A formação de um "Podemos brasileiro"?

Ex-integrantes da Rede Sustentabilidade, PT, PSOL e PCdoB discutem o processo de composição de um novo partido. O Avante (nome provisório) teria como pilares principais o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cidadanismo, inspirado em experiências de outros países.

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Ex-integrantes da Rede Sustentabilidade, PT, PSOL e PCdoB discutem o processo de composição de um novo partido. O Avante (nome provisório) teria como pilares principais o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cidadanismo, inspirado em experiências de outros países Por Glauco Faria e Vinicius Gomes

Um partido político formado a partir da história de agremiações como o espanhol Podemos, o grego Syriza e o MAS boliviano, que leve em conta ainda as experiências de democracia direta da Islândia e de outros países onde a ideia de “partido-movimento” tem adquirido rosto. A formação dessa agremiação é o que discute um grupo composto por ex-integrantes da Rede Sustentabilidade, PT, PSOL e PCdoB, além de pessoas que nunca tiveram filiação partidária, em um seminário aberto ao público que acontece nesta sexta-feira (16), em São Paulo.

O nome do evento, Queremos, não deixa dúvidas em relação à inspiração no partido espanhol. O local e horário do encontro também são simbólicos: o auditório do cursinho Henfil, na avenida Paulista 1.776, 17º andar, às 18 horas. Próximo ao horário e local do segundo ato contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL). “Provisoriamente nos identificamos com Avante e nosso manifesto está na fase de redação final, temos um processo de horizontalidade e o texto tem sido discutido a muitas mãos”, explica Célio Turino, que foi um dos principais líderes da Rede Sustentabilidade, tendo saído da legenda não-oficial após o apoio de Marina Silva a Aécio Neves no segundo turno das eleições de 2014. “Os pilares dessa construção já definimos: o bem comum, o bem viver, o ecossocialismo e o cidadanismo. O ecossocialismo é um dos pilares que mais avançamos na discussão e o cidadanismo é reflexo do direito de participação, algo muito evidente nas Jornadas de Junho de 2013. Há representantes dos garis do Rio de Janeiro, do pessoal que luta contra o Estado de exceção, principalmente lá, e há ainda muitos coletivos que surgiram nas Jornadas e estão integrados nesse debate”, explica. Para Turino, o Avante seria uma espécie de “segunda via” no cenário político nacional. “Ele surgiu de uma necessidade de construir uma segunda via política no Brasil, nos colocamos assim, e não como terceira via porque, no nosso entendimento, o quadro político-partidário está concentrado numa via só. A gente identifica que esse é um dos grandes problemas da política e do Estado no país, castas partidárias e econômicas tomaram conta do bem publico”, sustenta. Esvaziamento dos partidos Para a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), uma iniciativa como a formação de um novo partido nos moldes do Avante é algo “extremamente promissor”. “O sistema político-partidário eleitoral e o resultado das últimas eleições sinalizam exatamente no sentido de que a sociedade e a juventude estão percebendo o esvaziamento e o descrédito da política brasileira. E, nesse sentido, os movimentos que vêm se manifestando nas ruas em torno de demandas concretas não têm encontrado dentro das organizações políticas que existem no país hoje alguma com a qual se identifiquem, para ser o canal de suas demandas, projetos e anseios, para que possam se expressar”, acredita. Rudá Ricci também diz acompanhar, como sociólogo e cientista político, o processo de discussão da nova agremiação, já que um de seus principais temas de estudo tem sido os movimentos sociais contemporâneos, retratados em seu livro Nas Ruas. Para ele, “há uma imensa lacuna no sistema partidário brasileiro desde que o PT se subordinou à lógica governamental, desvinculando as relações dos partidos com as ruas”. De acordo com Ricci, as chances da nova legenda se viabilizar institucionalmente vão depender de diversos fatores. “As possibilidades estarão dadas na medida em que não for algo doutrinário ou muito intelectualizado, ou seja, se for possível se relacionar com a cultura política e social brasileira, muito difusa e contraditória, dialogando com nosso sincretismo religioso. Caso contrário, será mais um anúncio sem chão. A grande questão é que o sistema partidário brasileiro está falido e as eleições vêm revelando a oscilação permanente dos eleitores”, afirma. Mas seria possível uma prática partidária nova no cenário brasileiro sem a efetivação de uma reforma política? “Acreditamos que o caminho é sobretudo de diálogo com o sentimento da sociedade, hoje existe uma muralha que separa essa casta política desse sentimento e tudo tem sido canalizado agora em torno de uma panaceia, a reforma política, que pode até mesmo restringir a participação. Nós queremos o oposto disso, trabalhar a partir de uma cidadania insurgente. Não há mais como esperar, há que se construir alternativas”, defende Turino. Erundina também acredita na viabilidade de uma nova forma de se fazer política sem uma reforma. “Acho que se é uma proposta que se inspira na luta concreta do povo e do esforço real dos segmentos da sociedade que estão fora dos partidos, sindicatos e das organizações que até agora existiram e que têm concentrado o ativismo na sociedade, então é algo possível e necessário”, assegura. “A tentativa de uma nova política e uma nova proposta que se ensaiou com Eduardo Campos, e depois se assumiu na figura da Marina Silva, se frustrou da forma mais triste ao final do primeiro turno, com ela [Marina] aderindo a uma das forças da polarização (PT-PSDB) a qual pretendia contribuir para por um fim. E, no segundo turno, se engaja publicamente e de forma entusiasmada a uma das candidaturas. Não apenas não se quebrou a polarização e não se manteve a busca por uma terceira via como, ao aderir a um dos candidatos, fortaleceu esse polo. Isso foi uma frustração, inclusive no âmbito da Rede Sustentabilidade.”

Foto: Mídia Ninja