyes colabora também com a página “Sedução e Superação”, um projeto que tem como objetivo “atrair mulheres de forma natural” e cujo criador, David del Bass, também oferece cursos de sedução. Del Bass compartilha os mesmos ideais de sedução que promove Reyes. Em “Sedução e Superação”, entre conselhos de autoajuda, psicologia e informação sexual básica, pode-se ler coisas como “o problema aparece quando as mulheres, sem serem conscientes disso, começam a se comportar como homens, de forma promíscua […] se você dá uma olhada no pátio de um colégio verá garotas de 14 ou 15 anos vestidas como meninos, quase 100% usam calça, sua linguagem corporal e sua postura será masculina e inclusive falarão como fazem os meninos, e para mim estilo é algo que espero que volte a ser como era”. As oficinas de sedução, de uma duração aproximada de cinco horas nas quais se combina teoria e prática, têm um preço de 300 euros. Os cursos especiais de dois dias, o último realizado neste final de semana em Madri, custam, em média, 500 euros, 750 se forem os de três dias consecutivos. Ademais, Reyes dá a possibilidade de realizá-lo online pelo Skype, por 75 euros. Os livros também são parte de seu negócio. “Sedução Elite” ou “Como ligar por Whatsapp” são algumas de suas publicações, que custam 29,97 euros. Criou também um “Mestrado em Sedução Elite”, com duração de seis meses e custo de 120 euros. Licenciado no Magistério, David del Bass iniciou “Sedução e Superação” em 2008 e já foi entrevistado por meios de comunicação como Espelho Público na Antena 3, a cadeia SER e o programa Para todos a 2 da TVE pela publicação de seu livro “Segredos de um sedutor”. Ele tem muito claro que é quem toma as decisões em seus encontros com mulheres. “Quando ela me oferecia algo mais sério, era sincero com minhas opiniões […] e finalmente consegui trazê-la para minha realidade em que domino e fiz sexo com elas”, escreveu na web. machismo twitter Por meio de um comunicado, a Assembleia de Mulheres Sobreviventes denuncia que “se trata de uma clara apologia da violência de gênero, imaginário e práticas machistas através da sedução […] Promovem o assédio, a agressão sexual e perpetuam o modelo de dominação-submissão”. Da mesma forma, Ángeles Sepúlveda, presidente da associação AMUVI, considera as afirmações de Reyes “lamentáveis” e demonstram que “o machismo segue vigente”.