Honduras põe OEA à prova

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A Organização dos Estados Americanos (OEA) e o seu secretário-geral, o chileno José Miguel Insulza, estão no meio do vendaval político, diplomático e ideológico que percorre a América desde que em 28 de junho um golpe cívico-militar depôs o presidente das Honduras, Manuel Zelaya.

Seis décadas depois de criada, a OEA continua submetida à pressão de provar a sua utilidade, a eficácia dos documentos-chave, como a Carta Democrática que adotou em 2001, e o valor de os países latino-americanos e das Caraíbas compartilharem uma organização regional com os seus vizinhos ricos do norte, Estados Unidos e Canadá.

Também se mostra como cenário para aprovar uma nova política de Washington para os seus vizinhos do sul, na esteira da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) e os dotes como mediador do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, Nobel da Paz de 1987 pela sua atuação na pacificação da América Central. No meio disso, Insulza enfrenta com dureza as autoridades impostas nas Honduras, com Roberto Micheletti como substituto espúrio de Zelaya, e no êxito dessa linha reside, em boa arte, a possibilidade de ser reeleito em Junho de 2010.

O próprio Insulza falou da necessidade de ajustar a Carta Democrática à luz do ocorrido nas Honduras, pois o texto "tem limitações", como uma vaga definição do que é "uma grave ruptura da ordem constitucional e democrática", que pode ser invocada com facilidade pelos governos, mas não por outros setores da sociedade. Precisamente sobre essa base, autoridades estaduais e municipais da Venezuela, opositores ao presidente Hugo Chávez, bateram esta semana às portas da sede da OEA em Washington para denunciar "graves violações da Constituição" por parte do governo nacional.

"O que queremos é que a OEA não chegue à Venezuela quando for tarde demais", disse em nome do grupo o presidente da câmara de Caracas, Antonio Ledezma, que este mês fez uma greve de fome de cinco dias até conseguir que Insulza ouvisse suas denúncias de "assédio político, judicial e orçamentário" por parte do poder central em relação às regiões. A OEA pronunciou-se de modo rápido e unânime contra o golpe de Estado nas Honduras, no próprio 28 de Junho, quando Zelaya foi tirado, na madrugada, da sua residência por uma centena de militares e posto num avião com destino à Costa Rica. Essa resolução inspirou acções semelhantes por parte da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e do Movimento de Países Não-alinhados, e exigiu o "retorno incondicional" de Zelaya à Presidência do seu país.

Insulza acompanhou reuniões da Alba (Antiga e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Honduras, Nicarágua, San Vicente e Granadinas e Venezuela) e do Sistema de Integração Centro-americana (Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá) que exigiram a imediata volta de Zelaya ao governo e reclamaram da OEA medidas "contundentes" que a tornassem possível. Uma dose de "realpolitik" chegou com a resposta do governo de fato, de retirar as Honduras da OEA e depois suspensa, uma segunda vez com o frustrado retorno de Zelaya apoiado por presidentes latino-americanos e o próprio Insulza, e uma terceira quando os Estados Unidos tomaram partido em favor do diálogo entre os contendores para encontrar uma saída pacifica e de consenso.

"Vimos, então, uma América Latina impotente que, ao fim de uma década de mudanças políticas internas e novas buscas de integração e independência em relação à potência do Norte, para avançar na solução de uma crise de um país relativamente pequeno, não tem outra solução a não ser pedir, quase implorar, a actuação do órgão interamericano. E pior ainda, da potência hegemónica", disse à IPS o analista político Fausto Masó. Washington interveio, mas com a cartada de impulsionar a mediação de Arias e o seu guião para resolver a crise, que começa com a devolução da presidência a Zelaya, ao que Micheletti se opõe. Essa desconsideração ao plano de Arias fez com que a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, fizesse um "duro chamado" a Tegucigalpa, ameaçando cortar as ajudas e comprometer as relações no longo prazo.

O Conselho Permanente da OEA apoiou a gestão de Arias e inclusive o seu último prazo de 72 horas para que se chegue a uma solução. Do contrário, a alternativa pode ser derramamento de sangue, a guerra civil, disse Arias a Insulza. O escritor peruano-espanhol Mario Vargas Llosa, ao expressar apoio a Arias, disse que "quanto menos a OEA intervir melhor, devido à pertinente inutilidade desta instituição, que também tem a nefasta propriedade de tornar inúteis também seus secretários-gerais, inclusive os que, como Insulza, pareciam mais espertos". O ex-candidato presidência norte-americano John Kerry, hoje titular da Comissão de Relações Exteriores do Senado, disse que "o problema que o Congresso vê é que a OEA e os seus líderes principais fizeram gestos um tanto precipitados em relação às Honduras, que podem ter reduzido a capacidade dessa organização de mediar com eficácia". A "OEA não deve esquecer que o seu papel é resolver crises em favor da democracia. Parece haver uma melhora neste momento", disse o representante do Partido Democrata.

A disputa ideológica aumenta e líderes da Alba, como o presidente de Cuba, Raúl Castro; da Bolívia, Evo Morales; da Nicarágua, Daniel Ortega, e da Venezuela, Hugo Chávez, acusam "setores reacionários de Washington" de terem organizado o golpe hondurenho. Esses líderes esquerdistas livram o presidente Barack Obama, mas cobram dele medidas mais fortes frente à ditadura de Micheletti e em relação ao alto comando das forças armadas de Honduras, bem como o desmonte da base militar que o Comando sul dos Estados Unidos mantém nesse país.

Chávez distanciou-se da mediação de Arias, pois critica o fato de der dado tratamento igual a Zelaya e Micheletti. Analistas políticos, entre eles Elsa Cardozo, professora de pós-graduação em Estudos Internacionais em universidades venezuelanas, disse à IPS que "a Alba, e em particular Chávez, querem que a OEA devolva o poder a Zelaya e, se não o fizer, alegarão a inutilidade desse organismo para tentar fazer com que a região se afaste dele". Desde 2007, quando começou a receber reclamações de órgãos hemisféricos pela situação dos direitos humanos e da liberdade de expressão na Venezuela, Chávez expressou publicamente a sua disposição de se retirar da OEA.

A Venezuela "poderia sair da OEA e convocar os povos deste continente para nos libertarmos desses velhos instrumentos e formarmos uma organização de povos da América Latina, de povos livres", disse Chávez em Maio depois de mandar "para o diabo" a Comissão Interamericana de Direitos Humanos que produziu um relatório contrário ao seu governo. Editorialistas de jornais norte-americanos e de alguns grandes da América Latina sugerem que o desenlace da crise em Honduras impulsionará ou deterá o chamado "modelo chavista" e as próprias autoridades do governo de fato hondurenho, bem como cartazes nas manifestações dos que as apoiam, justificam os seus actos como de contenção ao líder venezuelano.

Para analistas como Adam Isacson, do Centro de Política Internacional em Washington, o surgimento de uma fratura como essa e a necessidade de dar mais força à OEA "é o que leva Insulza a buscar mais protagonismo com a promoção de um debate que actualize a Carta Democrática" interamericana. Também, o polémico neoliberal peruano Álvaro Vargas Llosa, filho do escritor, expressa a sua noção de que, embora Washington se faça de "grande eleitor" na designação do secretário-geral da OEA, contará para a reeleição os muitos votos que podem arrastar não apenas a Alba, mas a Petrocaribe, o esquema de cooperação petrolífera da Venezuela com os seus vizinhos.