Guilherme Cohen: “Bolsonaro cresce no medo, no ódio. Precisa de um inimigo para eliminar”

Na 1ª entrevista da série Judeus e Bolsonaro, Guilherme Cohen, do Judeus pela Democracia, fala sobre o vínculo que o atual presidente tenta estabelecer entre seu extremismo e o Judaísmo desde o período eleitoral.

Foto: Arquivo pessoal
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A primeira entrevista da série Judeus e Bolsonaro é com Guilherme Cohen. O carioca é coordenador do coletivo Judeus pela Democracia, psicólogo, tem 31 anos e é filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), legenda pela qual disputou uma vaga na Câmara de Vereadores da capital fluminense na última eleição.

Logo na primeira pergunta, sobre o perfil político do judeu brasileiro, Cohen procurou desmistificar a ideia de que todos são conservadores e alinhados com visões reacionárias.

"A comunidade judaica é plural e bastante heterogênea. Parte dela, infelizmente, viu em Bolsonaro um aliado, já que ele se colocou como um suposto ‘amigo’ de Israel. Outra parte, na qual me incluo, tem a convicção de que Bolsonaro é o pior presidente de toda a História do Brasil", esclarece.

O histórico de Bolsonaro, assim como sua realidade presente, já no Palácio do Planalto, é suficiente para que Cohen afirme que, de maneira alguma, ele possa representar os judeus em sua totalidade.

"Um sujeito que minimiza a pandemia, atua contra a democracia e persegue diversas minorias não nos representa. Para mim, aliás, se ele persegue outras minorias, de certa forma me persegue também", explica.

Sobre todas as vezes que Jair Bolsonaro proferiu discursos de ódio contra setores sociais minoritários, inclusive durante o período eleitoral que culminou com sua vitória, há quase três anos, o integrante do coletivo Judeus pela Democracia, afirma que essa é a forma como o presidente faz política e que foi por meio do ódio que ele conseguiu se destacar, escolhendo alguém para perseguir.

"No 2º turno das eleições de 2018, participei de uma caminhada com outras lideranças religiosas no centro do Rio de Janeiro e, à época, disse que era inaceitável que um povo que já passou por tudo que a gente passou, apoiasse um indivíduo que diz, por exemplo, que as minorias têm que se adequar às maiorias, ou desaparecer... Bolsonaro é autoritário e fanático. Ele cresce no medo, no ódio e na violência. Ele precisa de um inimigo para eliminar. É assim que ele sempre fez política", lembra.

Ainda no que diz respeito a perseguições, inevitavelmente menciono o Holocausto, o genocídio cometido pelos nazistas contra o povo judeu durante a 2ª Guerra Mundial, e pergunto se um evento trágico como esse não colocaria os judeus, em geral, automaticamente contra uma personalidade como a de Jair Bolsonaro e seu governo. Cohen responde:

"Eu acredito que é nosso papel aprender com a História, para que ela não se repita nunca mais. Não se repita conosco e não se repita com nenhum outro grupo. É bastante óbvio que a posição da comunidade judaica em relação a isso deveria ser de repúdio total. Felizmente, mesmo que tarde, o número de indignados com o atual presidente vem aumentando."

Um episódio que marcou muito a relação dos judeus com Bolsonaro foi sua palestra no clube Hebraica, em 2017, no Rio de Janeiro, quando ainda era pré-candidato a presidente. Foi naquela noite, para uma plateia de judeus, numa agremiação judaica, que Bolsonaro fez um de seus discursos mais racistas e extremistas na carreira política.

Referiu-se aos quilombolas (negros) como animais, em arrobas, dizendo que não serviam "nem para procriar", e desfilou todo tipo de ódio contra minorias e setores sociais em condições vulneráveis, mirando sua metralhadora de intolerância inclusive em organizações e entidades que atuam em diversas causas. Cohen estava lá, mas do lado de fora, protestando contra o que classificou como um "show de horrores".

