Indígenas Terena resistem à reintegração; PF apreende equipamento de jornalista

Fazenda Buriti fica na Terra Indígena Buriti, declarada em 2010 pelo Ministério da Justiça como ocupação tradicional do povo Terena

(Foto: Reprodução / Cimi)
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Fazenda Buriti fica na Terra Indígena Buriti, declarada em 2010 pelo Ministério da Justiça como ocupação tradicional do povo Terena 

Por Ruy Sposati, de Sidrolândia para o CIMI 

[caption id="attachment_24151" align="alignleft" width="300"] Famílias Terena lutam para retomar seu território tradicional (Foto: Reprodução / Cimi)[/caption]

Cerca de 600 familías Terena permanecem ocupadas na fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS), a 70 quilômetros de Campo Grande. Os indígenas resistiram à tentativa de reintegração de posse da Polícia Federal, Tropa de Choque da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises (Cigcoe) e Polícia Rodoviária Militar realizada no último sábado,18. A área faz parte da Terra Indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional do povo Terena pelo Ministério da Justiça.

Na manhã de sábado, os indígenas retomaram a sede da fazenda, onde o proprietário Ricardo Bacha, ex-deputado estadual, estava entrincheirado. Os seguranças privados da fazenda atiraram contra os indígenas. Ninguém ficou ferido. O fazendeiro foi retirado pela Polícia Federal do local, junto com a família.

Uma comitiva de observadores externos composta pela Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (Copai/OAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cimi, Ong Azul, Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Comitê de Defesa dos Povos Indígenas do Mato Grosso do Sul (Condepi) e Coletivo Terra Vermelha esteve no local para prestar solidariedade e coibir ilegalidades no processo de evacuação da fazenda. Em 2010, na mesma terra indígena, o Cigcoe realizou despejo da comunidade ilegalmente, sem mandado de reintegração.

Em 19 de novembro de 2009, mesmo havendo decisão judicial favorável a posse da comunidade, os indígenas foram violentamente despejados por cerca de 30 fazendeiros e 60 policiais militares. Por temerem que a história se repetisse, os Terena solicitaram a presença de uma delegação de observadores externos, no sentido de coibir possíveis violações por parte dos aparelhos de repressão do estado.

Na comitiva de observadores, o jornalista do Cimi, autor desta matéria, teve seu equipamento apreendido pelo delegado da Polícia Federal, que argumentou não conhecer a entidade, e por isso levou um computador, um gravador e um leitor de cartões USB. No vídeo abaixo, contudo, é possível observar a contradição do policial, quando este alegou desconhecer o Cimi – uma vez que ele perseguiu o jornalista justamente por ser da entidade.

Assista ao vídeo do momento em que o delegado Alcídio de Souza Araújo, da PF, confiscou instrumentos de trabalho do jornalista sem nenhuma justificativa legal:

“A Polícia Federal dormiu todos esses dias junto com o fazendeiro, dentro da fazenda”, denuncia um indígena que prefere não ser identificado. Ele acusa alguns agentes de reproduzirem o preconceito embutido na fala dos ruralistas. "Mas hoje a polícia viu que a casa está intacta, que não é verdade o que o Ricardo diz que a gente fez. Nós não queremos a casa, nós estamos é lutando pela nossa terra", disse o Terena. Na foto abaixo, o que estava esperando os indígenas dentro de sua própria terra: em celular encontrado com pistoleiro, fotos regsitram treinamento de tiro dos "seguranças" contratados.

Retomada [caption id="attachment_24152" align="alignleft" width="300"] Foto de "segurança" em treinamento de tiro (Foto: Reprodução / CIMI)[/caption]

Os indígenas explicam que decidiram realizar a retomada da terra após uma quebra de acordo entre a comunidade e o proprietário da fazenda, o ex-deputado estadual Ricardo Bacha. “Quando soubemos na terça que o Ricardo tinha ido junto com outros fazendeiros encontrar com o governo [com o vice-presidente Michel Temer] sem a gente, percebemos que estávamos sendo passados pra trás”, explica uma das lideranças da retomada que prefere não se identificar. Na madrugada seguinte, os indígenas, então, ocuparam a fazenda de Bacha. “Como saiu a reintegração, o povo todo de Buriti veio pra cá, e também os patrícios de outras aldeias, pra ficarem na terra conosco”, expõe.

Leia a carta dos indígenas Terena de Buriti:

Carta Terena à sociedade: porque estamos retomando nosso território Buriti

Nós somos o povo Terena da Terra Indígena Buriti. Mais de 100 anos atrás, nós fomos expulsos daqui pela ambição do homem branco. Há 15 anos nós lutamos para retomar nosso território tradicional.

Nessa luta fomos novamente expulsos da nossa terra em muitas ocasiões. Agora querem nos expulsar mais uma vez. Escrevemos essa carta para explicar à sociedade porque estamos lutando pela nossa terra, porque retomamos nosso território.

Hoje, somos 5 mil pessoas confinadas em menos de meio hectare cada. Dos 17 mil hectares declarados como território tradicionalmente ocupado por nós Terena em 2010 pelo governo federal, temos a posse de apenas 3 mil. Os outros 14 mil hectares estão ocupados por 25 fazendas.

Nesta semana, nós retomamos a fazenda Buriti, a fazenda Cambará, a fazenda Santa Helena e a sede da fazenda Querência São José, abandonada há anos - todas incidentes sobre nosso território.

Nós retomamos essas terras porque elas são nossas e porque não temos terra para plantar.

Nosso povo planta muito. Nas nossas retomadas, temos 350 hectares plantados de mandioca, milho, batata, feijão de corda, cana, abóbora, melancia, eucalipto, maxixe e banana. É assim que vivemos e trabalhamos. Vocês conseguem imaginar como seria ficar mais de um século sem sua terra? É assim que nós estamos.

Todas as vitórias que conquistamos foram fruto da nossa luta, das nossas retomadas. Sabemos que não adianta ficar esperando pela boa vontade de um governo que cede a todas as pressões dos fazendeiros. Já ouvimos a resposta do governo federal às nossas reivindicações: Portaria 303, PEC 215, intervenção na Funai e orquestrações para paralisar processos de demarcação de terra.

Com apoio do governo, os fazendeiros estão se organizando cada vez mais. Enquanto escrevemos essa carta, muitos fazendeiros de todo Mato Grosso do Sul estão com suas caminhonetes forçando para entrar na ocupação. Jagunços e seguranças fortemente armados estão nos rondando e provocando. Se eles derramaram nosso sangue, a culpa é dos fazendeiros e do governo que não dá um basta nessa violência.

Dizemos aos fazendeiros e seus pistoleiros: também estamos organizados. Todos os povos do Mato Grosso do Sul estão juntos na mesma luta, e chamamos todos os patrícios e parentes para nos ajudar agora nesta luta pela vida. Por terra para todas as nossas crianças.

Queremos nossas terras livres e demarcadas. Vamos retomar nossas terras hectare por hectare. Já fomos baleados, presos, espancados e despejados muitas vezes. Mas aqui nós vamos ficar. Esta é nossa fala.

Terra Indígena Buriti, 17 de maio de 2013