"O episódio da palestra de Bolsonaro na Hebraica foi um grande divisor de águas em nossa comunidade. Muitos, infelizmente, lembram-se das centenas de pessoas que aplaudiam um dos discursos mais violentos e criminosos do então pré-candidato Jair Bolsonaro. O que muitos não se recordam é que nesse mesmo dia, durante o show de horrores que acontecia lá dentro, algumas centenas de judeus estavam do lado de fora do clube protestando e gritando: ‘Judeu e Sionista não apoia fascista’ e ‘Judeu sem memória’... Tenho muito orgulho de ter ido à porta do clube aquele dia, junto com Carlos Minc, Silvio Tendler, jovens de movimentos sionistas e tantos outros que não aceitaram calados tal absurdo. Lembramos também dos judeus mortos na Ditadura Militar, entre eles o jornalista Vladimir Herzog."

Questiono também se não há um desconforto entre judeus pelo fato de alguns membros do governo Bolsonaro terem simpatia por nazistas e supremacistas brancos, como nos casos do ex-secretário Nacional de Cultura, Roberto Alvim, que emulou um discurso de Goebbels (pai da propaganda nazista) e mais recentemente do assessor especial para assuntos internacionais Filipe Martins, que fez um gesto usado por grupos racistas norte-americanos, durante uma sessão no Senado Federal.

"Não posso falar em nome de toda a comunidade judaica, mas estão cada vez mais evidentes esses laços de integrantes e simpatizantes do governo com supremacistas. Importante lembrar que grupos supremacistas e neonazistas têm ideias em grande medida similares", esclarece.

Para Guilherme Cohen, a intenção de Bolsonaro ao se aproximar de judeus, mesmo com todo seu histórico de ódio e intolerância, é criar um canal com os evangélicos. Mas não só. A aproximação também seria uma espécie de álibi para disfarçar sua fama.

"Bolsonaro, no período pré-eleitoral, resolveu estabelecer esse vínculo com Israel e a comunidade judaica. O batismo no rio Jordão e a palestra na Hebraica são exemplos disso. Ele fez isso por alguns motivos, dentre os quais um deles é a conquista de uma base evangélica muito numerosa. Além disso, utilizou essa aproximação para higienizar a sua imagem de preconceituoso", relaciona.

Vale lembrar que os evangélicos formam uma base muito sólida do bolsonarismo e que esse segmento cristão estabelece uma relação confusa entre símbolos do Judaísmo e do Estado de Israel e o Cristianismo.

O último acontecimento envolvendo o presidente da República e personalidades judaicas foi um jantar oferecido pela elite paulistana, há duas semanas (no auge da pandemia), no qual estiveram presentes Claudio Lottenberg, presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein, e também David Safra, herdeiro do espólio bilionário do banqueiro Joseph Safra, falecido há poucos meses. No convescote, Jair Bolsonaro foi ovacionado pelos anfitriões e recebeu elogios embaraçosos, já que a homenagem foi justamente no período mais letal da pandemia da Covid-19 no Brasil, com quase 4 mil mortes diárias pela doença. Cohen fez considerações sobre a festa.

"Eu sempre defendi o diálogo institucional. Nesse sentido, em tempos normais, Claudio Lottenberg, que é presidente da CONIB, teria o dever de sentar com o chefe de estado, seja ele quem fosse, de forma republicana. E olha que isso já não era tão simples mesmo antes da pandemia. Afinal, desrespeitar princípios básicos dos Direitos Humanos, exaltar torturador, menosprezar a democracia, não podem ser vistos como valores normais de um presidente de um país democrático... Acontece que não vivemos tempos normais. Estamos no meio de uma pandemia totalmente fora de controle, que tira a vida de mais de três mil brasileiros diariamente, com a conivência do presidente da República, que minimiza o vírus, não usa máscara e provoca aglomerações. Diante disso, participar desse jantar com alguém que colabora com o genocídio e o negacionismo da pandemia é lamentável."

Quis saber se outros setores do Judaísmo no país também se constrangeram, ou se indignaram, com a presença de Lottenberg e Safra na recepção exclusiva oferecida ao presidente, ao que Cohen respondeu completando:

“A reação veio de muitos coletivos judaicos. O coletivo Judeus pela Democracia, a ASA – Associação Scholem Aleichem –, a Casa do Povo (SP), o Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil, entre outros se posicionaram de forma contundente repudiando a participação em tal jantar. Felizmente o número de judeus indignados e que lutam contra esse governo desde sempre não é pequeno."

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